sábado, 19 de novembro de 2011

Os cristãos novos e os Vila Nova de Navarra

No dia 31 de março de 1492, no exato ano em que as caravelas espanholas do genovês Cristóvão Colombo chegavam às praias da que logo seria chamada de América, os mesmos Reis Católicos que financiaram a empreitada navegadora, assinavam o Edicto de Expulsión dos judeus da Espanha.

Isabel a Católica, rainha de Castela, e Fernando de Aragão tinham acabado de expulsar os mouros que, -na visão peninsular que duraria daquela época quase até os dias de hoje- haviam "invadido" a peninsula ibérica durante sete séculos.

Primeiro erro de conceito que é bom esclarecer logo para entender a história que vou contar e saber do que vamos falar: os árabes ou mouros invadiram militarmente os reinos cristãos no ano de 711, mas durante mais de 700 anos (metade do que até então durara a era cristã!!) permaneceram e se fusionaram com quase todos os diversos povos celtas, íberos e "bárbaros", também invasores chegados às futuras Espanha e Portugal vindos do norte. 
Do mesmo modo, os judeus sefaraditas, grande galho da diáspora do povo israelita, chegaram antes e sobre tudo durante a permanencia dos árabes em solo ibérico, e formaram parte intrínseca da massa popular que mais tarde seria espanhola e portuguesa.

O "Edicto de Expulsión" dos judeus da Espanha de 31 de março de 1492, assinado em Granada, obrigando a saída dos seferaditas dos territórios castelhanos e aragoneses tinha como objetivo "evitar o dano que os judeus causavam à religião cristã". Os Reis Católicos queriam "evitar a influença dos judeus sobre os conversos ou cripto-judeus e devolver a pureza ao cristianismo", isolando os judeus em bairros especiais e estabelecendo o Santo Ofício de la Inquisición, assim como a expulsão dos hebreus da Andaluzia, recentemente reconquistada aos mouros.

O "Edicto de Expulsión" estava redigido nos termos e na linguagem da Inquisição. Era dai que tinha saído. Os judeus deviam deixar o país "Por orden y mandamiento del Rey y de la Reyna, nuestros señores, e del muy reverendo Señor prior de la Santa Cruz, inquisidor general en todos los revgnos e sennoríos de Su Alteza"

Os mais próximos à corte, claro, souberam de imediato do conteúdo do Edital, mas ele só se publicou entre 29 de abril e 1º de maio. Abravanel, Abraham Senior e Alfonso de la Caballería, judeus da mais alta herarquia, negociaram para dilatar a publicação, e assim dar tempo à enorme comunidade para se preparar ante o golpe.

Os antecessores de Isaac Abravanel perteneciam a una destacada familia de judeus de Sevilla que emigrou a Portugal depois que começaram as perseguições de 1391. Seu avô, Samuel Abravanel, tinha sido o tesoureiro de Enrique II, e de Juan I, de Castela.

Isaac foi o tesoureiro do rey de Portugal, que em 1483, ao ser vinculado a um complô contra o seu sucessor, fugiu para Castela. Foi agente comercial e financeiro de Isabel la Católica, a  quem emprestou importantes somas de dinheiro para financiar a guerra de Granada. Na fazenda castelhana se relacionou com Abraham Senior, seu protector, do qual ficou íntimo amigo, associando-se a seus negócios e ocupando o posto de "factor mayor". Ambos também realizaram gestões, inicialmente infructuosas, a favor do projeto de expedição transatlántica de Cristóvão Colombo.

Ao contrario que Senior, se negou a submeter-se ao batizado compulsório quando o "edicto de Granada" de março de 1492 determinou a expulsão de todos os judeus, o que ambos tinham tentado inutilmente evitar utilizando sua até então enorme influença sobre a rainha. Obrigado a salir da Espanha, embora conservando sua fortuna, se instalou em Nápoles.

De nada valeram aos grandes nomes do judaismo, Abravanel e Abraham Senior, os serviços prestados aos Reis Católicos, financiando a derrocada do último reino mouro de Granada e a viagem de Colombo que posibilitou a chegada ao novo continente; os judeus espanhóis foram obrigados a vender seus bens a preços miseráveis. "Daban una casa por un asno". "E una viña por poco pana o lienço", conta o cronista Andrés Bernaldez. Os hebreus de boa situação financeira não puderam liquidar todos os seus negócios, os que ficavam nas mãos de cripto-judeus, ou "judíos conversos", isto é, obrigados a abjurar da fé e ritos judaicos e batizados à força.

O judaismo espanhol já estava agonizando desde as perseguições de 1391 e com a implantação da Inquisição. En 1492, todos os hebreus espanhóis receberam a ordem de taxar seus bens e informar o valor aos comissários da Inquisição. 
Os que cometessem fraudes seriam castigados como hereges relapsos. As primeiras leis tinham a intenção de obrigar os judeus a abandonar as práticas "judaizantes" e aderir ao cristianismo. Para convencer aos indecisos, na mesma época foi sequestrado Rabi Juce, o rabino da aljama de Teruel. Milhares de judeus passariam a viver em ghetos, nessa época chamados "juderías" ou Barrios Nuevos.

