domingo, 31 de janeiro de 2016

El aviador y el zorrito en las Salinas catamarqueñas



El aviador y el zorrito en las Salinas



El aviador salió de su base en la Patagonia y antes de llegar a Córdoba empezó a sentir el defecto en uno de los carburadores del bimotor. Zé Perry, que había sido el fundador y también el primer piloto de la Aeropostal Argentina, la aerolínea pionera en el país, tuvo que hacer de las tripas corazón y arriesgarse a un aterrizaje forzoso, 150 km al norte de Córdoba, al comienzo de las Salinas.

Apenas consiguió dominar la máquina, se dio cuenta que ya estaba haciéndose de noche; y la oscuridad en el desierto de las Salinas, entre Córdoba y Catamarca, traen el frío, las víboras y los pumas hacia el calor de la ruta. Un peligro. 

Fue entonces que se le apareció el Zorrito:


- Buenas noches, don - le dijo el zorro.
- Buenas y santas – le respondió cortésmente el piloto, que era francés, pero muy ducho en amabilidades brasileñas y rioplatenses; se dio vuelta pero no vio a nadie.


- Estoy aquí – dijo la voz –, debajo del cardón, a tu derecha.

 - Bueno, ¿y quién sos ? – le preguntó el piloto. – Pero...sos muy lindo.

- Soy un zorro – le dijo, a pesar de la obviedad, el zorro. ¿Venís a jugar un rato conmigo? – le propuso, – estoy muy solo y triste.

- No, no puedo jugar con vos  – dijo el aviador. Tengo que arreglar el defecto en el carburador y seguir viaje hacia Campeche, en Brasil.

– Bueno- se resignó el zorrito. - Pensándolo bien, yo tampoco podría; no estoy domesticado.

- Ah! perdón – le contestó el piloto.

Pero, después de pensar un poco, el zorro le preguntó:

- Esteeee, ¿qué significa "domesticar"?

 – Bueno, significa atarse de un cierto modo, y crear vínculos, lazos.

¿Crear lazos?

- Sí, sí – le dijo el aviador. – A ver si te explico: vos todavía no sos para mí más que un animalito como otros tantos que tuve, entre gatos, perros, canarios y tortugas. Yo, hasta ahora no te necesito. Y vos tampoco me necesitás. No soy para vos más que un hombre igual a otros miles de hombres. Pero, si yo te domestico, vamos a empezar a tener necesidad uno del otro. Vos vas a ser para mí un zorro único en el mundo. Y yo voy a ser para vos el único hombre en el mundo.

- Sí, empiezo a entender - dijo el zorrito. – Fijáte vos, hay una flor, una flor rara, azul, sedosa, y creo que me ha domesticado.


- Es posible – dijo el piloto. – En este desierto de sal se ve todo tipo de cosas.


- Oh! no, no es acá en la Tierra – le contestó el zorrito.

El aviador dejó el destornillador, apoyó las bujías en la tapa del motor del avión y se limpió las manos con un trapo inmundo de grasa; parecía muy intrigado:

¿Cómo? ¿es en otro planeta?

- Sí. En el de la tierra colorada, la que crece encima de la cuenca de agua más grande del mundo, donde no existe crisis hídrica. Terra Brasilis, le dicen algunos.

- No, zorro. Ese planeta que vos decís no está fuera de la Tierra; ese lugar es un país, y se llama Brasil. Es hacia allá que yo voy ahora, cuando me dejes arreglar el motor.

Pero el zorro volvió a su idea, insistente:

- Mi vida es monótona, aburrida. Yo cazo alguna gallina de vez en cuando, pero todas las gallinas se parecen, y tengo demasiados hijos para alimentar y cuidar. Me aburro, bastante. Pero, si me domesticas, mi vida va a cambiar por completo.

- No tengo tiempo de domesticarte. Aparte, no lo haría jamás, o te domesticas solo o no me interesa- se refregó lentamente las manos en el trapo inmundo el piloto. - Además, si estuviéramos hablando en portugués, diríamos que a culpa é tua, porque eu não queria te fazer mal, mas você quis que eu te cativasse.

¿Esa no sería una mala traducción de esto que estamos hablando ahora? - preguntó el zorrito, que no hablaba idiomas extranjeros, pero a menudo se interesaba por la lingüística.

- Sí, tenés razón, zorro - le reconoció el aviador.

- Entonces, ¿no somos responsables por lo que cautivamos, y sí por lo que domesticamos?- reflexionó el zorrito.

Dicen que Zé Perri hizo muchos viajes entre Campeche y Puerto San Julián en la Patagonia, hasta que un día se perdió en los cielos, sobre el mar grande, y nunca más se supo de él. Pero jamás logró olvidarse de este diálogo surrealista en el desierto de las Salinas, a 200 km al sur de Catamarca, en una noche fría y enigmática.

También se comenta que el zorrito tuvo, entre sus muchos nietos, uno que llegó a los cien años, y que se enamoró perdidamente de una gatita de satén azul.
¿Fantasía o realidad?

Fin

JV. Lyon, enero de 1943.

sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

Tempos despiadados de amores, demônios e heróis da pátria



1ª parte

Tempos despiadados de amores, de demônios e de heróis da pátria

Acordo, ou saio aos poucos do delírio. Fico com os olhos fechados, embora tenha absoluta certeza de que agora já posso abri-los. Vejo passar, de baixo para acima, as luzes fluorescentes do corredor do hospital. Sinto quando os enfermeiros param e abrem as portas, e a cada vez que a maca se choca contra algum objeto na passagem.
Já não ouço as vozes com o eco longínquo da febre, mas as pálpebras ainda me pesam. Não me atrevo a abrir os olhos após tantos meses sem luz. Um gosto metálico na boca, um ruído de apito em cada movimento de aspirar ou inspirar; dói um pouco a garganta; isso sim é novo. Sinto um sobressalto, como um tremor involuntário nas têmporas e no peito. 
De repente vejo por entre as pálpebras -que se abrem aos poucos, quase contra a minha vontade- um guarda-pó de médico ou de um enfermeiro. 
E ao mesmo tempo começa a coçar, com um formigamento suave, na ponta dos dedos. Sinto cada um deles, começo a movê-los! O Chacho Rubio e o Carlitos foram embora, mas parece que me volta a febre. Durmo outra vez.

Imaginemos uma estrada estreita, de mão dupla, em dois sentidos simultâneos. Em um deles, um Paco Navarra jovem parte ao exílio, que ele prefere chamar de “emigração”. Desencantado da pátria maltratada pelas mãos dos militares, ele a deixa, mas não abandona as suas antigas convicções.
No outro sentido, vinte e oito anos depois, ele mesmo, mais maduro e descrente, volta à Argentina em uma viagem na que espera reencontrar e saber algo mais do seu pai, que não vê há muitos anos e a quem vai redescobrindo na leitura de antigos cadernos de anotações nos quais o velho tenta montar um romance.

Mas ocorre um incidente inesperado e as duas mãos do caminho estreito se cruzam em uma espécie de rotatória da vida, se misturam e se confundem. Paco Navarra passa a misturar os seus sonhos e fantasias, os seus delírios e lembranças em uma nebulosa de pensamentos nos quais convivem os personagens históricos da sua infância na escola com os novos heróis da sua juventude e da de milhares de outros jovens com os que compartilhou batalhas e derrotas.                                                                                 
São Paulo, Brasil, outubro de 2008




Utopias, demônios, barbáries
e heróis da pátria

Prólogo

Como nas memórias confusas da vovó Mariana e a sua “Intentona”, que revive nos anos de 1990 os fatos revolucionários de um Rio de Janeiro de sessenta anos atrás, Javier Paco Navarra mistura alguns episódios do seu passado com as glórias da pátria, os homens que a construíram, e os fatos reais ou imaginários que o seu pai e os seus avôs lhe contaram durante mais de meio século, e que ele tratou de reunir em uma série de cadernos como um projeto para a futura publicação de um libro de romance.
As peripécias da vida destinaram o Paco a uma cama de hospital, na qual jaz em coma durante meses a fio. As dores e as novidades do exílio no Brasil se confundem com os de uma volta a Argentina que programara longamente.

