segunda-feira, 21 de março de 2022

A presença judaica no tango

 Tomado de Ofélia Broch

O HOLOCAUSTO E A PRESENÇA JUDAICA NO TANGO

O 26 de Janeiro é o dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto. Neste artigo vamos refletir sobre este tema, sobre a relação entre o tango com a sociedade judaica e por último sobre Astor Piazzolla e a música klezmer.
Dia da Memória.
Dia 26 de janeiro, dia internacional em memória das vitimas do holocausto. A data foi escolhida porque esse foi o dia da libertação do campo de concentração de Auschwitz, em 1945, na Polônia; ele é considerado o principal e mais terrível complexo de genocídio do regime nazista.

O nazismo.
O nazismo começou a se manifestar com uma arenga nacional e populista e se espalhou como uma praga com um discurso anticorrupção que atraiu a boa parte da população, que enganada atrás de um orgulho nacionalista pensou que poderia existir um império que pudesse dominar o mundo com mão firme, e que colocasse as coisas no seu lugar, em termos de justiça social e de bem estar.
Aos poucos as pessoas perceberam que aquele projeto que prometia um governo moralizador era na realidade um projeto opressor, autoritário e perverso. Contudo, quando as barbáries começaram a acontecer já era tarde demais. As vítimas eram pessoas com problemas físicos, homossexuais, independentes, negros, ciganos, comunistas, anarquistas, poetas e em especial à sociedade judaica estabelecida na Europa, que sofreu milhões de vitimas.

A saída para América.
Muitos imigrantes judeus já tinham chegado a Argentina, no começo do século XX, vindos da Ucrânia devido às sangrentas guerras civis e depois de toda Europa impulsionados pela ascensão do antissemitismo, no período entre 1933 a 1945, momento histórico no qual o pesadelo nazista se instaurou.
Entre os imigrantes muitos eram músicos, violinistas, pianistas, diretores de orquestra, poetas e compositores, os quais tinham uma importante formação musical e que não podiam exercer sua profissão por conta das perseguições antissemitas, que medrava de forma intensiva desde 1933, quando Hitler assume o poder na Alemanha.
A vida na Argentina para os exilados não foi fácil, porque de forma imperiosa tiveram que conhecer a língua e começar a trabalhar em condições precárias. Eles eram o que hoje se conhece como refugiados. Na Argentina, receberam o apelido de “rusitos”, devido ao fato das primeiras gerações de judeus que abordaram a Buenos Aires terem chegado da Rússia.
Muitos se alocaram nos bairros Once e Villa Crespo e, aos poucos, alguns violinistas começaram a fazer parte das orquestras de tango. Outros com uma formação musical importante ocuparam cargos de diretores das orquestras das rádios, que floresciam na capital portenha.

A questão da discriminação.
No mundo musical não existe um preconceito racial, religioso ou social muito forte, porque se um artista é realmente muito talentoso este valor se impõe de uma forma que desfaz qualquer tipo de discriminação.
Ao mesmo tempo não se via com bons olhos que um músico de tango tivesse um sobrenome fora dos parâmetros do habitual, era algo cultural.
Em alguns casos se chegou ao extremo de um músico renunciar a seu passado judaico. Conta Julio Nudier, no livro “Tango Judio”, que Luis Zinkes, da orquestra de Francisco Lomuto, se converteu ao catolicismo para evitar o preconceito.
Alguns mudaram seu nome artístico para burlar a discriminação. Os pseudônimos também contribuíram para ocultar o enorme aporte judeu no tango. No caso dos cantores, quase nenhum adotou um nome artístico que soara israelita. “Se você quiser cantar tango não pode se chamar León ni Zucker”, aconselhou o poeta Celedonio Flores ao irmão mais velho do famoso ator Marcos Zucker- aquele acatando o conselho se rebatizou com o nome de Roberto Beltrán. Cada Abraham se nomeou Alberto, cada Israel, Raúl. Noiej Scolnic elegeu ser Juan Pueblito. Isaac Rosofsky se reinventou como Julio Jorge Nelson. O tango acolhia com grande disposição ao músico judeu, à condição que tivesse um novo batismo.
Alguns optaram por debochar do preconceito. Aconteceu isso com o bandoneonista Antonio Gutman, que em 1914 forma a Orquestra típica “El Rusito”.

