quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Politicamente incorreto?



Então, isso da “latinidade” não existe? foi uma sacada dos franceses, durante a colônia, para seduzir os mexicanos enquanto os invadiam, não é?. Bom, essa é a ideia base do livro de Narloch e Teixeira, que assim como o “Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil”, do primeiro, analisa os que eles chamam de “mitos da região”.
Mas, será que não há mesmo nada que se pareça com unidade cultural no subcontinente? E se ao invés de falar de "latinidade" falássemos de "brasilidade"? Então ai sim, poderíamos chegar à conclusão que muitos brasileiros sulistas e das capitais do sul-leste vem "descobrindo" desde antes da república de 1889: o Brasil no existe. Farroupilhas lutavam - claro, divididos entre as classes dos que mandavam e os escravos - para separar o Rio Grande do Sul, e livrar-se da incapacidade imperial do Rio de Janeiro para apropriar-se efetivamente da "Cisplatina".
Odiavam os chefes farroupilhas a falta de tesão dos portugueses e filhos deles para invadir a ferro e fogo o Uruguai (modo com que já se chamava a si mesmo os habitantes da região na época, e nunca jamais "Cisplatina") e tomar o gado e a mão de obra indígena e escrava que tanto ambicionavam os estancieiros gaúchos. Mas o Brasil sim, existe, ou pelo menos todos os países do mundo que mandam sabem que há uma "brasilidade", sim.

Voltando ao Narloch e Teixeira então, remarquemos que para eles a latinidade não existe e nunca existiu. Dizem que os traços em comum são muito vagos, e não servem do ponto de vista cultural para abarcar os diversos povos que habitam a América Latina. Executivos do México DC, ribeirinhos da Amazônia, haitianos e habitantes da Terra do Fogo não fazem e jamais poderiam fazer parte de uma mesma cultura?. Ok, e se outra vez concentrássemos essas comparações dos dois autores no solo brasileiro?: o que tem a ver os negros e mulatos de Salvador ou dos morros cariocas com os alemães do sul, os engravatados da Avenida Berrini e os pataxós de terra dentro?
O Brasil não existe? Sim, existe, senhores Narloch e Teixeira: há unidade idiomática (dentro da diversidade claro, acontece até na minha família de sete pessoas), unidade histórica inter-regional, unidade de moeda, de estado nacional e exército, de interesses coletivos perante o mundo y até...de cara à imensa região hispano-falante do continente.

A obra, cujo conteúdo bombardeia diversas figuras que os autores chamam de "falsos heróis", ecoa para depois tentar destruir as propagandas oficiais da Venezuela, Equador e a Bolívia atuais, mas sempre com o mesmo método: ou arranca contando fatos incontrastáveis (Cuba está na miséria hoje, os revolucionários são de carne e osso e erram, as revoluções costumam ser violentas, Perón era filo fascista, os índios e os negros escravizados não eram anjos, etc.), ou simplesmente inicia cruamente com uma falácia: não há Latino América porque a diversidade é enorme. Já voltarei nesse ponto, deixando claro que, assim, tampouco existiria o Brasil, e nem cada um dos estados nacionais da América que fala espanhol: as diferenças internas de cada país são enormes. Há uma ideia vulgar entre muita gente que acha que tudo se resume a “sotaques” e “dialetos”. Não, dentro da Bolívia, Paraguai, Peru, Argentina, e até no menor território do sul, o Uruguai, há grandes nuances da estrutura da língua espanhola, além de vocabulários e “acentos” regionais. Folclores variopintos existem em todos e cada um dos países da América Latina, e quem costuma viajar pasma com as semelhanças nas fronteiras onde, por exemplo, a música da Mesopotâmia argentina é quase idêntica à gaucha, ou à paraguaia. A diversidade e as variantes culturais não são contraditórias com a unidade, até que a política, as religiões ou as armas não produzem uma quebra, uma mudança drástica, e um país se divide ou se unifica com outro.

Outro mito que os autores do “Guia Politicamente Incorreto da América Latina” querem demolir é o do general Perón: “admirava os nazistas”, dizem. Mas não era necessário escrever um novo livro popularizando o que até as crianças sabem há mais de seis décadas na Argentina, no sul do Brasil, no Paraguai e no Chile: os governos desses países, - anteriores e ainda posteriores ao nazi-fascismo -, simpatizaram, apoiaram e deram cobertura após a guerra aos regimes totalitários da Europa. Um dos tantos jornalistas superficiais da Folha de S.Paulo riu há pouco tempo na cara do escritor argentino Abel Basti (e recebeu o troco enseguida), que detalhou em obra recente as inumeráveis provas de que Hitler poderia ter se refugiado na Patagônia Argentina ou em Bariloche depois da derrota alemã em 1945.


Basti menciona a Rodolfo Fraude, filho do milionário alemão Ludwing Fraude, como uma peça chave no seu posto de secretário de Perón para o estabelecimento na Argentina de nazistas graúdos, entre eles Eichmann, que foi capturado em 1960 nos redores de Buenos Aires por um comando israelense e executado dois anos depois em Israel. O autor do livro “Bariloche nazi-guía turística”, que trabalhou em várias investigações sobre os nazistas para a televisão europeia, e me parece mais sério que o jornalista da Folha que fez gracinhas com ele, assegura que Hitler também morou durante sua passagem pela Argentina na fazenda "San Ramón", a 10 quilômetros ao leste de Bariloche, uma propriedade em aquele tempo pertencente ao principado alemão de Schaumburg-Lippe. É só entrar em Google e aparecem mil referências sérias da Argentina, Chile, Bolívia, Paraguai até o Brasil, sobre um tema antigo que o Nardoch parece estar descobrindo agora.

Os Incas e Astecas, são outros exemplos das velhas verdades de Perogrullo, com as que os autores nos informam que “os índios gostavam de um genocídio – e eram verdadeiros impérios no sentido estrito: invadiam outros povos, impunham sua cultura”, etc!! Caramba!, creio já ter ouvido esta verdade incontestável lá pelos idos de 1956 na escola "República de Méjico", na cidade de San Martín, Buenos Aires, na minha tenra meninice!.