O homem lúcido, -escutava paco no avião, em um DVD que não quis ver durante o voo a Buenos Aires, mas cujos diálogos ouvia com os olhos fechados- sabe que a vida é um ônus de fatos e emoções,  que viver e morrer são valores da mesma matéria, e pesam quase o mesmo, porque a vida tem tantos sofrimentos que a sua interrupção pela morte não deveria ser necessariamente um mal. Os lúcidos sabem que são meros equilibristas na corda bamba da vida. E já seja por acidente, ou pela opção de uma existência mais sacrificada ou heroica inclusive, é possível cair ao abismo, interrompendo de repente a função do circo, produzindo um gemido coletivo de estupor na platéia...e depois, o silêncio incômodo que precede a todo o esquecimento”.

“Mas o homem lúcido pode também optar pela vida, e então esgotará todas as possibilidades, e poderá beber as belezas das ruas e os campos; terá planos, mas se por acaso o  atingisse a infelicidade e os seus pesares: a nostalgia, a dor ou outro emissário qualquer da morte, saberá suportar com coragem, mansamente; e morrerá, de causas naturais, velho, ao lado de filhos e netos, que conhecerão a sua aventura magnífica. 
A justa lei da natureza equilibra o que é ruim na vida de um homem, e o iguala sempre ao mais favorável. Mas ao homem lúcido que optou pela vida, se lhe permite que tenha o poder magnífico de alterar essa lei durante a sua existência, e os acontecimentos positivos serão sempre mais, e muitíssimo mais significativos que os maus”. 

Isto que o Paco ouviu durante parte do voo no avião, segundo recorda ter lido em algum local, era parte de um tratado sobre a lucidez, escrito talvez no século VI a.C, em Caldeia. E lembrava Paco Navarra de um texto de Xavier Bichat, também sobre o fim da vida: “a grande diferença entre a morte por velhice e aquela que ocorre de súbito, um acidente por exemplo, é que na primeira, a vida começa a se apagar por todas as partes, e termina no coração; a morte exerce o seu império desde a periferia para o centro”. 
E é verdade, pensa o Paco: o velho morre de tanto ter vivido, aos poucos. Por isso quase sempre morre feliz, lúcido ao fim.


um
                                    Buenos Aires, entardecer de 15 de julho de 1979

“Fecho o esconderijo e refaço a junta de cimento; queimo um pouco as bordas para que pareça um arranjo antigo. Jogo terra em cima e passo um pouco de ferrugem para aumentar o aspecto de velho. Depois, ponho a carteira de identidade falsa dentro do livro oco, um recurso conhecido, contudo ainda eficaz, e guardo os 370 mil pesos da venda da TV em preto e branco, o que me sobrou da casa de San Justo. Essa grana alcança para chegar a Córdoba, viajando em ônibus pelo sul, para eludir os controles militares na estrada Panamericana, e comprar a passagem para Puerto Iguazú com o que juntaram os companheiros na despedida. Ainda vão sobrar exatos 205 dólares, o suficiente para viver dois meses em San Pablo enquanto procuro casa e trabalho.”

São Paulo, 23 de abril de 2006, uma e quarto da tarde.

A tarde quente e seca desmente o outono paulista e deixa a paisagem mais colorida e agradável; uma brisa perfumada filtra pelas janelas da casona das fontes. Vou arrumando a mala sem pressa, com o mesmo método de sempre: primeiro e embaixo, os jeans, depois as calças sociais; em cima as camisas, com as golas alternadas, uma à direita e outra à esquerda, protegidos com uma cueca dobrada ou uma gravata dentro; e por último, acima de tudo, duas blusas de lã, o pijama, uma jaqueta e as camisetas.
Os meus netos brincam ao lado da mesa onde apoiei a mala; a minha filha deixa o jogo com os sobrinhos e vem me ajudar com a roupa. Saco um blazer do armário, ponho o caderno “Laprida” no bolso interior, mas fico com ele um pouco entre as mãos, abro, e vou virando as folhas; e sinto o cheiro; é quase um perfume seco e salgado, o particular cheiro a velho do porão da rua Bedoya, e está forrado com um papel “aranha” azul. Abro e vejo o manuscrito; o primeiro grande parágrafo, datado em julho de 79 está riscado, mas dá pra ler:
                                                                                            
San Justo, BsAs, 16 de julho de 1979

“Um frio glacial sobe pela encosta patagônica e golpeia em pleno o Rio da Prata. A cidade amanheceu gelada e não sinto a mínima vontade de sair da cama, mas tenho um dia cheio pela frente e não posso deixar que a preguiça me vença; o armário do quarto e os móveis da cozinha já estão vazios e a roupa dentro das malas. Também já comprei a passagem a Puerto Iguazú; só de ida, porque não vai ter volta até daqui a uns quatro anos pelo menos; se consigo trabalho em San Pablo, vou ter que resolver ainda o problema dos documentos. E se quero ir até a Nicarágua, vou ter que passar um par de meses no Brasil, trabalhando até arranjar um passaporte autêntico, ou ainda que não seja mais que uma nova identidade falsa. Veremos.

                                                           Bs.As. e Santiago de Chile, Natal de 1978

"Caminho duas quadras pelo centro de San Justo e espero o ônibus que vai a Lomas de Mirador. Um quarto de hora antes, ao descer do comboio na Avenida Geral Paz tinha comprado o Clarín e as manchetes falavam de um só tema: a possibilidade de uma guerra iminente com o Chile!

“O clima do extremo sul está convulsionado nestes dias, pela preocupante belicosidade entre as duas nações vizinhas e pela iminência de um choque armado que segundo os observadores é inevitável” (La Unión, Catamarca, 22 de dezembro de 1978)”.

“Em vésperas do Natal a crise entre Santiago e Buenos Aires, governados por militares que tomaram o poder pela força, sem legitimidade democrática, está tenso ao máximo. Os argentinos recusam o laudo britânico de 1977, que favorece as ambições de Chile sobre as ilhas Picton, Lennox e Nova, e já se ouvem declarações arrogantes e belicosas dos chefes militares envolvidos no conflito, e cria um clima que escapa a todo controle e anuncia dias amargos para ambos os povos” (A Nação, Bs.As, 23 de dezembro de 1978)”.

Uma guerra, é só o que nos faltava! Estou farto e começo a entender os que deixam o país; são três anos de frustrações, de ver os milicos donos do poder e das vidas de todos. Três anos de medos e de derrotas, após sete de esperanças e confiança nas forças que fariam a revolução e mudariam o mundo para melhor. E agora, segundo me conta um primo, um suboficial que trabalha no comando de Córdoba, o assassino Menéndez percorre os quartéis do 3º. Corpo dizendo que “em duas semanas vamos dançar la cueca com as chilenas”, deixando claro o sonho dos milicos: invadir Santiago. Durante três anos após o golpe não quis ir embora da Argentina, a pesar de que ficávamos cada vez mais sós, partidos entre o medo e a confiança em poder recuperar as lutas do povo e vencer à ditadura; mas o “aroma de guerra” entre os militares é a gota de água e vou ter que ir embora.

Bs.As, 5 de janeiro de 1978

Entrei a um cinema qualquer da avenida Corrientes, a esmo, sem saber o que passavam. A morte do Chacho Rubio me deixou como flutuando no ar, talvez porque me inteirei inesperadamente, lendo o diário na rua, poucos dias depois de ter me encontrado com ele, e só queria me distrair. Mas o filme vai ter muito que ver na minha mudança de vida: Dona flor e seus dois maridos. A música de Milton Nascimento e Simone, a figura de Sonia Braga e as cores de Paraty, que passava por Salvador, me fizeram pensar na conversa com o Vasquito e o Gurú, meses atrás: se decidisse ir embora, o melhor é o Brasil. San Pablo, no meu imaginário, não era ainda a terra de Lula e das greves do ABC. Não podia supor que em pouco tempo veria a luta pelas Diretas já, e iria me esperançar com um governo popular dirigido por um metalúrgico do nordeste brasileiro. Um sonho?

                                                                  San Justo, Bs.As, 17 de julho de 1979

“As calçadas estão limpas de folhas e varridas pelo vento frio em Lomas del Mirador. Chego à minha casa da rua Pringles, olho para todos os lados com cautela; não há vizinhos, talvez por causa da garoa; entro rápido e começo a juntar as malas, fecho as janelas, molho as plantas, e saio. Um amigo me ajuda a carregar as bagagens até a ponto do ônibus; sento no banco da frente, vejo que ninguém subiu junto comigo e  anoto uma notícia que me pareceu interessante:

Conta o meu tio Luis que leu em “La Voz del Interior” que entre os três milhões de italianos que chegaram a Buenos Aires a fins do século XIX e começos do XX procurando uma vida mais humana que a que passavam na Europa, tinha um rapazinho chamado Antonio Cuccoliccio. Argentina, vista por então como o silo do mundo e um dos países mais ricos do planeta, era como um grande chifre da abundância, repleto de oportunidades e de promessas, e enchia os sonhos de jovens de condição humilde na velha Europa”.