Os primeiros.
Arturo Berstein.
Um dos maiores nomes da cena do tango foi Arturo Bernstein, seu apelido era «o alemão». Ele era brasileiro, tinha nascido em Petrópolis em 1882. Foi considerado o melhor bandoneonista da época, mas a sua maior obra foi a criação da escola «sistemática e nacional de bandoneón».
Na orquestra de Juan Maglio se une o jovem pianista, Alberto Soifer, o qual depois de participar nas grandes orquestras como a de Canaro, Fresedo Troilo e Gobbi, chega a dirigir sua própria orquestra, a qual levava seu nome.
Escutemos sua orquestra no tango Alondras

Ismael Spitalnik.
Outro dos que chegam a ser diretor de orquestra foi Ismael Spitalnik.
Ismael Spitalnik foi um dos músicos mais completos na história do tango; bandoneonista, diretor, arranjador musical e compositor- nasceu em Buenos Aires, em 27 de agosto de 1919, como membro de uma humilde família judaica operaria integrada por oito irmãos. Participou como músico nas orquestras mais importantes da Época de Oro do tango, por exemplo, com Angel D´Agostino (1939/1943), Juan Carlos Cobián (1943), Horacio Salgán (1944/1945), Miguel Caló (1945/1946).
Ouçamos Ismael Spitalnik no tango Murmullo.

Miguel Nijensohn.
Foi pianista, arranjador e diretor de orquestra.
Sua participação na Orquestra de Miguel Caló, uma das mais prestigiosas durante a denominada «década do 40», merece um breve comentário. Por volta do fim de 1944, esta notável agrupação sofre um desmembramento na sua estrutura central, muito séria. Retiram-se quatro de seus mais importantes instrumentistas: Osmar Maderna, Enrique M. Francini, Domingo Federico e Armando Portier- uma verdadeira catástrofe para Miguel Caló. No meio desta situação, ele chama para suas filas um músico que conhecia muito bem, já que tinha participado na sua agrupação entre os anos 1936/1939: o pianista Miguel Nijensohn. Este importante músico judeu recompõe a orquestra com dez instrumentistas. Assim, a orquestra ficou integrada por seis músicos de origem judaica: os violinistas Alberto Besprosvan, Leo Lipesker e Simón Broitman, os bandoneonistas Ismael Spitalnik e Félix Lipesker e o pianista Miguel Nijensohn, quem compartia a responsabilidade dos arranjos musicais junto a Ismael.
Aqui escutamos a orquestra de Miguel Nijensohn

A família Rubistein.
Os Rubinstein (Motl era sapateiro e María Kaplán professora de escola hebraica) chegaram na Argentina da Ekaterinoslav, Ucrânia, em 1906, com três filhas e em Buenos Aires teriam mais seis filhos, entre eles: Luis, Oscar, Mauricio e Elías.
Um dos músicos mais conhecidos que fizeram parte da família foi Oscar Rubens, ele foi fundador da editora de música: Edições Select e da PAADI, Primeira Academia Argentina de Interpretação.
Em Select, Oscar Rubens (Rubistein), también editaría su nutrida colección de obras musicales, como: Tu melodía, Gime el viento, Los muñequitos, Llueve otra vez , Lloran las campanas, Tarareando, Domingo a la noche, Jugando jugando e Cuatro compases.
Aqui escutamos Llueve otra vez.
Mauri (Mauricio) foi um destacado comentarista radial de tangos, os outros três se dedicaram a escrevê-los, e no caso de Luis, inclusive se animaria a colocar música a alguns de seus numerosos temas como: Cadenas, Carnaval de mi barrio, Marion, Decime, Charlemos, De antaño. Também Cautivo , Dos palabras e Dos ojos tristes- nestes últimos só a letra .
Escutemos Marion.
Carlos Gardel llegó a grabar sólo uno de los tangos de Luis Rubistein: “Tarde gris”, con música de Juan Bautista Guido. Isso ocorreu em junho de 1930. Este tango, anos mais tarde ganhou muitas versões.
Ouçamos Tarde gris

Com Luis, aconteceu um fato premonitório, um verdadeiro pressagio. Ele foi expulso do colégio no terceiro grau por jogar um tinteiro na professora, que o reprendeu ao descobri-lo escrevendo versos. Nesse momento acabou sua breve carreira estudantil. Nunca completou o primeiro grau. Malgrado isto, sua vida esteve intimamente ligada com a literatura porque além de poeta foi um importante jornalista.