Insistem os "historiadores" em que a queda e a derrota tanto dos astecas como dos incas foram não apenas comemoradas, mas "possibilitadas pela aliança entre espanhóis e outros povos nativos que eram subjugados pelos tais imperialistas”. Verdade inegável: os impérios costumam ser...imperialistas, não importa a etnia. E os Astecas no México e os Incas no Peru são uma confirmação da regra. O que não tira a outra verdade, a que se impôs pela força das armas, pelo efeito da surpresa dos cavalos e cachorros dos espanhóis, até então desconhecidos pelos índios americanos, e até pela brancura da pele e a raridade das barbas loiras e castanhas que, como conta “El espejo enterrado” de Carlos Fuentes, enganou a Moctezuma que esperava a chegada de um deus branco e com patas de animal poderoso.

Mas as ideias de defesa aos nativos massacrados – com ajuda de outros nativos, sim, mas massacrados mesmo assim -, não é dos novos esquerdistas que tanto assombram a Narloch e Teixeira. Já em 1534 o teólogo Francisco de Vitória recebeu carta da América relatando o fim de Ataualpa, o Inca, supliciado em Cajamarca por Pizarro. Ficou indignado. Era para isso que os cristãos estavam no Novo Mundo, para pilhar e assar inocentes? Eminência na Universidade de Salamanca, Vitória comprou a briga. Publicou a “Relectio de Indis” em 1539, e as suas palestras em defesa dos índios são consideradas ainda hoje um dos pontos de partida do direito internacional moderno.

Rejeitando a tese da inferioridade natural dos índios, Vitória os considerava homens iguais aos outros, originários da mesma estirpe, e com os mesmos direitos. A dignidade da raça humana e a defesa da comunidade universal se sobrepunha a tudo. Lutar contra eles não podia ser justo. Carlos V não gostou da agitação provocada e mandou ele ficar calado. Não adiantou.

Para botar mais lenha na fogueira, em 1547 desembarcava na Espanha o bispo de Chiapas, Bartolomé de las Casas, conhecido como "gênio tutelar da Américas." Chegava da Nova Espanha cheio de provas das atrocidades dos brancos. Os astecas e os incas, contou ao imperador, eram como os antigos romanos e gregos, racionais e bem organizados e, com tempo e paciência poderiam virar bons cristãos. O que cometiam contra eles era crime e roubalheira.

Mas antes de Las Casas, Ginés de Sepulveda, o tutor do príncipe Felipe, baseado na “Historia de las Indias” de Francisco Oviedo, e conversando com Hernán Cortés, chegara à conclusão oposta. Na obra “Democrates secundus”, de 1544, disse que a matança era inevitável. Como fazer aqueles selvagens e pagãos acatar a mensagem divina do Evangelho se antes os espanhóis não os submetessem a ferro e fogo? A guerra, exigida pelas superiores razões da fé cristã, era justa sim. Primeiro o rigor da Espada, depois o alívio pelo Cruz.

Foi ai que Las Casas contraatacou: a conquista espiritual, segundo ele, jamais poderia acontecer pelo rigor do aço. Resultaria do convencimento e a persuasão. Deveria ser obra da Palavra e não da Espada. “¡Qué Cristo le imponían a los gentíos!” disse. Por repugnantes que fossem seus pecados para um cristão, pior ainda era torturá-los e assassiná-los. O argumento de Las Casas obrigou o Imperador Carlos V, e o seu sucessor Felipe II, a proibir de modo terminante a escravização dos índios do Novo Mundo. Mas nenhum desses decretos bem intencionados conseguiu evitar que nas três Américas, comunidades inteiras fossem forçadas a servir os “encomenderos” espanhóis e obrigadas a entregar parte da sua produção doméstica, ou a ser submetidas à “mita”, o trabalho temporário gratuito para o senhor. Ambas, a “encomienda” e a “mita”, eram formas de disfarçar a permanência dos índios na servidão.

Da outra trincheira da polémica se insistia em que fora o próprio Deus, por intermédio do Vigário de Cristo, segundo explicava Sepúlveda, quem outorgara tal missão aos Reis Católicos. Era dever dos monarcas salvar os índios da idolatria. E além do mais, eles bem faziam por merecer os tormentos. Lascivos, "mais próximos às bestas", eram demônios dados às práticas ofensivas à natureza: incesto, sodomia, canibalismo e sacrifícios humanos. Possuindo tão somente "vestígios de humanidade", a escravidão era para eles um estágio necessário antes de poderem alcançar a salvação.

Sepúlveda, com argumentos tão pouco cristãos, queria sarar a consciência da elite castelhana assustada pelas notícias que não paravam de falar de violências, matanças, incêndios, e reduções dos índios em várias formas de escravidão. Pressionado entre indigenistas e imperialistas, Carlos V chamou em Valladolid, em 1550, uma junta de teólogos e juristas. Que eles decidissem sobre o assunto! E nesse tribunal Las Casas e Sepulveda se enfrentaram na mais memorável batalha intelectual da época.

E avançando agora três séculos e um pouco mais: será que Pancho Villa era um latifundiário e Simon Bolívar se opunha aos negros e pobres no poder? Sim e não, como tudo - e sempre que se trate dos "mitos" que os  autores “politicamente incorretos” pretendem agora desmontar -, nem as pessoas, nem os fatos históricos são lineares, nem preto versus branco; há cores, nuances, e muitos tons de cinza.

A exemplo do livro anterior, o “Guia Politicamente Incorreto da América Latina” os autores não fazem “revisionismo”, simplesmente tratam de um modo jornalistico os temas, focando em fatos soltos e isolados, e insistindo em dizer que a história é  “contada”  mais pela ótica ideológica e partidária que pela análise do que realmente aconteceu. Será? Sempre ouvimos dizer que a história dos povos é escrita pelos grandes vencedores. Mas nas últimas décadas, as vozes de muitos dos vencidos estão sendo recuperadas e seus pontos de vista revistos à luz de novos documentos e provas até agora tapadas pelos vencedores.

E isso é do que Narloch e Teixeira não gostam. Segundo os autores “politicamente incorretos”, a América Latina tem hoje um forte traço cultural que une os intelectuais e grande parte dos povos da região: após uma suposta “revisão ideológica” da história, as narrativas passaram a ser feitas em defesa dos perdedores e não dos ganhadores, como parece que deveria seguir sendo, eternamente e sem contestação.

Não é verdade: impérios cruéis, nunca foram vistos pelos historiadores modernos e sérios no Brasil, ou no resto da América Latina, como os “bonzinhos da história”; nem as crueldades rituais foram suprimidas em nome de uma suposta releitura esquerdista. As obras apresentadas ao MEC brasileiro nos últimos dez anos, assim como as que podemos ver no Brasil desde a TV cultural e estatal argentina –Canal Encuentros, por exemplo- são minuciosas nas suas fontes, no estudo detalhista de milhares de arquivos.