São Paulo, 23 de abril de 2006, dois da tarde.

Ficou nublado de repente, e a tarde seca mudou sem aviso prévio, como uma mostra do clima louco paulista, trazendo um ar fresco que anuncia chuviscos e frio. Deixo prontas as malas e reviso os livros e o “Laprida” que quero ler na viagem, um caderno de 200 folhas e capas duras que      –segundo disse a minha mãe quando me chamou por telefone e me entusiasmou a que fizesse esta viagem a Catamarca– é uma recopilação de anotações e contos do meu pai. O folheio com uma certa nostalgia do velho, mas me perco em outras divagações e noto de repente que o tempo está começando a correr. Fecho o caderno e termino de arranjar a mala; reviso os bolsos do jeans: identidade argentina e documento brasileiro, talão de cheques, carteira de motorista, cartão de crédito, e alguns dólares para trocar em Ezeiza e mais tarde em Córdoba; olho o “Laprida” de novo e me chama a atenção uma letra que não parece ser do manuscrito do meu pai; chamo ao táxi, e deixo o caderno afora, na pasta. Enquanto espero, leio:          
                                                                              
San Pablo, Brasil, 19 de julho de 1979

“Embora estamos em pleno inverno, o calor é  insuportável entre Corrientes e Misiones, mas por sorte não choveu em todo o caminho. Por fim, após 19 hs. de viagem desde Córdoba, cheguei a Porto Iguazú. Controlei o medo nas filas da Gendarmería e de Migrações com o meu documento falso na mão, repetindo-me: “vou passar; não me vão deter”. E por sorte, o documento pareceu  bom aos gendarmes armados de FAL que me franquearam o passo. Aliviado, tomei a balsa até Foz do Iguaçu. Cruzei o rio, e quando calculei que estava em águas brasileiras, saquei o meu documento autêntico do salto do sapato onde o tinha escondido, e guardei a cédula do tal Luis Melgarejo, agradecendo- lhe deveras a sua longa e inestimável ajuda.

Viajei mais 18 horas de ônibus até San Pablo. Embora antes já tinha andado milhares de quilômetros pelo norte argentino, ao ver as selvas da fronteira brasileira me perguntei como podíamos nos imaginar que os exércitos insurrectos poderiam vencer as tropas inimigas no caso de uma revolução popular. Não parecia nada fácil.
Hoje, ao baixar na rodoviária antiga, soube que os sandinistas já tinham tomado Manágua e derrocado o tirano Somoza. Vejo a cinza dos bairros populares paulistanos e a verdade que não é muito atraente, mas penso na Nicarágua e me decido: é aqui mesmo que eu fico, já não há muito o que fazer lá. Queria ir lutar, mas agora que vai começar a disputa pelo poder, sei que não faço falta, não sou bom nisso.

Releio a carta de um amigo cordobés que militava na TERS, um grupo que chamávamos de “pacifista”, por não apoiar a luta armada contra a ditadura. Agora ele estava na Nicarágua, em uma coluna de suporte aos sandinistas e me contava os conflitos internos que se via vir: 

“—Na costa atlântica, na cidade de Bluefields, a derrota  dos somocistas é mérito total dos combatentes da Simón Bolívar. Na região, ligada com Manágua só por barco ou avioneta, a maioria da população é negra e intensamente pobre, mas há grandes fazendas e riquezas dos somocistas e das multinacionais. Fomos a lutar em barco desde Porto Limão, na Costa Rica, com o apoio do Partido Autêntico de Marvin Wright— escreve  o “Alemão” da Ters. 

—Um barco pesqueiro levou a coluna de 70 homens armados com M-16, escopetas, revólveres e cartuchos de dinamite. O 7 de julho, com a desbandada dos somosistas, nossa brigada e os sandinistas locais tomamos o controle da cidade. Ali não se armou um governo com os partidos patronais, como o que estão formando nacionalmente. O poder local é o grupo de sandinistas independentes apoiados pela nossa Brigada— conta o “Alemão”
—Na Brigada Simón Bolívar, da Colômbia, há argentinos da Ters e do PO, opostos à política guerrilheira guevarista. A nossa corrente e milhares de combatentes que têm a simpatia da maioria da população, apoiamos ao FSLN, igual que o governo panamenho de Torrijo, que mandou uma brigada, e o costarricense, que nos dá toda uma fronteira de apoio, além do PC cubano e o socialismo europeu—, segue relatando o “Alemão”, e me reforça a ideia de que os argentinos, sejam como Gorriarán Merlo ou o Ché, apoiando as revoluções de outros países sem condições; ou como os “*morenistas” da Ters, que outra vez, como vinte anos antes em Cuba, terminarão expulsados por troskistas; os argentinos, digo, sempre revivemos a tragédia da Guerra Civil espanhola, dos desencontros nas fileiras da esquerda, os desencantos surgidos da revolução real, os conflitos inevitáveis de interesses e a luta pelo poder. Decido que fico no Brasil, e não penso mais no tema, ao menos por enquanto.

Bom, sigo com o que contava o tio Luis em Córdoba: dizia que, ao chegar a Buenos Aires, Cuccoliccio conseguiu trabalho fixo como peão, bastante modesto, para fazer faixinas no circo dos uruguaios Podestá. Fazia a limpeza, cuidava dos animais, e cumpria outros serviços menores. O modo de falar do rapaz, misturando o italiano com algumas palavras do castelhano, não devia chamar demasiado a atenção. E é que no Buenos Aires de então era comum ouvir aos napolitanos, aos que os argentinos chamavam de “tanos”, e por extensão a todos os imigrantes peninsulares, que ao tratar de se comunicar viam-se com as mesmas dificuldades idiomáticas que o Cuccoliccio. E um belo dia ocorreu que um cômico, Celestino Petray que também trabalhava com Podestá, inspirado no peão, saiu ao palco imitando-o: —Eu o meu quiamo Franchisque Cocoliche e sono creolio até o güese dá  taba e a canela do caracuse, amico— se apresentou Petray.

—Mais tarde, José Podestá conta que deste modo nasceu Cocoliche, um personagem que durante anos alegrou a milhares de meninos em ambas as margens do Prata. O que Petray não sabia era que assim estava enriquecendo também o lunfardo porteño, que já contava com centenas de palavras xeneixes ou ligures, o idioma que até o criador da bandeira pátria argentina, dom Manuel Belgrano, falava como língua própria e familiar— lê Luis.


—E segundo o que li na Radiolandia, foi assim também que Petray criava, sem querer, o que o pobre Cuccoliccio, com a sua língua misturada, jamais imaginaria: uma nova palavra castelhana, que figura nos dicionários como o “cocoliche”, ou “a jerga híbrida” dos imigrantes italianos, que misturam a sua fala com o espanhol— acrescenta o meu tio Luis”.

Continuará

JV. São Paulo, agosto de 2006.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

El Halcón Negro


Prefacio
Esto es un ensayo -ficticio, digamos-, de lo que no fue, pero pudo haber sido. Las historias nunca se terminan; rebrotan y se multiplican. Cuando asesinaron a Moreno y Dorrego, quizás creyeron que los pueblos escarmientan, pero no, surgieron los Facundo, los Chacho, los Felipe Varela, y seguirán naciendo quienes piensan y pensarán que es honroso morir luchando por la libertad.

EL HALCÓN NEGRO

Dedicado a los Montoneros que se fueron, y a los que están, y juntos soñamos una Argentina libre.