Oscar buscou se associar com compositores como Miguel Caló, Héctor Stamponi, Horacio Salgán. Ele compôs as valsas: Se fue e Soñador, Es en vano llorar, Lloran las campanas, Mientras duerme la ciudad, Qué quieres de mí, Quiero que sepan, Al compás de un tango, Lejos de Buenos Aires.
A orquestra de Miguel Caló, em sua melhor etapa, gravaria numerosos temas de Oscar como: Extraña, Si yo pudiera comprender, Rebeldía, Por que seguir, Desorientado, Sombras del puerto, Los muñequitos, El mejor, Dejame así, Gime el viento, Lejos de Buenos Aires, Tu melodía e Mientras duerme la ciudad.
Ouçamos "Gime el viento" com a orquestra de Aníbal Troilo

Mais músicos de tango da comunidade judaica.
Entre os músicos podemos citar o bandoneonista Antonio Gutman, o violinista José Nieso (José Niezow), os violinistas, Mario Abramovich, Samuel “Milo” Dojman e o pianista Jaime Gosis.

Raul Kaplún.
Não podemos deixar de destacar Raúl Kaplun (Israel Kaflun), violinista destacado e compositor de tangos como Canción de rango (Pa' que se callen), cantado por Roberto Arrieta, em 1942, Una emoción, registrado em 1943, com Raúl Berón, ambos com letra de José María Suñé. Também compôs Qué solo estoy, con letra del locutor Roberto Miró.
Escutemos cantado por Goyeneche Que solo estoy

Como tínhamos comentado existiram também cantores judaicos, como Roberto Beltrán (León Zucker) irmão do famoso ator Marquitos Zucker; Rosita Montemar (Rosa Spruk), Walter Yonsky (Isaac Wrzacki), Guillermo Galvé (Marcos Guillermo Piker) o Susana Blaszko (Blaszkowski)- destes últimos falaremos ao longo do artigo.
Escutemos com Roberto Beltrán o tango Demasiado Tarde.

Tem mais nomes relacionados com o tango: Manuel Sofovich, jornalista e homem de teatro; Geraldo e Hugo Sofovich, produtores de televisão, que criaram o programa “polemica en el bar”, onde se recriava um ambiente de tango. León Benarós, jornalista, poeta, ensaísta e autor de tangos; César Tiempo (Israel Zeitlin) brilhante escritor, poeta, ensaísta e roteirista de uma infinidade de filmes- ele escreveu:”Cuidado com os poetas/ cujos punhos golpeiam sobre as mesas dos verdugos!” sua condição judaica e portenha está presente em todas suas páginas.
Também temos que citar os autores Samuel Eichelbaum e Alberto Gerchunoff; Luis Simón Saslavsky, diretor de películas transcendentes como “La Fuga”, onde atuava Amelia Bence (Amelia Botwinik).
Aqui o filme, ele começa com Tita Merelo cantando Nieblas del Riachuelo.

A família Lipesker.
Desta família surgem três músicos importantes Leo, Felix e Santos, os três com uma obra realmente transcendente no tango.
Leo Lipesker, por exemplo, foi diretor do Primeiro Quarteto de Câmara de Tango.
Aqui uma joia rara desse projeto.

Felix Lipesker irmão de Leo foi bandoneonista e compositor. Um dos seus tangos mais conhecidos está aqui recriado pelo grupo vocal feminino “Flores negras”.
Escutamos Gotas de lluvia com letra de Homero Manzi.

Santos Lipesker (Salomón Lipesker ) foi diretor musical da Philips e da orquestra de canal 9.
Escutemos na voz de Roberto Goyeneche “Como aquella princesa”.