Sustentar a teoria de que a escravidão e o tormento de milhões de africanos foi produto, na mesma medida e no mesmo peso, tanto da ambição dos europeus como dos príncipes negros que os vendiam, é como atribuir o Holocausto às polícias de judeus que - obrigados pelos nazistas ou por ambição e corrupção - entregavam e policiavam milhões de judeus nos guetos e nos campos de extermínio. Os crimes da ditadura de Stalin na antiga URSS, as atrocidades dos nazistas, ou os massacres da escravidão e a conquista da América teve ajuda e assistência entusiasta de muitos povos nativos, sim, mas o interesse primeiro, o mandante e o executor principal foi a ambição das classes dominantes europeias. E isso Narloch e Teixeira não poderão contestar com nenhum recurso de retórica jornalistica.

Javier Villanueva, 2011, leia mais em:
www.javiervillanuevaliteratura.blogspot.com
www.wix.com/blogjaviervillanueva/javier-villanueva-literatura  





segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Cara de ángel, corazón de diablo


Hay quienes me acusan de insistir demasiado en el tema del diablo. Es verdad, tienen razón. Y lo peor es que esa cierta obsesión no me viene sólo desde la infancia y la adolescencia, cuando el abuelo Victoriano me asombraba con sus cuentos de aparecidos y almas en pena. Hay cosas de la juventud que también me marcaron.


Salía un día de mi casita en Lomas del Mirador, no hacía frío ni llovía, pero era una mañana gris y triste. Tomé un ómnibus para San Justo y luego otro para Isidro Casanova. Iba asustado: ya en esa época, los demonios eran otros, hombres de carne y hueso; horribles, llegaban a la nochecita o de madrugada, pateaban las puertas y se metían en patota para arrancar de las camas a mujeres, niños y hombres, y llevarse a quién estuviera en sus listas de condenados. Y la noche anterior se lo habían cargado a Hugo, el "Checu". Yo le decía así, una especie de apodo que resumía el "¡Ché, culiau!" que había que largarle en la cara cada vez que se desaparecía tres, cuatro y hasta cinco días, sin dar noticias, porque había agarrado una changa temporaria, o algún trabajo más permanente en plena zona sur, y el dinero que ganaba nunca le alcanzaba para ayudar a la madre y sus dos hermanas, pagarse el transporte y las viandas. Se olvidaba de aparecer en los controles, y nos mataba de miedo a todos. "Che cu..." terminó siendo la forma de saludarlo, aliviados, y casi resignados a que nunca entendiera que era importante cumplir con las normas de seguridad.

Pero esta vez Hugo - al que ya todos llamábamos Checu - no volvería; es que ahora, en pleno 1978, después de la Copa que Argentina había ganado para alegría del pobre pueblo sufrido y alivio de los militares, las cosas estaban más difíciles. Los Montoneros habían decidido lanzar una contraofensiva desde Europa, pasando por Brasil, y reintegrando al país a muchos de sus militantes, aprovechando incluso el clima menos tenso del mundial de fútbol. Sólo que el contraataque de la dictadura había redoblado la represión y las formas de vigilancia no se habían relajado ni un poco con la Copa.

El Checu no volvería nunca más; y yo tenía que ir a avisarle al Negro Tony en Isidro Casanova para que se mudara de casa lo más rápido posible. El Checu y Tony habían trabajado juntos en Materfer, en Córdoba; el primero, recién llegado de Tucumán, con la única experiencia de trabajador de la caña de azúcar. El Negro Tony se había recibido de técnico mecánico en Corrientes, muchos años antes. Y ahora se habían reencontrado en Buenos Aires mientras trataban de reagrupar a los remanentes de las Coordinadoras de gremios. Durante las movilizaciones obreras del 75, en el Rodrigazo que casi derrocó a Isabelita y a su ministerio filofascista, ninguno de ellos, ni el Checu ni el Negro Tony se habían destacado demasiado. Pero después del golpe, la tarea era contactar de nuevo cada delegado de fábrica, ayudar a los que estaban en la clandestinidad y sin trabajo, esconder a los más amenazados; y ahí sí, el Tony y el Checu habían sido brillantes.

Ahora era urgente llegar rápido y avisarle a Tony que se fuera de casa. Pero para peor, en media hora tenía que encontrármelo al Indio; o sea que iba a tener que demorarme otra hora u hora y media antes de llegar a Isidro Casanova, porque al Indio tenía que verlo en la Avenida Provincias Unidas, no demasiado lejos del cruce con el Camino de Cintura. Era un lugar embromado: dos veces me había salvado por un triz de los operativos "relámpago" del ejército. En la misma rotonda en que lo iba a ver al Indio, tres días antes una tropa de oficiales y soldados había saltado de cuatro camiones cuando parecía que estaban en movimiento hacia el oeste. No pasó nada, pero me pegué un buen susto.

Lo veo al Indio y enseguida me doy cuenta que cuando las cosas parecen estar malas, siempre pueden empeorar un poco más:

- Loco, tengo que cambiarme de casa hoy mismo -. ¡No puedo creerlo!, pienso, sobre llovido, mojado:
- ¿Vos también? -

- Sí, ayer no vino Sofía al control de la tarde, y parece que no volvió a casa. Tuve que levantarme - .

- Y bueno, dale, entonces venite conmigo hasta Isidro Casanova, a la vuelta vamos a casa -.

Llegamos rápido a lo del Tony. Y otra vez el humor cordobés se mostró más fuerte que las desgracias de todos los días a las que parecían habernos condenado los tres años de dictadura. El Indio se apartó un poco para hacer un tiempo con la mujer del Tony, mientras yo lo ponía al tanto de la desaparción del Checu y veíamos a dónde lo llevaba. Por suerte Tony tenía un hermano en González Catán, bastante cerca de alli, y al final decidimos que hasta el Indio podría quedarse en esa casa, que era grande y bastante segura,

Pero lo gracioso ocurrió de pronto, como si nada trágico rondara el aire, como si todas las amenazas se desvanecieran de repente. Y fue cuando más distraidos estábamos en la conversación con Tony, y de golpe aparece su mujer, una paraguaya rubia, grandota, hija de alemanes, celosa al extremo, y enamoradísima de su compañero. No nos habíamos dado cuenta, pero justo estaba pasando por la calle una joven morena, hermosísima, la única brasileña del barrio, con un short minúsculo. La mujer de Tony inmediatamente pensó que nuestra conversación en voz baja era sobre la brasileña. Y le hizo un escándalo; lloraba y se lamentaba:

- Negro, cara de ángel y corazón de diablo, yo te cuido y te preparo la comida, te lavo la ropa, te doy cariño, y ¡vos acá en la puerta, mirándola a la brasileña! - se sonaba los mocos la rubia, y se daba cada vez más cuerda, sin parar para pensar que nada de lo que se imaginaba y decía tenía que ver con la realidad.