Después de prolongados tormentos fuimos trasladados, todos encapuchados, en algún avión jamás visto, pero ciertamente percibido. 
El embarque estuvo colmado de palizas, algunos más que otros…y el viaje tuvo como música de fondo los gruñidos de los perros que mordían a infelices, previamente señalados, al efecto. 
De vez en cuando, algún guardia gritaba “prepárense, en pocos minutos los tiramos al mar”. Como partíamos de una localidad mediterránea, supuse que era una mentira, pero podrían arrojarnos en algún páramo desértico, y, desde unos miles de metros de altitud, el impacto sería el mismo, y el tiempo de agonía similar. Después pensaba: “es un absurdo, para matarnos no tiene sentido hacerlo desde un avión, simplemente un garrotazo, o dos en la cabeza, y ni balas gastan”; así de vulnerables somos. 
Por fin arribamos a destino; la guardia, vestida con guardapolvos blancos nos recibió a trompada limpia; algunos que sabían karate nos pateaban el pecho ó la espalda, hasta que a los tropezones nos fueron introduciendo en las celdas predeterminadas, de a dos. 
Estábamos en una cárcel, ciertamente, pero más parecía un viejo castillo feudal que, sin conocerla (por cierto) asimilé con La Bastilla. Sus paredes, cubiertas de moho, eran paralelepípedos de granito gris, apilados prolijamente en un orden que supuse inexpugnable. 

"De aquí no se sale”, pensé, “o, más precisamente, de aquí nadie sale vivo”. La puerta era de acero, tenía mirilla y pasa plato. El excusado era un agujero en el piso, con una descarga. Una canilla de hierro, soldada al caño; era la provisión de agua para bebida e higiene personal. 
Dos infectos colchones eran nuestros lechos, sobre los que había dos frazadas de lana, nuevas, de color verde oliva, que tenían bordado en amarillo las palabras “ejército argentino”.

Mi compañero de celda era un estudiante de ingeniería electrónica, de Mendoza, que me dijo que era del FIP. “¿y por eso estás preso?”, le pregunté, “No”, repuso, “tenía un amigo montonero, que compartía conmigo una pieza de la pensión, y me acusaron de pertenecer a su célula; murió en la mesa de tortura”, concluyó. Y no quiso seguir hablando del tema, lo cual fue racional, porque yo tampoco tenía demasiados deseos de hablar de mí, con supinos desconocidos. La comida era un amasijo grasoso, pero, por supervivencia, la ingeríamos con delectación celestial. La celda tenía un ventanuco de ventilación, ubicado casi a tres metros de altura. Mi casual compañero era bajo y delgado, por lo que no había problemas en que suba a mis hombros y espíe el paisaje, y, donde sus ojos alcanzaban a ver, todo era mar y acantilados. ¿De qué color son los acantilados?, indagué, “gris claros”, dijo. ¿A qué altura estamos sobre el agua?...Analizó un poco, y precisó “Unos diez a doce metros”…"Todo es posible, mientras haya vida…”, pensé. 

El único control que había, por parte de las guardias, era un recuento a primera hora de la mañana, por decir a las siete, dado que la carencia de relojes nos situaba en limbos inescrutables. El cubil medía 3,6 m. de profundidad por 2,4 m. de ancho. Sobre la pared de la entrada había una mesa de grueso chapón, firmemente adosada a la pared, de 0,7 x 0,5 m., apta para que pudiéramos comer sin estorbarnos, sentados en dos banquetas opuestas, de idéntico material. Teníamos, cada uno, un plato y un jarro de aluminio, más una cuchara de madera…por el momento, cualquier ideario de fuga, era impensado, sin las herramientas mínimas adecuadas.

El plan fue minucioso, como toda acción bélica era, no más, que una condigna revancha. Habían ejecutado, sin más trámite, a quince compañeros (entre ellos un CN) en una imprenta clandestina que, hacía más de tres años, utilizábamos para la edición de nuestra revista. En su sótano guardábamos un arsenal, de considerable magnitud. Nuestras pérdidas, humanas y materiales, las consideramos demasiado valiosas, para que queden impunes. Luego de un debate pormenorizado de blancos posibles, la propuesta de volar el ministerio de defensa, nos pareció la más adecuada. Lógico, era materialmente imposible colapsar todo el edificio, pero, un somero cálculo, con unos doscientos kilogramos de explosivo plástico, un piso completo quedaría reducido a escombro…y, de acuerdo al funcionamiento interno, el cuarto fue el elegido. Allí estaba la escuela superior de guerra, y oficinas de altos mandos, de coronel, para arriba. Ingresar al edificio, sin bien factible, no lo era portando un explosivo de tal magnitud. No cabía otra posibilidad que un cohete autopropulsado…Las tareas de inteligencia fueron, ciertamente, prolongadas. Debía detectarse algún edificio, y, en éste, con alguna ventana que brinde posibilidad de disparo eficiente, en un rango superior al 80%. No debía ser una oficina, cuya captura implicaba trastornar la vida de algún grupo civil, al punto que sus familiares denuncien su desaparición, y quede en evidencia la maniobra. Al fin, luego de mucho bregar, una vivienda fue la elegida, y, afortunadamente, la habitaban, solamente, un matrimonio de jubilados.

Disponíamos de un telémetro-clinómetro de precisión, donado por militantes argelinos, procedente de una oportuna confiscación al ejército francés. Con esta joya óptica, el cálculo de la trayectoria del caño-volador, fue de una calidad más que aceptable. Nuestros físicos e ingenieros electrónicos tuvieron a su cargo el pormenorizado diseño del arma…Ésta tendría casi tres metros de longitud, dieciocho centímetros de diámetro, y estaría impulsada por alcohol sólido. Tendría, por seguridad, dos detonadores en paralelo, uno sería un timmer convencional, y el otro por derrame de mercurio, en el impacto. Su capacidad teórica destructiva triplicaba el mínimo indispensable. Constaría de diez módulos de 0,3 m cada uno. Estaría pintado de negro, lo llamaríamos “El Halcón Negro”.

Las dimensiones de nuestra celda nos permitían caminatas, para mantener en buena forma el estado físico, descargar endorfinas, y generar desgastes que nos faciliten el sueño. No obstante, como corroboramos, debimos interrumpirlas, porque comenzamos a adelgazar, evidenciando la muy reducida realidad nutricia de nuestros alimentos. A pesar de interrumpir la gimnasia cotidiana, seguimos perdiendo peso y masa muscular, por mediciones de diámetros de cintura, brazos y piernas con un hilo de coser, extraído de la vestimenta. Es sencillo, afirmó mi compañero, nos están matando de a poco. La pérdida de defensas orgánicas se hizo sentir, y mi partenaire contrajo una gripe aguda. Avisé a la guardia, pidiendo médico…el cancerbero se burló de mi, en forma grotesca, pero al rato me trajo una tira de dipirona…era una noche fría, y la humedad del mar nos calaba los huesos. Lo abrigué con todas las frazadas, bajo riesgo de seguir sus pasos, y en dos días se repuso…Alguien se apiadó de él, abrieron el pasa platos, lo hicieron desnudar, y “algo”, que semejaba un facultativo lo observó, y en tono risueño, comentó: “flaco, decididamente, te lleva el viento”. Y la comida mejoró…seguramente no eran órdenes “superiores” matarnos de hambre, sino mera corruptela de algún directivo del establecimiento…Debíamos estar fuera de todo, y de todos. No recibíamos correspondencia, ni se nos proveía lectura de ninguna índole. Mojando los panes duros que nos proveían, hicimos juegos de ajedrez, que las requisas mensuales tiraban, y los volvíamos a modelar…hasta que nos cansamos, el pan era poco, y la necesidad tiene cara de oportunista. 

Decidimos que era preferible intentar huir, o morir en el intento, a esta gradualidad en el deterioro que, seguramente nos enajenaría, mentalmente, aún antes que la cierta minusvalía física. La puerta del infierno jamás se abría, las paredes eran impracticables, por lo que deducimos que el piso era el único punto vulnerable, dentro de la imposibilidad de los posibles. Y algún dios, si existe, se apiada de los insensatos. Decidimos “esponjar” a mano la lana apelmazada de los colchones, y escarbándola descubrimos, cuidadosamente acolchadas, dos herramientas: una punta de una pulgada de diámetro por diez de largo, y una gruesa planchuela, de similares dimensiones. Inferimos que eran herramientas para un plan de fuga, de anteriores presidiarios del infierno. Seguramente condenados a trabajos forzados, en alguna cantera de granito, de donde se extrajo el material requerido para la construcción del establecimiento. Las guardamos tal como estaban, con la esperanza de que seguirían soportando tantas requisas como fueran necesarias, porque, al estar en estado de aislamiento total, nada podríamos ingresar en el críptico encierro.