Foi nesse clima de terror que grandes massas humanas começaram a migração rumo ao Portugal mais liberal e tolerante, e a criar-se a ponte que levaria milhares de cripto-judeus e cristão-novos para o novo continente, fazendo a rota Brasil-Buenos Aires, quando a Inqisição finalmente chegou ao pequeno reino dos lusitanos.

E neste mesmo clima de desconfianças e alerta permanente, é que viveram os primeiros Villa Nueva, ou Vila-Nova, família de cristão-novos que mantinham a fé e "as práticas judaizantes". Ainda em 1135, ocupavam a chamada Donación de Olgacema, na "judería" de Estella, localizada entre dois castelos, onde hoje apenas subsiste um pequeno bairro comercial. Estella, em Navarra, tinha uma das mais importantes aljamas, ou "juderías" espanholas.

Em 1144 os Vila-Nova, já então chamados de Villanueva, perderam a sinagoga que seria convertida em Igreja de Santa Maria, hoje conhecida como Jus del Castillo, perto do convento dos Dominicos, ao pé do velho bairro judeu.



Um dos Villanueva casou com a filha do recebidor-cobrador de impostos -José Barrionuevo- e desde então, ambas famílias ficaram vinculadas, entrecruzando seus destinos na península e depois na América. Dom Juce Bairro Novo, neto de José, foi o tributador de sacas e pedágios do pequeno reino, homem próximo ao rei Carlos III, financiando as obras do palácio na cidade.

A estirpe judaica dos Villanueva e dos seus primos, os Barrionuevo, sairam da Espanha para Portugal, e dai chegaram na Colonia do Sacramento, no atual Uruguai. Cruzaram o Rio da Prata mais tarde, porém, em etapas, ocupando primeiro a Isla Martín garcía, para depois se estabelecerem em Tucumán, e finalmente em San isidro, Catamarca.
Naquelas bandas, os judeus perderam os costumes "judaizantes" primeiro, e a religião dos seus ancestros depois. Quinhentos anos após terem sido forçados a virar "cristãos novos" ou "marranos" (porcos, para os cristãos velhos), já tinham esquecido por completo suas raizes. Casados com uma família de vascos de longa estirpe, passaram a ser simplesmente "criollos".
E essa mistura toda não foi boa? Foi muito boa; ao menos, assim penso eu!

Javier Villanueva, Colonia de Sacramento, 2009.


PS: La revista ‘American Journal of Human Genetics’ publicó recientemente un trabajo llamado "El legado genético de la diversidad e intolerancia religiosa: linajes paternos de cristianos, judíos y musulmanes en la Península Ibérica". El documento investiga el cromosoma ‘Y’ de 1400 varones -el cromosoma "Y", exclusivo de los hombres-, residentes, por lo menos durante tres generaciones, en un mismo territorio de la Península Ibérica. A través de algunas variables del cromosoma ‘Y’ se rastrea la herencia genética de los individuos, y de sus comunidades .
Las conclusiones no suenan extrañas. Por la sangre de los españoles o, mejor, de los habitantes de la ibéricos, corre un 69,6%, del ADN de los europeos e íberos autóctonos. 
Por otra parte, hay un 10,6% del "alma de nardo del árabe español", o. del moro berebere. 
Por último, un 19,8% del ADN colectivo ibérico proviene de la diáspora hebrea, del "sefarad" que, pese a la expulsión ordenada en 1492 por los Reyes Católicos a los judíos que no quisieron convertirse al cristianismo, dejó una fuerte huella genética en España y Portugal. 
Para descubrir el rastro sefardí hace falta mirarse apellidos. Un apellido que indica oficio o accidente geográfico, esconde un judío converso de finales del siglo XV.
Lo sorprendente es que en el ADN se encuentren restos genéticos de cristianos de procedencia íbera, moros y judíos, distribuídos geográficamente por toda la península, y no sólo en Andalucía.

Leia mais sobre o tema, desde um outro ponto de vista, em:

5 comentários:

  1. Bello, bello. Belíssimo texto. História linda!

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  2. Fantástica mistura. Só assim para se ter tanta história.

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  3. Obrigado por ler, Nelson. O texto é mesmo uma mistura. A história dos Barrionuevo, até onde eu sei é real. A vinda pra América, como a de todos os judeus castelhanos foi muito confusa. Meu avô paterno era quase um Quixote, ninguém diria que era descendente de "marranos". Mas as misturas não pararam na Espanha, claro. Meu pai casou com uma filha de bascos e andaluzes. E ele próprio -meu pai- já era uma mistura das boas: a mãe dele era filha de índios, ele -meu bisavô- descendente de tehuelches patagônicos; e ela, a mãe da minha avó paterna, filha de índios do norte argentino: diaguitas e calchaquies. A história só mistura a fantasia dos Vilanova e Villanueva. Há na minha família quem sustente que Barrionuevo ou Villanueva vem de Bar Nuevo, que não é judeu, mas basco puro. Eu prefiro a mistura. Um abraço

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  4. É uma mistura belíssima - e a parecidíssima com o Novo Mundo...

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  5. Obrigado, Andréa. Sim, é uma mistura da minha saga familiar centenária com a realidade que a gente ensina-aprende nos cursos sobre aquele período.

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