- Pero Marta, te juro que hablábamos de otra cosa, ni siquiera la habíamos visto a la brasileña, incluso ni sabía que era brasileña ni nada, te lo juro - .

- Mentira, ¡Negro cara de ángel y corazón de diablo! - . Y más se tentaba de risa el Indio, y trataba de controlarse porque veía que Marta, la mujer de Tony se ponía cada vez más triste, y más furiosa, si es que cabían los dos sentimientos juntos en una misma persona, desesperada de celos. Y con la risita disimulada al principio, más nos contagiaba a Tony y a mí. Y más se ponía nerviosa doña Marta, la celosa esposa paraguaya de Tony, porque creía que los tres hombres nos habíamos confabulado para admirar las curvas de la morena brasileña, que por lo visto tenía revolucionado al suburbio. Y cada vez nos alejábamos más, Tony, el Indio y yo de las preocupaciones reales, de la desaparición del Checu; y de la clandestinidad cerrada del Indio, que esa noche misma ya tenía que conseguir un lugar para poder resguardarse, a la vez que se desesperaba pensando en Sofía, que no había vuelto a casa, y también podía haber sido presa.

En fin, que no hubo forma de convencerla a Marta, que lo veía a Tony, - bajito, oscuro como un indio gaicurú, de donde debía provenir su familia correntina - como el hombre más lindo que la vida le había regalado: cara de ángel, pero corazón de diabo. Marta se encerró en su pieza a llorar desconsoladamente, no sin antes amenazar mortalmente a su marido: - ¡Mirá. Si me llego a enterar que te acostaste con la brasileña, vas a dormir allá afuera, con el perro! - .

Y nosotros tres, muertos de risa todavía, nos fuimos a la casa del hermano de Tony; casa grande y segura, que ni Sofía ni el Checu conocían, claro, y en la que podrían quedarse tranquilamente por un par de semanas tanto el Indio como el Negro Tony. Pero las situaciones cómicas - que son la materia prima del anecdotario cordobés de los tres, que nos habíamos juntado esa tarde triste de compañeros desaparecidos y de incertezas crecientes - no se habían terminado.

Apenas llegamos a lo de Carlitos, el hermano de Tony en González Catán, salimos al patio del fondo a tomar unos mates. Y de pronto vemos asomarse la cabeza del vecino que, sin mediar ningún otro comentario, le apunta el dedo al Indio y le dice: - ¡Vos sos cana!. ¡Sos el policía que trajo Carlos para denunciar lo de el tanque de agua en la medianera! - Y sin más ni menos, empezó a amenazarlo de muerte al Indio que, estupefacto primero, asustado después, y rabioso al final me decía: - No, acá yo no me quedo, loco. ¡Vámonos ahora! - .

Claro, terminé llevándolo al Indio a mi casa, donde pasó tres o cuatro semana peleándose con mi hermana, que había sido su novia durante diez años antes que yo lo conociera y nos metiéramos en la lucha revolucionaria. También ocupó su tiempo en leer "La tía Julia y el Escribidor", y nunca vi a nadie tan feliz como el Indio, riéndose a carcajadas con la escena del crucificado que se caía en plena función teatral y gritaba: - ¡Me caigo carajo! - . Cristo crucificado puteando, imaginate qué plato, decía el Indio y se descosía de tanto reirse. Y llegaba mi hermana y lo miraba con cara de odio y lo mandaba a quedarse callado, y yo no sabía si ella, - que era más celosa que la mujer de Tony - estaba consumiéndose de celos de mí, del Indio, o de nuestra camaradería apenas.

Y pasamos otros seis años, desde el 78 hasta el 84, en que el Indio vino desde París a visitarme en São Paulo, para saber por qué fue que el Indio no había podido quedarse en lo de Carlitos, el hermano de Tony. Supimos que el vecino había construido su casita apoyando el tanque de agua en la medianera, y esto, que no sería fuente de ningún conflicto entre la gente de clase media, sí es una ofensa en los barrios de la periferia bonaerense, donde cada centímetro de terreno equivale a años de trabajo, sudor y sacrificios para comprar una casita, o una casilla de madera. Y el vecino, más celoso de su pequeña y pobre propiedad que la paraguaya rubia del Negro Tony; o que mi hermana con su ex novio, mi amigo y camarada Indio, pensaba que éramos policías que veníamos a denunciarlo. Lejos de nosotros el querer meternos en líos por causa de un tanque de agua y diez centímetros de medianera.

Y por fin, la democracia volvió, pero el Checu y Sofía no volvieron. Y el Negro Tony se separó de la paraguaya rubia y celosa, que no aguantaba el dolor de convivir con un hombre tan "lindo", y tan seductor. Es así como ella lo veía. Y el Indio se casó de nuevo, pero no con mi hermana, que de tan insegura se quedó para vestir santos; mejor sola que mal acompañada, repetía.

Leia mais em "Crônicas de Utopías e Amores, de Demônios e Heróis da Pátria" (JV, 2006)

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Lamarca, 40 años de su muerte.


San Pablo, Brasil, 30 de julio de 1979


Nace un mito

“—Viejo, sabés que quise ser soldado, pero te juro que me cambio de ejército si el nuestro se pasa al lado de los explotadores—, le dice el capitán brasileño Carlos Lamarca a su padre, en 1956, al volver de una misión al Canal de Suez. —Y de este modo simple, en sus charlas familiares y con algunos camaradas de armas, nació el Lamarca rebelde, cuya trayectoria para algunos fue demoníaca, para muchos heroica, y que acabó trágicamente en el interior de Bahía bajo las balas de los militares— me cuenta Carlitos Fressie, que años después tendría un fin parecido, emboscado y muerto por tropas de la dictadura militar argentina.
—Lamarca hablaba poco, no iba jamás al casino de oficiales ni comentaba sus opiniones políticas. Como campeón de tiro, y por ser un militar íntegro, era apreciado por todos sus superiores y subalternos. Era un soldado tan intachable que incluso, unos pocos días antes de su forzada deserción, su superior le mandó que instruyera a las empleadas del banco Bradesco a usar las armas — dice Carlitos Fressie. —Sí, yo vi la revista “Manchete” con las fotos a todo color en las que el capitán les muestra a las graciosas bancarias cómo protegerse de los asaltos organizados por los grupos armados, que eran cada vez más frecuentes por aquéllos días— concluye Victoriano, y los ojitos azules se le achican en una sonrisa, irónicos.