La operación no era, por nada sencilla, primero debimos construir el cohete, seleccionando materiales de altísima resistencia y reducida densidad, para minimizar su peso. Debía ser de duraluminio, torneado a partir de un cilindro macizo, hasta dejarlo como tubos de 12 mm. de espesor. Una labor de órdago, primero conseguir el metal, de un costo excesivo, por su utilización restringida a piezas “especiales”. Luego adquirirlo con excusas solventes para poder “conformar” la eventual curiosidad del proveedor. De allí llevarlo a un tornero, sólo para que lo troce, en diez segmentos de 0,3 m c/u. Luego repartirlo en otras tantas tornerías para el socavado: Las aletas fueron un capítulo aparte, del mismo material, en una plancha de 10 cm. de espesor, debieron ser recortadas, pulidas en degradé y soldadas en los tramos. Su distribución era tal que el proyectil giraría sobre si mismo, a fin de evitar sobrevuelos ó caídas, y garantice arribar a velocidades superiores a los 5.000 Km/h. El motor era una turbina de bronce fosforoso, impulsada en la presión de vapor generada por la volatilización de un combustible sólido, en una etapa, y la combustión del gas, en la ulterior. En síntesis, una muy sofisticada “cañita voladora”. En la construcción y diseño del aparato intervinieron diez especialistas. Otros tantos se ocuparon de hacer el seguimiento en tornerías y herrerías, de todas y cada una de las piezas, de precisión, del sistema. La punta, una exquisitez, un cono aguzado de 0,6 m. de largo, en dos tramos de igual tamaño. Todo ensamblado con rosca bayoneta, y asegurado con tornillos. Casi veinticinco compañeros se ocuparon de la logística, entre tantas la exacta distancia con telémetro entre la pared del edificio y la ventana del blanco, y la determinación precisa del ángulo de vuelo. Se hizo molde de parafina de la llave de ingreso al edificio. 
Debía tomarse, complementariamente al departamento seleccionado, para el disparo, a la portería, puesto que el afluir de tanta gente, despertaría lógicas sospechas. Funcionando con precisión milimétrica, el trabajo demandaría 18 horas…estimamos 20 para darle un soportable margen de error. Llegó el día señalado, sin dificultad reducimos al portero, un gallego jubilado que tomó las cosas con calma, garantizamos su absoluta seguridad, en tanto medie debida colaboración, amén de una generosa retribución. Colocó un cartel en el hall de entrada, que versaba “el portero fue al médico”. El departamento del “lanzamiento” nos facilitó el ingreso con nuestros disfraces de empleados de la empresa de telecomunicaciones. Uno de los cumpas que copó el objetivo era cardiólogo, y procuramos, por todos los medios, no atemorizar a los ancianos, casi octogenarios. Luego de alguna agitación se sosegaron, facilitado por la generosa suma que le proveímos, en forma anticipada. Con rapidez armamos la plataforma de lanzamiento, un bastidor de ángulos de hierro, totalmente abulonado. Y el cohete fue tomando forma. Por la debida práctica previa, todo fue saliendo a pedir de boca…El 22 de agosto, a las 11.30 el Halcón Negro realizó su vuelo vengador…y fue un blanco perfecto. La información oficial mencionó 75 muertes, donde sobre preciaron (cual es su costumbre) el número de mujeres. Nuestras estimaciones rondaban las 200 bajas efectivas, un 35% de personal jerárquico. No obstante que preservamos nuestra identidad, con pasamontañas, las facciones de dos cumpas habían sido, inevitablemente, vistas por el portero. Y la inteligencia logró un identikit que se difundió en todas las fuerzas “del orden”
El hallazgo de las “herramientas” nos sobre-excitó. Esa noche no pudimos dormir, de tanto conciliábulo…De una desesperanza total viramos a una rendija, hacia un túnel que, eventualmente, nos llevaría al sueño de la libertad. Dedujimos que, quizás, los anteriores pobladores de la celda, pudieron haber hecho labores previas, en su intento, porque las herramientas se veían con notable desgaste. Lo cierto es que, no lograron su objetivo, puesto que los fierros seguían encanutados en los colchones. Era obvio que, de haber arribado a su cometido, habrían dejado la obra visible, y los artificios hubieran sido decomisados. Mi compañero, proclive a perfiles depresivos (potenciados por torturas y encierros) supuso que quizás, en la vía de escape, hallaron obstáculos insalvables, que frustraron, en definitiva, el plan de fuga…citando las veces que los túneles de los condenados, terminan a la luz, en medio de la oficina del alcaide de la cárcel. Yo mantuve mi perfil de iluso soñador, y le repuse que cabían otras posibilidades:- que hubieran sido liberados. – que hayan muerto, víctimas de enfermedades ó de las golpizas cotidianas. – que hayan sido trasladados…Lo cierto es que una herramienta era de rotura-excavado (la punta) y la otra de palanca (la planchuela). Y comenzamos a observar las losas graníticas del piso. Eran de 0,6 x0,6 m. …entraban seis a lo largo y cuatro a lo ancho del cubil. Debemos examinar en detalle todas las juntas, dije, pero…con la luz del día…ahora, mejor durmamos, compañero. Está bien, repuso, pero, en el mejor de los casos, salir al exterior no garantiza nada…con el pelo y barba de tres años, andrajosos, con cientos de milicos tras nuestros pasos…nuestras vidas no valdrán nada…Es cierto, amigazo, las posibilidades son mínimas, pero existen, en todo caso si la alternativa es morir libres…no está mal. Por la mañana, con total minuciosidad, fuimos relevando la totalidad de las juntas de las veinticuatro losas…hasta que…en un rincón distal de la entrada, vinos que una junta, en un tramo central de diez centímetros, tenía un engrosamiento de un centímetro, donde la ranura estaba mimetizada con una argamasa ligada con miga de pan, oscurecida con polvo de roca. Las horas se hicieron interminables, hasta la noche. Apenas cayó el sol raspamos la argamasa, evidenciando que la losa tenía un espesor de seis centímetros…Calculé el peso por la densidad del granito (2,7 kilogramos por litro) y daba cincuenta y ocho kilogramos. Nuestra herramienta de palanca, la planchuela, medía sólo 25 cm., por lo que potenciaba al mínimo el esfuerzo. Le dije a mi cumpa, mirá, debemos levantar veintinueve kilos cada uno, con la yema de los dedos…es la única forma. No hay método posible para medir el tiempo…pero fue una larga agonía. Hasta la última fibra de nuestros cuerpos se empeñó en izar la pequeña mole cuarzo-feldespática. Milímetro a milímetro la extrajimos, y con suma precaución la deslizamos, sin hacer el menor ruido. Tanteamos, descubriendo que había una rebaba de cinco centímetros por todo el perímetro de la losa (para su apoyo) y luego…aire…un túnel.

Un cumpa para en una policía caminera, el cana lo reconoce…el afiche con el identikit estaba sembrado por todo el país…lo deja seguir, sin más trámite, y da el alerta con el handy…A los pocos kilómetros es rodeado por cuatro camionetas del ejército, colmadas de soldados. Se tira a la banquina, rueda varios metros sobre si mismo… Empuña la Browning…Y comienza la balacera. “Lo quiero vivo, dice el oficial al mando…si algún boludo lo mata, le corto el cogote…”. Hiere a dos, y una bala, inevitable, le atraviesa el hombro, destrozándole la clavícula…el dolor lo desmaya, y se lo llevan. Intervenido por cirujanos de excelencia, le salvan la vida, y aún convaleciente, lo llevan a la tortura. Despierta de la anestesia, y se encuentra, desnudo, estaqueado en una cama metálica…y piensa…Entre operación y demás, han perdido diez horas, debo aguantar otro tanto…y zafamos. Está despierto, dice el médico de los verdugos, al advertir su cambio de ritmo respiratorio…pueden comenzar. Y funcionaron los códigos. El joven sabía que, si a las veinticuatro horas de apresado no realizaba su llamada telefónica, la red se alerta, los pájaros se encapsulan…Pero, humanos, al fin, errores se cometen. Cuando habló, mencionó cuanto sabía de sus compañeros de célula, uno de ellos desconocido, “alias” Matute, que zafó. El otro compartió buena parte de su vida, era un amigo, sabía su nombre, domicilio y fue inevitable su detención. La resistencia a la tortura tiene sus límites tangibles...él había cumplido su rol en la organización, era un simple militante…Los militares querían saber más y más, demasiado más de lo que, realmente, sabía, y la impotencia es su peor limitante…le terminaron reventando el corazón, de tanto alto voltaje aplicado. Su amigo cambió de provincia, se mimetizó como pudo, tiñó sus cabellos, se afeitó el bigote, y se guardó hasta el límite de sus posibilidades, empero, cuando conocen tu nombre, y tu cara, se hace más sencilla la captura…No aguantó sin fumar…sólo caminó cinco cuadras, buscando un kiosco, en ese conurbano desconocido…Y fue atrapado por una pinza casual del ejército…sin poder disparar un solo tiro.
La exitosa operación “El Halcón Negro” fue difundida a todo el planeta, con las veinte fotos de precisión sacadas desde su lanzamiento hasta impactar el objetivo. La CN difundió documentos “secretos”, y otros no tanto, acerca de detalles de la tarea, entre ellos el costo del proyectil que rondó el millón de dólares. Los técnicos estaban exultantes, afirmando uno de ellos que “después de esto, ya nos contratan en la NASA…”
Cincuenta centímetros, por la diagonal, unos pocos más, lo justo para poder descender en la oscuridad. Apoyé las manos en los bordes y fui, lentamente, soltando el cuerpo. Toqué fondo, más ó menos al metro de profundidad y el pasadizo se ensanchó. Entonces pude flexionar las piernas, y agacharme. Palpé con las manos mi entorno, hasta que introduje mi mano por un hueco, por el que accedí a un túnel que, sin dificultad, facilitaba mi cómodo traslado, sobre manos y rodillas. Avisé a mi cumpa: “vamos, bajá, seguime, todo está bien…” y recorrimos la vía de escape. 