Segue a lista com Julio Rosenberg, arranjador das orquestras de Julio De Caro e Pedro Laurenz; juiz Víctor Sasson, criador de “La Gardeliana” e o inesquecível fileteador León Untroib,
Julio Jorge Nelson.
Da aristocracia dos arrabaldes citamos um dos personagens mais emblemáticos do tango, ele foi o popular Julio Jorge Nelson, seu nome verdadeiro foi Isaac Rosofsky. Foi um grande incentivador da figura de Carlos Gardel. Teve muitos programas de radio dedicados ao tango, foi letrista de composições conhecidas como “Margarita Gauthier”, com música do talentoso Joaquín Mora.
Compôs também: “Carriego”, “Óyeme, mamá”, “Qué será de ti”, “No debemos retornar”, “Nocturno de tango”, “La casa vacía”, “Escuchando tu voz”, “Al volverte a ver”, “Junto al piano”, “Cuento azul” y “Derrotao”, entre outros.
Foi também cronista e ator. Julio foi certamente uma das figuras mais representativas do estilo portenho.
Escutemos com orquestra de Miguel Caló "Margarita Gauthier"

Outras figuras.
Como exemplo de músicos de destaque podemos mencionar o baterista que tocou muitos anos com Astor Piazzolla, Enrique “Zurdo” Roizner; o empresário Alejandro Romay (Argentino Alejandro Saúl), diretor de canal 9, onde existiu durante anos o programa “grandes valores del tango”; a artista plástica Mirta Kupferminc; Gregorio Plotnicki, fundador do Museo Mano Blanca; o professor Moshé Korin, gestor de atividades relacionadas com o tango na AMIA .

Lalo Schiffrin (Boris Claudio Schiffrin).
Lalo é um artista especial. Ele ficou famoso no mundo todo por ter sido o criador da trilha do seriado Missão impossível. Entre outras obras também compôs e dirigiu a trilha do filme Tango de Carlos Saura.
Escutemos um tema desta obra.

Literatura.
A famosa poeta Alejandra Pizarnik, também de ascendência judaica escreveu um poema dedicado ao tango, aqui um trecho da obra.
<En la vasta noche azulada y muda….
Hay un par de "ojazos , verde esmeralda".
Que se asoman timidamente por una ventana,
y por el barrio de "Avellaneda" le han suplicado al alba ...
Contando cada una ...
De sus iluminadas estrellas….
Flor osada, que al poema incita,
alondra eterna, que respira palabras ,
Y que luego, las exhalas ,
como una música alucinada de fábula…

Martín Caparrós.
Ele é um escritor contemporâneo de ascendência judaica, também ator e radialista. No seu livro “Todo por la patria”, thriller policial baseado na historia do jogador de futebol Bernabé Ferreyra, Caparrós cria um personagem chamado Andrés Rivarola que serve como pretexto para mostrar seu lado de compositor. O personagem queria escrever tangos e compus 6 tangos durante o romance.

Pablo Ziegler.
O pianista de Piazzolla é um atual referente do tango. Pablo Ziegler tocou durante anos no quinteto de Astor e agora na sua trajetória com seu grupo começou a lançar suas composições abrindo um diálogo entre o tango e o jazz . Escutamos de Ziegler o tema Bajo cero.

Mais músicos.
Chico Novarro.
O baterista de jazz, ator, cantor de tangos, de boleros e compositor Chico Novarro (Bernardo Mitnik) é uma importante figura da música argentina. Compositor de perolas como: Nuestro balance, Cantata a Buenos Aires (¿Cómo no hablar de Buenos Aires, si es una forma de saber quién soy?) Cordón, Carta de un león a otro, Algo contigo, Un sábado más e Cuenta conmigo.
Escutamos Cantata a Buenos Aires.

Outros personagens.
De todo esse universo de artistas da comunidade judaica de tango temos Julio Nudler (jornalista) que trabalhou no jornal “La Opinión”, de Jacobo Timerman.