—Pero lo que por fin terminó en la deserción, convirtiéndolo en un mito de la guerrilla, ya tenía su historia previa. Como muchos militares brasileños, desde 1962 Lamarca leía la prensa clandestina del “Partidão”, el PCB, y estudiaba el marximo, seriamente persuadido de su opción por la vía armada. Y tanto lo había madurado que habló con Maria, su mujer, y la envió con los chicos fuera de Brasil para prevenirlos de las revanchas que seguramente ocurrirían— sigue Carlitos Fressie.

—La Navidad de 1968 fue la última que los Lamarca pasarían todos juntos, en familia. Unos días después, María y sus hijos viajaron hacia Cuba. El ex sargento Onofre Pinto, comandante de la VPR, lo había convencido de que existían todas las condiciones políticas y sociales, para empezar a instalar el foco rural, para lo cuál necesitaban organizar de inmediato el robo al arsenal— sigue Juancito. —Pero al salir con las armas del cuartel, Lamarca descubrió con tristeza que el territorio y las condiciones para el foco aún no estaban listas, y que la VPR en realidad estaba siendo destruída de a poco, acribillada por las balas de la represión— Carlitos aparta el mate y la pava, guarda los apuntes y se levanta.

—Hacia esa misma época, Iara también se pasó a la clandestinidad; aprendió a tirar con armas cortas y largas, hizo relevamientos de terreno y levantó datos para varias acciones armadas de propaganda revolucionaria, y también se sofocó en las largas horas de tedio que le representaban el encierro forzado de las reuniones y las esperas de la vida clandestina— agrega Juancito.

—Iara no estaba de acuerdo para nada con la acción de Quitaúna, y pensaba que era una locura mayúscula largarse a la lucha armada sin tener la más mínima infraestructura; ¿en dónde esconderse después de la operación, y cómo guardar un camión lleno de armas, por ejemplo, con las que además, no alcanzaba ni siquiera para empezar el foco? Y tenía razón porque el pequeño arsenal les había significado, como saldo inmediato, la caída de varios locales que antes habían sido bastante seguros; y en tal situación, la VPR incluso fue obligada a entregarle por un tiempo todas las armas y algunos recursos económicos a la ALN de Carlos Marighella— dice Carlitos Fressie.

—Y así, perseguido a muerte por la dictadura y sin poder abrir de inmediato el foco en el campo que se había propuesto, Lamarca tuvo que esconderse, no haciendo otra cosa que ejercitarse y estudiar, una rutina más parecida a la de un preso que a la de un jefe revolucionario. Pero en esta época tan adversa la conoció a Iara— hace cara de picardía, carraspea y se levanta a calentar la pava del mate, mi abuelo Victoriano.

—Poco después de pasarse a la clandestinidad con las armas del cuartel, Lamarca tuvo su primera acción, un temerario asalto simultáneo a dos bancos: el Itaú y el Mercantil. Él tenía que cubrir a los militantes que saldrían con el dinero. El capitán estaba parado en la esquina, tenso, a unos 25 metros, cuando vio que un policía alzaba el arma y le apuntaba a un cumpa; y Lamarca le disparó, certero— dice Victoriano —derribándolo con el impacto. Lamarca corrió hacia el centro de la calle, con la metralleta en alto, paró el tránsito disparando ráfagas al aire hasta que todos pudieron subirse al auto que los sacó del lugar— agrega Juancito. —Llegó al escondrijo deprimido, abrumado por la desgracia de la ejecución impensada, sin alternativa, que además era su primera muerte— se emociona Juancito. —Fue una tragedia, incluso en la revolución siempre hay que tratar de preservar la vida— concuerda Fuenzalida, cierra el “Primera Plana” que trae la nota del “Jornal do Brasil” de Rio de Janeiro, y se levanta.

—Luego del cruento asalto, la prensa le atribuyó todas las acciones de autoría de la guerrilla que ocurrían, y de pronto la foto de Lamarca empezó a tapar las paredes de las comisarías y las oficinas públicas— comenta Victoriano, apoyado en el marco de la ventana que da al Paseo Sobremonte, y se va poniendo el sombrero y la chalina, agarra el bastón y le da la mano a Eufemia para ayudarla a levantarse. —Se decidió entonces que, por seguridad, el capitán debería hacerse una cirugía plástica con alguno de los médicos simpatizantes de la guerrilla”.


Caminhando e cantando, e seguindo a canção/ Somos todos iguais, braços dados ou não

Nas escolas, nas ruas, campos, construções/ Caminhando e cantado, e seguindo a canção...

Vem, vamos embora que esperar não é saber/ Quem sabe faz a hora não espera acontecer...

Pelos campos há fome em grandes plantações/ Pelas ruas marchando, indecisos cordões

Ainda fazem da flor seu mais forte refrão/ E acreditam nas flores, vencendo o canhão...

Vem, vamos embora que esperar não é saber/ Quem sabe faz a hora não espera acontecer...

Pra não dizer que não falei das flores (Geraldo Vandré*)


En el Valle de Ribeira, estado de São Paulo

“—El terror de los primeros tiempos de la dictadura brasileña, distinto de lo que ocurriría doce años después en la Argentina de Videla, se apoyaba en una trabajada arquitectura legal; y es que la llamada doctrina de la seguridad nacional se pulía en los actos institucionales y en cada una de las leyes del gobierno del país tropical. Los militares y sus aliados civiles suprimieron el hábeas corpus e instalaron la tortura y la pena de muerte, y prácticamente decretaron el estado de sitio. Amparada por esta cobertura, la represión se lanzó a la caza de lo que los militares llamaban el enemigo interno— dice Juancito, cierra el ejemplar de “Cristianismo y Revolución” y lo guarda en el bolsillo del saco.