Era un zigzagueo permanente, un metro horizontal, otro hacia abajo. A los cuatro metros percibí una corriente de aire, hacia mi izquierda (¿hacia fuera?). Era un ducto horizontal de unos diez centímetros de diámetro que horadaba una junta entre dos bloques graníticos, de la firme pared de la prisión…y mi mano tocó el exterior, y fue libre, unos instantes, al frío viento de la noche…Esa indudable ventilación del túnel reponía el aire, al momento de destapar la losa del piso de la celda. Seguramente la horadación del granito, por su notable dureza, insumió a los predecesores varios meses de esforzada, lenta y tediosa labor. Proseguimos sin dificultad hasta cubrir ocho metros horizontales y otros tantos verticales. Y todo terminaba allí. Arranqué con la punta una esquirla de la roca, y avisé a mi cumpa “todo termina aquí…peguemos la vuelta”. Nuevamente, en la celda, analizamos la situación. 

Concluimos que nuestros gentiles antepasados no concretaron la fuga, por esta vía. Lo cierto es que uno de los moradores debía trabajar en un taller de herrería de la cárcel, porque sólo para hacer el respiradero, debieron gastar varias puntas de acero. Se nos planteó qué hacer con la loza…si debíamos alzarla cada vez que ingresemos…o la podíamos dejar tapada con un colchón, con franca vulnerabilidad en caso de requisa. Optamos por la primera alternativa, más esforzada, pero de mayor seguridad global. “La destapada de la loza, y la excavación en roca, serán parte del calvario nuestro de cada día”…aseveró mi cumpa, con su consabido optimismo. Dejamos todo tal cual estaba…y nos fuimos a dormir, y soñé que era libre, en alguna ciudad de algún país, de algún mundo, no depredado por militares genocidas.
Para los militares fue un “problema de honor” nuestra captura. El cumpa recién apresado valía, para ellos, lo que pesaba, en oro…no debían, bajo ningún aspecto, matarlo…ni antes, ni después de arrancarle su confesión. 
Fue salvajemente torturado, con dos médicos de cabecera, que vigilaban, en forma constante, sus signos vitales. Los entretuvo dos días con pistas falsas, se bancó las represalias, quizás, intuyendo que, por el momento, no era espectable su muerte…Luego contó lo que sabía, que no fue demasiado, sólo fue operador logístico, un cuadro intermedio, en la escala…en la volteada, caí yo, y no sé cuántos más…pero el tenor de los interrogatorios me tranquilizó…nadie sabía demasiado, y los milicos tenían un enquilombizado rompecabezas, para armar. Supuse que no fuimos tantos los capturados…Estuvimos en calabozos individuales, los últimos poco más de seis meses, los primeros, quizás, unos tres meses más. Nos alojaron dejando una celda vacía entre nosotros, imposibilitando comunicación Morse, y nos permitieron tener una Biblia. 
Trabé una cierta amistad con el guardia, y obtuve muy pequeños beneficios…una vez me prestó un diario (La Voz del Interior) y me enteré que estábamos en algún lugar de la provincia de Córdoba. La comida era, más que razonablemente buena. No nos permitían hacer ejercicios...y engordé. Después comprendí, un día entraron en mi celda dos cronistas extranjeros, me sacaron fotos leyendo la biblia y fumando; supuse que el artículo versaría sobre las condiciones humanitarias de alojamiento de los terroristas.

Por la mañana investigué la esquirla de roca obtenida al final del túnel…era gris blanquecina, de grano grueso, cuarzosa, con cemento calcáreo, bien litificada. Le informé a mi compañero que era semidura y trabajable, aunque algo proclive a desgastar le herramienta. Como nos faltaban menos de cuatro metros de profundización, estimé que, aún perdiendo longitud, la punta aguantaría. En cuanto al tiempo que se requeriría, debíamos trabajar una semana, y recién tentar un cálculo. 

Avanzamos algo más de un metro, y pudimos fijar el plazo de nuestra huída, en poco más de dos meses. Pero los acontecimientos, se precipitaron, y antes de un mes nos abrimos paso a una voluminosa caverna, que supuse haría de alcantarilla al penal. El agua de mar circulaba, estimamos, dos metros más abajo, con inusual alboroto. Le expliqué al cumpa que, probablemente, el agua ingrese, a favor de las mareas, por un nivel superior, y salga a borbollones por gravedad, manteniendo siempre limpio el sistema cloacal. Bueno, hermano, nos zambullimos y nos vamos a la remierda, le digo. Hay algún problema, contesta, puede haber rocas abajo…Si claro, respondo, es parte del riesgo. Mi otro problema, alega, es que no sé nadar…aclara, y me empuja al vacío…Y caí en una masa helada, negra y tumultuosa. Me puse a flote, unos pocos segundos, hasta que el conducto se enangostó, en forma repentina, obligándome a llenar los pulmones, sumergirme y nadar…con la última y desesperada pulsión de vida. Las filosas aristas de roca me flagelaban por doquier, cabeza, brazos, flancos y piernas sufrían parejo, y mis pulmones hervían, como una caldera a punto de estallar. Y, repentinamente, se termina el túnel, y puedo nadar hacia la superficie, y ver todas las estrellas de mi primera noche en libertad.

Hacía una semana que me daban un paquete de cigarros por día, y me dijeron que pida un libro que me gustaría leer; solicité “El extranjero” de Albert Camus, y, prontamente, me lo entregaron. Una noche me trajeron de cena pollo al horno, con papas, y una gaseosa. Y le pregunté al guardia “¿llegó la hora?”. Si, me dijo, mañana los trasladan. “¿Cuantos somos?”…Todos, dijo, los diecisiete…”. Bueno, entonces, no seas guacho, y tráeme un vino” y cumplieron mi último deseo. Apenas probé la cena, no me pasaba por la garganta…pero bebí el vino, lentamente, mientras fumaba, y pensaba.

Sólo diecisiete…quizás cinco caídos en la tortura, y otros tantos que se volaron la cabeza, o masticaron la pastilla de cianuro, para no caer presos. Apenas apresaron a la mitad; siempre quedarían algunos que hagan volar otro “Halcón Negro”, en nombre nuestro…y me dormí. Antes del amanecer vinieron a buscarme, me esposaron las manos a la espalda y me pusieron grilletes en los tobillos con una cadena fina que, en honor a la verdad, no dificultaba demasiado la caminata…Nos formaron, en fila, en el patio, algunos sonreían, otros guiñaron el ojo…la mayoría, bien conocidos. 
Uno gritó: ¡Montoneros, patria o muerte!... ¡Patria o muerte!...contestamos a coro. Y escuché los motores de los camiones, más allá del portón de entrada…y recordé haber soñado toda la noche…con mi fuga de un penal patagónico…o quizás éste era el sueño, mientras en realidad nadaba, eufórico…hacia la libertad…hacia la vida.

Autor: 
Guillermo Amilcar Vergara

terça-feira, 26 de janeiro de 2016

De utopias e amores. De demônios e heróis da pátria.