Jacobo Timemrman.
Timermam foi um importante jornalista. Ele foi sequestrado durante a ditadura militar porque os militares criaram uma teoria conspiratória pela qual achavam que os judeus queriam dominar o mundo e começariam pelos meios de comunicação, como ele tinha um jornal que era critico ao regime militar acharam que se enquadrava na teoria que eles inventaram.
A perseguição a referentes judeus na ditadura significava uma onda antissemita, um novo holocausto. A ditadura criou um inimigo judeu comunista que chamou da plutocracia judeo-bolchevique.
Esta teoria conhecida como “os protocolos dos sábios de Sion”, já presente no nazismo alemão, é uma farsa, seria a transcrição de supostas reuniões dos «sábios de Sion», nas quais estes sábios detalham os planos de uma conspiração judeu-maçônica, que consistia no controle da maçonaria e dos movimentos comunistas, em todas as nações da Terra, que teria como fim último se fazer o poder mundial.
Produtores.

Ben Molar.
Molar (Moisés “Poroto” Smolarchik Brenner) foi um produtor muito importante para o tango, para a Argentina e para a história para ajudar a desenhar o modelo do que significa a figura de um produtor. Muitas vezes associada com a função de um contratante, de quem financia ou de quem vende arte, a figura do produtor é na realidade, com Bem Molar, um fazedor, um empreendedor da arte, um disparador de ideias e de projetos criativos.
Bem Molar entre outros projetos promoveu o encontro entre compositores e poetas para realizar obras inéditas e assim juntou a Astor Piazzolla com Jorge Luis Borges para realizar a série de milongas portenhas, das quais surgiu “Jacinto Chiclana”, e também vinculou Aníbal Troilo com Jorge Sabato, encontro que produziu obras como o tango “Alejandra”.
Escutemos o tango Alejandra.

O projeto de Ben Molar foi algo histórico. O 17 de novembro de 1966 saiu à venda o disco "14 con el tango" que reuniu a 14 escritores: Ernesto Sabato, Jorge Luis Borges, Leopoldo Marechal e Manuel Mujica Láinez entre outros; 14 músicos - compositores: Juan D'Arienzo, Julio De Caro, Osvaldo Manzi, Mariano Mores, Astor Piazzolla, Aníbal Troilo e outros; e ainda 14 pintores, entre os que se destacavam: Onofrio Pacenza, Leopoldo Presas, Héctor Basaldúa, Carlos Alonso, Raquel Forner, Zdravko Ducmelic, Raúl Soldi y Santiago Cogorno.
Bem Molar também teve a iniciativa de criar o dia nacional do tango, o dia 11 de dezembro, comemorando o aniversário de Carlos Gardel e de Julio de Caro, data que se comemora no mundo inteiro.

Artes plásticas.
Marcia Schvartz.
Marcia é uma artista plástica argentina contemporânea, de família judaica comunista, que retrata desde uma perspectiva expressionista personagens do cotidiano portenho. Um de seus retratos justamente se chama Tango.
Piazzolla e a música klezmer .
O bandoneón foi criado na Alemanha para levar a musicalidade do órgão às igrejas com poucos recursos e também para que ele fosse tocado nas procissões como uma espécie de órgão portátil.
A sonoridade acabou sendo representativa do estilo argentino, mas se prestarmos atenção verificamos que ele ainda carrega algo desse som originário.
Piazzolla, de família italiana, morou desde criança no Brooklin. O fato de viver num bairro de imigrantes italianos e judeus gerou uma interação cultural muito interessante. A família Piazzolla vivia do lado de uma sinagoga, escutando constantemente tanto a música litúrgica como a dos músicos judeus em casamentos e festividades. Dali, requeiram ao pequeno Piazzolla para que acompanhasse ao jazán (o cantor). Ao finalizar a cerimônia, Astor tocava solo com seu bandoneon os freilaj klezmer tradicionais que tinha aprendido. Segundo suas próprias palavras, era o «goy fun shabes»(um não judeu animado e divertido).
Alguns músicos afirmam que os ornamentos de seus fraseados de bandoneón são muito próximos aos que se escutam no estilo klezmer, similares aos que se reproduzem no clarinete e no violino. Este som alheio ao tango tradicional abriu caminho para um entrecruzamento de culturas presente no tango piazzolliano permitindo uma fusão que comportasse um diálogo do estilo portenho com outras sonoridades.
Para mostrar este diálogo entre a sonoridade klezmer e Piazzolla vamos a escutar o famoso clarinetista judeu-argentino Giora Feidman interpretando Libertango, de Astor Piazzolla, dentro desta estética de fusão de culturas.