—En 1969, con la financiación dadivosa de los grandes patrones brasileños y de las multinacionales Ford y General Motors, armaron la Oban, Operación Bandeirantes, en la que trabajaban las inteligencias conjuntas de las tres armas y el DOPS, la feroz policía política, coordinando razzias, capturas seguidas de terribles interrogatorios con torturas y ejecuciones de los enemigos del régimen— agrega Fressie.

—Acorralados, los grupos armados se empantanaban en polémicas sin fin sobre táctica y estrategia, y se perdían en el dilema de replegarse para salvar algo de lo mucho que habían perdido, o contraatacar. Los militantes sabían que les esperaba la certeza de la derrota y la muerte, pero no querían dejar la lucha. Por otro lado, cada encuentro de la izquierda generaba una nueva fracción, que se uniría por un tiempo a la escisión de otro grupo hasta que –como en la fisión del átomo– una nueva fractura política o ideológica volviera a expulsar a otras nuevas partes, cada vez más débiles y más desencontradas, cada día menores, más frágiles y vulnerables al castigo feroz del régimen, y más impotentes para cumplir un mínimo de los objetivos revolucionarios que se habían propuesto— gesticula y se exalta Juancito.

—Lamarca, que no participó en el congreso de la nueva VPR, seguía con su meta de crear un foco rural. Nombró a Iara como su representante, salió del encierro clandestino en São Paulo, y se fue al Valle de Ribeira, al sur del estado, a armar un centro de formación de sus cuadros político-militares— completa Carlitos. —A inicios del 70, Iara entró al campo militar de entrenamiento que Lamarca comandaba con mano de hierro: prácticas intensas, lectura de textos y balance de las acciones en largas noches a la intemperie, descansando en un círculo de hamacas paraguayas y comidos por los mosquitos, que los dejaban a todos con fiebre. La comida de arroz y porotos era cocida al alba, cuando el humo del fogón podía mezclarse con la bruma y no delatarlos— agrega Carlitos Fressie.

—Iara, con los pies lesionados por las durezas de la marcha, tropezaba y se caía a cada rato. Lamarca no marchaba a su lado pero la cuidaba desde lejos— comenta Juancito. —Es que, aunque nunca se quejaba y batallaba por estar a la altura de su compañero, Iara sentía el rechazo del grupo, que la culpaba de atrasar las marchas con sus demoras, debilidades y errores, arruinando así todo el trabajo. Después de días de enormes angustias, Iara halló un momento para contarle a Lamarca sobre sus recientes náuseas y mareos, y uno de los guerrilleros, que era estudiante de medicina, le diagnosticó el embarazo— dice Fressie. —Iara salió enseguida del campamento, con lo que su experiencia guerrillera rural había durado menos de dos meses—.

—Por su parte, el alto comando de la Oban que reunía la represión, hacía el análisis preciso de las sucesivas caídas, hasta saber exactamente la ubicación de la base de Ribeira; el ejército mandó entonces una tropa de 1.500 soldados para aniquilar el foco guerrillero— agrega Juancito. —Ante tal cuadro de situación, Lamarca desarmó el campo y dejó tan sólo nueve hombres en el valle—completa Carlos Fressie, que no comenta nada, pero compara los datos del foco brasileño con los de la Compañía del Monte del ERP, creada en el norte argentino cuatro o cinco años más tarde.

—Después de penosos 45 días de marcha, cruzando valles, vadeando ríos y atravesando pantanos, debajo de bombardeos constantes y del asedio de la metralla de los helicópteros, Lamarca y sus hombres lograron por fin romper el cerco. Al enfrentar una patrulla, capturaron un camión militar y lograron tomar incluso algunos prisioneros— dice el Indio.

—Con los uniformes de los soldados, la guerilla pudo burlar todos los controles del ejército que los había cercado— agrega Carlitos Fressie. Otra leyenda era servida en bandeja a la izquierda, reforzándole a Lamarca las tesis del foquismo: —“Un puñado de hombres mal armados y hambrientos, pero firmemente resueltos a darle combate a la dictadura asesina, contragolpea y retrocede, escapándosele entre las garras a un ejército reaccionario, armado para la guerra pero sin moral ni razón”— me duermo, y sueño que le lee Robi Santucho a Henríquez, jefe del MIR chileno, lo que acaba de ver en el informe que le llegó por medio de un emisario desde São Paulo.

—“La guerrilla es completamente viable”, declaró Lamarca en un reportaje clandestino, después de las acciones de Ribeira—cuenta Juancito, sin ocultar su simpatía por Lamarca. —Pero la dura realidad ponía en tela de juicio la tesis. El “milagro económico” de la dictadura, y la embriaguez por el triunfo del seleccionado verde-amarillo en la Copa de 1970 bajaron a cero el impacto de la represión sobre el ciudadano común— lee Fuenzalida en el “O Cruzeiro”. —Las campañas oficiales amenazaban e intimidaban, pero al hombre del pueblo le inyectaban un triunfalismo nacionalista; el slogan “Brasil, conte comigo” y “Brasil, ame-o ou deixe-o”, hallaban eco en la clase media y en grandes sectores populares— analiza Fressie, y el Chacho Rubio está completamente de acuerdo.

—La situación empeoraba y algunos comaradas ensayaron sacarlo a Lamarca del país— cuenta Carlitos —y llevárselo a Cuba. Pero él se negó rotundamente, diciendo que el exilio es el camposanto de la ideología, y que ni se soñaba en el exterior, esperando una amnistía que lo dejara volver— coincide Juan con el brasileño, y se acuerda que mientras estaba preso, poco después del golpe, le contaron que Santucho también planeaba irse a Cuba, pero se quedó unos días para reunirse con su organización y con los Montos, y allí fue que el ejército lo encontró y lo mató. —La caída de un compañero lo obligó a Lamarca a salir con urgencia del lugar en el que se escondía. Desamparado, deambuló sin rumbo durante toda la noche hasta que reconoció, por acaso, la casa en la que se refugiaba Iara. Este hecho mostraba la extrema debilidad del grupo— dice Juancito.

—¿Cómo podía ser que el jefe de la VPR que canjeaba embajadores por combatientes presos, el más buscado de Brasil, pasara la noche en la calle?— le pregunta Carlitos al Pelado Rafa, siempre preocupados con la seguridad de sus cumpas, y acordándose de la larga noche que había pasado Javier, paseándose en ómnibus por media Buenos Aires, de norte a sur, ida y vuelta, sin un lugar seguro dónde dormir, cuando pensaron que los milicos lo habían secuestrado a Israel Vilhas.