De utopias e amores,
de demônios e heróis da pátria.
Javier Villanueva

Introdução
As vicissitudes de um editor

A verdade é que estava ansioso.  Fui o editor do Paco Navarra faz alguns anos, publicando-lhe obras pouco importantes para o grande público, alguns contos ou crônicas para leituras escolares. Mas agora Paco tinha me pedido que lesse o seu primeiro livro em formato de novela. Li, mas não quis editá-lo; ele não insistiu, mas me rogou que o mandasse para alguns leitores críticos. Fiz o que me solicitava, e passei o original a uma conhecida professora de literatura da Universidade de Córdoba. E Paco Navarra gostou: foram muitos comentários interessantes, que melhoraram bastante o original; mas ele ainda queria uma crítica forte, e me pediu que intermediasse uma leitura de H. Estévez, um especialista brasileiro em letras latino-americanas, destacado entre os hispanistas do país e conhecedor dos temas pelos que Paco Navarra se aventura ao longo do seu texto.

Assim começava o meu compromisso com o livro de Paco, ao que hoje faço esta apresentação, apesar da minha negativa a editá-lo. Mas ainda houve alguns passos mais, antes de chegar à antessala na qual espero agora, nervoso, quem foi em outras épocas o diretor do meu principal cliente, a editora paulistana que fundara Monteiro Lobato.

Os detalhes sempre me pareceram importantes, por isso vesti para a ocasião a melhor roupa que tinha no armário. Tomava já o terceiro cafezinho no pátio lateral do escritório enquanto esperava ansioso o “pode entrar” do jovem secretário que se concentrava no seu i-pod, a léguas de distância das minhas inquietudes literárias. Enquanto isso, os meus pensamentos percorriam obsessivamente o itinerário que tinha me trazido até aqui. Recordei como começara tudo, dois meses atrás, naquela quarta-feira em que o telefone me acordou cedo; era o Nico, meu amigo da produtora de cinema:

Um dos diretores gostou da sua ideia para o filme. Deixe o roteiro amanhã no meu escritório, e daqui a uma semana voltamos a conversar–.  No dia seguinte deixei o original com outra funcionária indiferente e entediada, que por toda resposta disse:     

Aqui está o comprovante da entrega. Faça o favor, chame-nos na semana que vem, ou daqui a 10 dias, mais ou menos–.

Assim chegava até este momento em que me sentia ansioso como um adolescente, esperando ser recebido para o seu primeiro trabalho. O rapazinho teve que insistir:

Senhor, por favor, pode entrar–. No despacho estavam o meu amigo e outros dois homens.

Embora gostasse da ideia de ver a novela de Paco Navarra no cinema, seguia com um dilema que me partia ao médio entre a fidelidade aos seis ou sete conhecidos e críticos que leram os originais antes que por fim me animasse a levá-los até o editor J. Maldonado em Córdoba e sugerir que pensasse em editar e publicar o livro do meu amigo. 
Sim, porque, embora durante anos o Paco e eu não tivéssemos sido mais que autor e editor, sem demasiados vínculos, de repente o seu novo livro nos criou certos laços de amizade e camaradagem. E eu até imaginava por que, ao ler parte das suas memórias, que se camuflavam na novela que agora me dispunha a promover para uma versão cinematográfica.
Mas, voltando outra vez ao tema dos leitores críticos, acontece que Paco Navarra gostou da análise do livro que fez Estévez, e que era bastante dura:

Recorte e reorganize tudo, tire metade dos adjetivos, ou não publique. Releia e recorte tudo de novo antes de voltar a montá-lo. Pendure cada parte do livro no varal, como os que se usam para secar a roupa, ou como nos contos de cordel do nordeste– foi o que lhe aconselhou o professor e hispanista, e o Paco gostou. Recortou a novela de cima abaixo e reordenou tudo após outro longo ano de investigações e leituras paralelas. E quando parecia que já “quase” estava pronto, entregou o novo texto a Raúl Sánchez, o ator cordobês, que o leu e criticou duramente. Tudo de novo. E outra vez, com paciência, Paco Navarra refez cada texto, realinhou todos e cada um dos diálogos, agregou correções e recortou mais ainda.

Porém, Paco teve ainda o cuidado de fazer uma última busca na internet sobre a vida de um dos personagens que ele mais critica em seu romance, e então todo mudou de novo ao se encontrar-se com Pili Roca. Também hispanista e linguista, Pili tinha estremecido os alicerces da obra do Paco, dizendo-lhe que essas bases talvez se assentassem no terreno pantanoso da cegueira para criticar o passado e analisar com a alma desarmada os momentos históricos que o romance queria resgatar.

A partir desse momento, Paco Navarra tinha se afundado em um limbo de indecisões, como se se partisse ao meio, porque ao final tinha passado quatro anos metido nesta obra, pesquisando mais de duzentos textos; havia incomodado os quatro ou cinco parentes próximos mais dedicados à literatura e à história, e procurado a três dos melhores críticos que tiveram a paciência de ler a obra, analisá-la e criticar os seus temores e incertezas como autor.

Ocorreu então – repito- que quando já parecia que Paco Navarra conseguia por fim equilibrar textos – além da arquitetura do romance, a veracidade histórica e outro mundo de detalhes- um pudor desmedido o leva a pedir mais uma  opinião, não de toda a obra, senão de uma peça-chave da mesma. É que um dos personagens, – que parecia sinistro para muitos, enigmático para outros, sedutor e valiosíssimo para uns quantos mais- passeia ao longo do texto como um “convidado de pedra”, um crítico dos erros que toda uma geração de jovens cometeu, no meio da soberba juvenil de querer um mundo melhor. Personagem controvertido e conquistador se há, na novela que agora apresento é o único ao que se critica desde vários ângulos; e por isso é que o tal personagem se diferencia do grupo dos outros, os que saem vitoriosos da prova dos trinta e cinco anos de memórias do autor, porque morreram jovens, heroicos e generosos, enquanto o sedutor pertinaz sobrevive, e por algum motivo impossível de avaliar, escapa da crítica e do julgamento improvável de uma justiça impossível.

A dúvida que corroía Paco Navarra era simples: era justo condenar – 35 anos após alguns dos feitos que narra o romance-, um homem velho que começa a se  despedir do mundo sem conseguir fazer o seu espaço na história? Pili, a quem Javier consultara após a referida procura em internet, diria que não. Diria que o meu amigo autor continua sendo estreito e sectário. Que mede com a regra dos anos de 1970 um homem que fez as suas contribuições importantes e depois foi engolido pelas sombras, e agora já está velho demais para se defender.

Ao final, o dilema que dividia a Paco Navarra não se resolveu, e apenas conseguiu, e nada mais, que Pili lhe dissesse que tinha liberdade absoluta para transformá-la em um personagem literário junto aos outros que povoam o seu livro, “todos riquíssimos”, segundo ela. Já disseram a ela que a sua vida bem valeria um romance, enquanto ela mesma se via absolutamente prosaica e rotineira. Mas isto é algo que vai se ver melhor depois, no livro que vou apresentar.

No fundo, não me surpreendeu também o que ouvi no escritório dos produtores. Eu não resolvia o conflito moral que me transferia Paco Navarra, o de ser justo com a história e com as suas convicções, e ao mesmo tempo poupar amarguras ao tal personagem que, não nos enganemos, já está esquecido pela grande maioria dos protagonistas da sua época e não passa de ser um fantasma triste e a salvo de qualquer julgamento porque, afinal de contas, não há justiça revolucionária dos anos setenta que o atinja, como diria o nosso autor, “porque aquele momento histórico e os seus protagonistas já não existem – não existimos- como revolucionários, transformadores radicais da realidadeE nem sequer a justiça da democracia que soubemos conquistar poderia por nosso personagem em um banco de réu num julgamento: qualquer delito extingue-se após três décadas como as que sobrevivemos e vivemos desde então”.

No fim, o filme não vai sair. Seria muita ingenuidade pensar que os produtores iriam aceitar tudo, sem impor condições, uma vez que a Paco Navarra empacou em que não vai deixar que tirem nem uma única vírgula do seu texto original.