A atualidade.
Hoje em dia temos muitos músicos de origem judaica que continuam fazendo parte do legado tanguero.
Bernardo Stalman violinista e compositor, foi um músico de extrema importância para a música portenha.
Escutemos Pizzicato https://youtu.be/ZQUQDaMOWls
Roberto Sawicki violinista e diretor, aqui dirigindo Orchestre de Lancy-Genève
tocando Astor Piazzolla- escutemos Romance del diablo.
Szymsia Bajour
Ele foi também conhecido como Tito Simon ou Simon Bajour. Foi um virtuosíssimo violinista, que tocou em orquestras, como a de Di Sarli. Tocou também como primeiro violino na orquestra de Atilio Stampone e Leopoldo Federico, em 1952.
Mais tarde, começou a tocar com Piazzolla e sempre foi muito elogiado por Astor pela sua excelência e pela sua rapidez para interpretar partituras complexas.
Escutemos Todo Corazón
Simon Broitman.
Ele foi um violinista importante, tocou com a orquestra de Leopoldo Federico entre outros grandes grupos.
Aqui o escutamos na Orquesta Julio Ahumada interpretando o tango de Horacio Salgán Don Agustin Bardi. (1983)
Alberto “Tito” Besprovan
Tito foi um importante violinista e compositor .Ele fez parte da orquestra de Alfredo Gobbi
Aqui o escutamos no tango Redención
Jorge Pemoff
O percussionista, compositor e cantor tem uma longa história com a música latina, o folclore , o jazz, a música brasileira e nos últimos anos com a milonga. Aqui, escutamos sua agrupação realizando fusões no disco meta milonga.
Andres Lineztky é um jovem pianista e compositor diretor- aqui tocando o piano interpretando Alfredo Gobbi, no tango Rendención.
Damian Bolotin é um violinista, compositor é líder de projetos, aqui nos apresenta uma milonga ao vivo com arranjos contemporâneos.
Guillermo Galve é um cantor de tangos. Ouçamos "Desencuentro", ao vivo, no programa Grandes valores do Tango.
Susana Blaszco cantora, aqui cantando a milonga candombe "Oro y Plata"
Quinteto La Camorra .
Este grupo se apresenta com uma estética que se propõe expandir os limites do tango.
Na sua formação temos importantes jovens músicos da comunidade judaica: Sebastián Prusak (violino) Jorge Kohan (violão) Hugo Asrín (contrabaixo) Nicolás Guerschberg (piano) Luciano Jungman (bandoneón).
Escutemos uma gravação ao vivo da música Barrilete Cósmico, de Jorge Kohan) .
Ignacio Varchausky fundador da orquestra escola de tango Emilio Balcarce.
Ele desenvolveu um trabalho pioneiro que foi o de criar uma orquestra onde se estudam os arranjos das orquestras tradicionais de tango permitindo assim que os jovens músicos possam conhecer mais de perto a musicalidade das orquestras de tango.
Aqui escutamos "Todo Corazón", um arranjo da orquestra de Piazzolla, do ano 1946 , interpretado pela orquestra Escola de tango.

Pablo Lapidusas
É um pianista argentino que morou durante muito tempo em Brasil e agora está morando em Lisboa. Toca jazz e música autoral . Faz concertos solistas ou com seu trio pelo mundo todo. Escutamos Adios Nonino de Astor Piazzolla

Marcelo Jaime Nisinman
Ele um bandoneonista, arranjador e compositor, que faz parte da Orquestra da Filadélfia e da Orquestra Filarmônica de Belgrado. Atualmente vive em Basilea, Suiza.
Escutemos Jean e Paul de Astor Piazzolla.

Final
Chegamos ao final, nos despedimos depois de ter rendido homenagem a homens e mulheres de origem judaica, cujas presencias enriqueceram o tango. Eles foram compositores, poetas, instrumentistas, artistas plásticos, escritores, produtores ou simplesmente personalidades do estilo portenho.
Temos que falar para terminar de José Judkoski, foi ele quem escreveu o livro "El tango, uma historia de judeus" e de sua orientação nasceu este vídeo tão lindo.

Roberto Rutigliano 2022.