—Iara también resolvió permanecer en Brasil con Lamarca, aunque más no fuera para encarar juntos la muerte. En marzo de 1971 los dos se retiraron de la VPR y se incorporaron al MR-8. Querían volver al campo, a tratar de rehacer el foco rural— le brillan los ojos de emoción, se exalta y levanta la voz, Juancito. —En junio, Lamarca se instaló en Buriti Cristalino, un lugar perdido del sertão bahiano, y Iara viajó hacia Salvador.”

El cerco final y las muertes simultáneas del héroe, el amante, y del demonio.

“—Solange Lourenço Gomes casi los mata del susto a los pocos y pacatos agentes de policía, cuando irrumpió de golpe en una comisaría de Salvador, Bahia, a los gritos de “¡soy una subversiva!”— cuenta Fuenzalida. —Lloraba, temblando de miedo, con los nervios destrozados y la mirada perdida. Balbuceaba e insistía en autoincriminarse y los policías, más que perplejos, la interrogaron hasta ver con euforia que la mujer no les mentía. Solange formaba parte de la conducción del MR-8 de Salvador y habló hasta por los codos— dice Fressie. —En pocas horas la represión tuvo un organigrama completo y preciso de la fuerza guerrillera en Bahia. Ella también delató al marido y presenció su interrogatorio y los crueles tormentos a que lo sometieron durante horas seguidas— completa Carlitos.

—Ese mismo agosto, los militantes Zé Carlos y César Benjamin del MR-8, se encontraron en un local del centro de Salvador. Zé iba y venía desde la zona rural de Buriti Cristalino, con las cartas de Lamarca. Por su parte, César era responsable de ubicar a Iara en un lugar seguro y de entregarle el correo— dice Fuenzalida. —Emboscados en medio de la calle, Zé Carlos fue preso; César logró escaparse y romper el cerco pero huyó largando en el auto algo que resultó valiosísimo para la Operación Bandeirantes: las cartas de Lamarca, redactadas en la forma de un detallado diario personal— cierra la “Primera Plana” y se levanta, pensativo, Carlitos Fressie.

—Iara, aterrada con la noticia, se fue a vivir con un matrimonio de militantes. Pero la casa ya estaba siendo vigilada porque, aunque los servicios de inteligencia todavía ignoraban su presencia en la ciudad, los nombres de la pareja habían sido delatados entre muchos otros por Solange— agrega Juancito.

—En la madrugada del 20 de agosto, el tableteo luctuoso y ensordecedor de la metralla y el olor acre de las bombas lacrimógenas despertaron a los asustados habitantes de Pituba, uno de los barrios ricos de Salvador. El coronel Carvalho dirigía el operativo de cerco y asalto a la vivienda. “¡Uds, los del 201, entréguense!” gritó, con el megáfono en una mano y el fusil FAL en la otra— se pone los anteojos de ver de cerca, tose, abre la revista “Panorama” y lee, Victoriano.

—Los policías detuvieron a dos militantes que vivían con Iara y entraron al departamentito, que ya estaba vacío. Es que, llegando hasta los fondos, Iara había logrado saltar, arrastrándose hasta alcanzar una casa vecina. Acurrucada en la pieza de servicio, con un revólver 38 sobre las piernas, Iara esperaba su destino fatal— cuenta mi abuelo. —Después de armada la ratonera en el 201, la policía dejó salir a los vecinos. Y fue entonces cuando a un chico se le ocurrió pedirles permiso a los milicos para subir a traer unos cuadernos que se había olvidado. Cuando entró a su dormitorio vio a una joven que le rogaba desesperada que hiciera silencio— dice mi abuelo.

—Asustado, el muchachito retrocedió, y cerró la puerta con llave por el lado de afuera. Lo último que escuchó al salir fue el inútil forcejeo de la mujer tratando de abrir la puerta que acababa de convertirse en su tumba— deja la revista “O Cruzeiro”, dobla la “Primera Plana”, la guarda en el bolsillo del gamulán y se prepara para salir, cansado, deprimido y abrumado por los malos presentimientos, Carlitos Fressie.

—Lo que pasó después, aún hoy es bastante dudoso. El parte oficial dice que Iara, acorralada, se pegó un tiro en el pecho, y que la cargaron con vida en el camión de un vecino de Pituba. Pero lo que sí es confirmado es que murió camino al hospital— dice mi abuelo.

—Mientras, con el valioso diario del capitán en manos, y las indagaciones detalladas que iban arrancándole a Zé Carlos, los militares fueron mapeando la zona y cerrándole el cerco a los pocos y miserables remanentes de la guerrilla de Lamarca. Destrozado por la tortura, Zé Carlos los oyó disponer el operativo; querían cazarlo al capitán antes del 25 de agosto, que en Brasil es el Día del Soldado, y poder exhibir su cadaver en el Regimiento de Quitaúna, el mismo del asalto— me mira muy serio, prende un fósforo para encender el chala y completa, Victoriano.

—En la madrugada del día 28, unos cuarenta hombres con metralletas y otras armas largas convirtieron el pueblito de Buriti Cristalino en un infierno de sangre, fuego y horror: torturaron a los campesinos, les dispararon a sus pobres y flacos animales, y destruyeron sus viviendas— se indigna y se exalta Juancito.

—Impávido, Olderico Barreto oyó la orden que le daban los milicos de salir del caserío. Disparó tres tiros inútiles con su arma corta, de tal modo que los estampidos pudieran advertirlos a su hermano Zequinha y a Lamarca, que estaban en el campamento. Y así fue que el jefe guerrillero logró escaparse y huir caminando durante una noche entera, guiado por el baqueano Zequinha— completa Fressie, que volvió al sanatorio con un paquete de media lunas y chipacas.

—Diez días de penosas marchas y llegaron a la casa del primo de Zequinha que, ardiloso, se propuso esconderlos, y en seguida salió corriendo a delatarlos y a ganarse la recompensa ofrecida al que entregara a los peligrosos guerrilleros. Una chica, que oyó la denuncia, les dio el aviso de alarma a Lamarca y a su compañero, que otra vez caminaron días y noches hasta desembocar en la aridez de la caatinga— cuenta Carlitos Fressie, y agrega que en el desierto abierto y sol a plomo, de suelo espinoso y raso, Lamarca ya estaba agotado por completo, y que no podía sostenerse más en pie.