Posto tudo isto, vamos à apresentação prometida. Dizem que a memória é um tesouro falso que se guarda no mais fundo da consciência, para nos auto-enganar e ser complacentes com os nossos erros; por isso, quando o Paco me pediu uma introdução a este livro, lhe disse que só iria fazer à condição de ser independente nas minhas opiniões, poder criticar os seus pontos de vista, e que o seu editor não me recortasse nada. Ele aceitou e aqui vão os meus comentários:
A memória de Paco Navarra é complacente, mas com dúvidas e vacilações. Apoia-se em uma leitura histórica parcial ou com simpatias duvidosas. A Guerra do Paraguai, por exemplo, ou as vidas de Felipe Varela, Luis Carlos Prestes, Severino de Giovanni, Carlos 
 e outros tantos personagens e episódios reais brasileiros e argentinos, com os que ele joga como tela de fundo do texto, são quase mitos ou ao menos, são referências questionáveis, emotivas, mas que propõem uma linha que às vezes é equívoca.
Sobre a Guerra do Paraguai, ou Guerra da Tríplice Aliança, por exemplo, Paco Navarra aponta as suas dúvidas, mas não as confirma: o ditador do Paraguai era autoritário e atrasado, e levou o seu povo a um sacrifício cruel e desnecessário? O seu orgulho de tirano isolado do mundo o fez atacar aos dois países mais poderosos de América do Sul, que se uniram para destruir ao vizinho presunçoso, e finalmente conseguiram impor a política das suas respectivas oligarquias? A Inglaterra tirou grandes vantagens dos resultados mas, não se dedicou a incentivar o conflito bélico?
Paco Navarra conta as tentativas de paz britânica e norte-americana, mas não deixa claro que isso mesmo é o que afasta a Grã-Bretanha da responsabilidade direta o quase total da guerra, mais do que o seu relato deixa entender. Houve um genocídio? Sim, porque uma enorme parte do povo paraguaio foi exterminada pelos imperiais brasileiros, secundadas pelos batalhões portenhos. Mas quem levou 90% da população masculina à guerra? foi o ditador paraguaio? Ao final, até o mesmo Marx diria que um sistema político e social quase missionário, herdeiro dos relacionamentos jesuíticos coloniais, não poderia senão cair baixo o jugo do proto-capitalismo liberal que se impôs em Rio de Janeiro e Buenos Aires.
E Prestes? Era um herói para valer? Um militar “tenentista” que depois se transforma em um fiel representante do estalinismo soviético, pode ser levantado à categoria de Cavalheiro da Esperança? E as suas confusões com relação à ditadura de Getúlio Vargas?

Paco Navarra me confessou que, durante os seis anos que passou pesquisando e escrevendo rascunhos, de 1999 a 2005, estava muito influenciado por algumas personalidades às que admirava. Todos eles eram convencidos de que só com que certos grupos sociais e políticos, ou alguns indivíduos ou núcleos dirigentes atuasse de modo diferente nos seus momentos históricos chave, o destino da Argentina e do Brasil – os dois países que mais lhe importam a Paco Navarra, sem dúvida- poderia ter sido completamente diferente. Vários pensadores – e não só Israel Vilhas que pouco parece ter influenciado Paco Navarra e os seus colegas entre 1974 e 1976- como Indalecio Prieto, líder da República Espanhola, ou inclusive os argentinos Milcíades Peña, Osvaldo Bayer, David Viñas ou Félix Luna, todos o levavam a pensar que, aparte das forças econômicas e sociais profundas, ou das grandes tendências de uma época, o que importam são os homens e mulheres da cada período, as suas ações em favor ou contra o seu povo.
A polémica que este livro de Paco Navarra vem gerando pela Internet, através do seu blogue e o de alguns dos seus ex parceiros, fez com que se lhe conteste às vezes com mesura por parte de gente como Vilhas, ou os editores que publicaram as suas obras anteriores em São Paulo, embora em outras ocasiões seja atacado violentamente pelos conservadores que não querem ver a história recente, a dos últimos 35 ou 40 anos, e o que dirá analisar a grande história, com H maiúsculo, como diz o autor. São os revisionistas do revisionismo, os que querem, por exemplo, que a Guerra do Paraguai tenha como único culpado o ditador Solano López e como vítimas aos exércitos vencedores do Brasil e Argentina. Esses escritores medíocres e mal informados são os que mais atacaram Paco Navarra e seu livro. As memórias mais recentes, as das últimas quatro décadas, que ao dizer de diversos historiadores, já merecem entrar nas páginas dos estudos e investigações acadêmicas, são poucas vezes atacadas pelos críticos de Paco Navarra. É que ficar do lado das ditaduras de Videla ou dos generais brasileiros não é fácil para os seus opositores. Mesmo assim insinuam-se de um modo morno os comentários críticos, e sempre o que reaparece é a velha história dos dois demônios: a ditadura era um dos eles, o outro era a insurgência que teria “provocado” os militares.
 Como em Noite dos Tempos, romance que pinta o primeiro ano da guerra civil espanhola de 1936, pelo que transitam personagens da vida real, como Negrín, ou Moreno Vila, e outros de ficção, que vão tecendo uma rede que põe em contexto a vivência pessoal e converte a narração em uma sequência de associações e sugestões, o livro de Paco Navarra se apresenta como uma caixa de ressonância na que soam épocas passadas, e também os tempos que ao autor lhe tocou viver.
Paco Navarra me disse que, acima das polêmicas que o livro gere, ele queria, sobretudo homenagear aos seus muitos fantasmas, os pro homens da pátria, os heróis da sua infância e juventude. E pôr à mesma altura também outras figuras, escurecidas pelas sombras da história, pouco conhecidas, pela época convulsionada que viveram.  Paco Navarra de fato faz isso, e leva vários dos seus colegas às dimensões exatas de um momento histórico em que só poderiam ter feito o que fizeram, com a melhor boa vontade, com o máximo de entrega pessoal pela causa que naquele momento era a mais justa. E se entre os heróis mais conhecidos, os que já chegaram às páginas dos textos escolares e à literatura, não há anjos nem demônios, também não pode havê-los entre as mulheres e homens dos anos de 1970.
Paco Navarra não deixa de analisar o momento, e ver quem eram os grandes demônios. Seriam os que rodeavam ao homem que comandou diretamente três décadas da vida política argentina? O seriam também os generais e oficiais que, antes e após a curta passagem de Perón na volta ao poder, prepararam com luxos de detalhes e depois executaram o extermínio de toda uma geração de argentinos?

Por outro lado, há algo que nenhum dos críticos mais ferozes, nem os aduladores mais obsequente de Paco Navarra comentaram. É que, aparte do fio condutor que alinhava as partes do relato -o do social, da luta revolucionária ou contestatária na América do Sul dos séculos XIX e XX-, existe um outro eixo  que se enrola como em uma trança com o da luta social ou política. É o fio dourado dos sentimentos, o do amor de mulheres valorosas, comuns ou incomuns, que ao lado ou por trás dos seus homens, deram exemplos heroicos, que Paco Navarra resgata ao longo do livro.
Não são só as mais conhecidas, como a Manuelita de Bolívar, dona Josefina Scarfó de Di Giovanni, a “Tigra” de Felipe Varela, as lanceiras de Artigas, ou a Elisa Lynch, a irlandesa formosa de Solano López, ou Olga Benário de Prestes, ou Iara, colega de lutas e de amores de Carlos Lamarca.

Paco Navarra recorda sobretudo a outras mulheres, mais de carne e osso, contemporâneas e muitas delas, levando ainda a vida que seguiu à derrota e à volta à democracia na Argentina; como a Negrita do Chacho Loiro, ou a mulher do Pelado Rafa, e a Negra de Juancito, sobreviventes, com filhos, netos e lembranças a carregar nas costas. Pensa em Cristina de Carlitos, ou na “Petisa” do Gordo Lowe, mortas em combate lado a lado com os seus maridos. Pensa nos filhos de todos eles, jovens, e carregando o fardo de um mito, enquanto sabem que os seus pais lhes diriam que não deve ser assim, que eles não foram heróis, senão mulheres e homens que fizeram o que deviam e o que podiam, em uma época maravilhosa e terrível, difícil pelo menos.

Dizem que há instantes da história em que alguns ou muitos homens e mulheres, em um rapto de lucidez, compreendem e propõem as suas ações sabendo que o correto e o lícito só são tais nesse determinado contexto. O livro mostra essas boas intenções da sua geração e as de outras que a precederam na tentativa de fazer um mundo melhor. E embora às vezes pareça pessimista, o romance também resgata o amor como outra força da vontade, que às vezes também move as montanhas.

VB, ex Editor de J. Paco Navarra. São Paulo, 22 de agosto de 2009.

JV. São Paulo, 2007 e Catamarca, 2009.