—Unos caipiras los vieron avanzar, casi arrastrándose, como dos fantasmas; cuentan que Zequinha cargaba sobre la espalda al derrotado jefe, flaco y barbudo; Lamarca le ordenaba que lo dejara y tratara de salvarse, pero Zeca se negaba, contestando que el buen amigo en la vida, también lo es en la muerte— dice, emocionado, levantando la voz y llenándoseles los ojos de compasión, Juan.

—El 17 de setiembre Lamarca y Zeca lograron llegar a un pueblito sin nombre en el mapa del sertão; y alguien sospechó de inmediato de los dos hombres exhaustos, tirados debajo un árbol— dice Victoriano.

Siento que me sube la fiebre y sueño otra vez. Sueño o deliro en portugués: —Lamarca soube da morte da Iara dias depois. Parece que perdeu toda a vontade de seguir na luta. Ya había caminado en una fuga penosa de casi 300 kilómetros por el sertão bahiano, al lado del compañero José Barreto, “Zequinha”. El 17 de septiembre lo halló una patrulla capitaneada por el mayor Nilton Cerqueira—  lee Gabriel.

—Y en un minuto se puso en marcha la consabida cadena de chismes y denuncias en la que cada vecino va agregando lo suyo, buscando su pedazo de fama instantánea, y de protagonismo en la delación fatal y la entrega del milico que se había vuelto guerrillero, del demonio que ya estaba volviéndose un héroe legendario— agrega en voz baja y triste, se va a calentar la pava, y se seca la humedad de los ojos, Juan.
—“¡Capitán, ya están acá!” gritó Zequinha sin rabia ni miedo, cuando vio la patrulla. Lamarca quiso levantarse y agarrar el 38 largo. Pero la metralla lo abatió sin piedad. Tres tiros en el pecho lo remataron, y un último, a quemarropa, en el corazón. Zequinha corrió, los insultó, se defendió sin armas, tirándoles piedras, puteándolos a los milicos y a sus putas madres, y por fin murió acribillado, gritando un debil y sentido: “¡Abajo la dictadura, carajo!”— dice por fin Juancito, en voz alta, y ya casi en lágrimas.

La fiebre no baja, y entre sueños escucho más voces en portugués; es mi mujer otra vez, contándole a los chicos: —O capitão da guerrilha estava triste e doente. Foi achado dormindo debaixo de uma árvore. Zequinha quiso reaccionar y murió en la tentativa. Lamarca quedó en el piso— dice. —El mayor y Lamarca tuveron un diálogo rápido. Cerqueira le preguntó el nombre: “Capitão Carlos Lamarca!”, se identificó. Enseguida le preguntó dónde estaban su mujer e hijos: “En Cuba”, contestó. Y la última pregunta: “Você sabe que é um traidor da pátria e do exército brasileiro?”— cuenta Hernando. Y agrega: —Lamarca no respondió, según Cerqueira. Pero de acuerdo con un militar que vio de cerca lo ocurrido, Lamarca levantó los hombros, en un gesto de decir “¿qué me importa?”, y se alzó dándole la espalda a la patrulla. Morreu fuzilado no chão, aos 33 anos pelas balas atiradas pelo major Cerqueira— escucho que lee mi hijo Gabriel, siempre hablando en portugués.
—Llevaron sus cadáveres hasta el pueblo de Brotas de Macaúbas, arrastrándolos por las calles miserables durante horas; y por fin los expusieron de modo macabro, en el medio de una canchita de fútbol. La chusma soldadesca se divertía pateándolos, linchándolos después de muertos, y a cada tanto se detenían, borrachos, para disparar al aire y volver con más rabia y más ganas al juego siniestro— termina Carlitos y se levanta para irse, sin poder esconder su malestar por lo premonitorio del texto”.

Leia mais em: "Crônicas de Utopias e de Amores, de Demônios e Heróis da Pátria) JV. 2006.

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

O Terceiro Trilho

A imagem pode conter: 1 pessoa, sapatos e atividades ao ar livre



O terceiro trilho

Por Dardo Castro

Juan deixou o serviço na cabeceira da linha e pegou o trem de volta para casa, apenas um quarto em um cortiço miserável no bairro de Parque Patricios. Quando saiu da estação, chovia como se fosse nos trópicos.

Santiago o estava esperando, tomando chimarrão e lendo. Apenas o cumprimentou com um gesto. Cada um deles zombava das preocupações do outro, quando voltavam com algum atraso. Mas era certo, se um deles não voltava, o outro tinha que voar.

Antes de vir para Buenos Aires tinham se encontrado de vez em quando na cidade de Rosário, onde Santiago trabalhou por um tempo. A estrada de ferro tinha uma casa na qual pernoitavam os motoristas dos trens de longa distância. Juan dormia lá quando parava para descansar em Rosario. Em seguida, eles foram  tocar violão, cozinhar e falar de mulheres que tinham amado, as que não tinham sido capazes de amar e as que gostariam de amar algum dia.

Os motoristas que estavam de passagem por Rosario frequentavan os "peringundines", as casas de diversões proibidas de uma cidade que já era famosa pelos seus bordéis e cabarés desde o início do século XX.

Você tem que ir ver a "Rita do fogo", uma bailarina lendária que é a alegria da classe trabalhadora. Canta como um corvo e dança como um urso, mas os peões têm outras sensibilidades.

Compreendido.

Juan tinha uma voz de baixo, um pouco tremida, e imitava vagamente o Edmundo Rivero. Na verdade, uma das suas canções favoritas era Jacinto Chiclana, uma milonga de Rivero sobriamente redigida capturando o drama de um poema de Borges e a densa melodia de Piazzolla. Santiago tinha perdido esse disco em uma das suas muitas mudanças.

Você sabe o que Borges disse a Rivero a primeira vez que a ouviu?:

- Você já me contou isso uma centena de vezes! - .

Rivero começou cantando "A Don Nicanor Paredes", com o Borges sentado na primeira fila com sua bengala de cego. Quando a apresentação terminou, Borges perguntou a Edmundo Rivero como é que ele se atrevia a cantar suas milongas.

- Porque eu vivi isso, Dom Jorge, a mim ninguém veio me contar - disse Rivero.

- Você está certo, a mim sim, a mim me contaram - disse-lhe Borges.

É como se o estivesse ouvindo, o velho era arrogante e autoritário, mas essa consciência implacável de si mesmo desconcertava e, finalmente, Borges parecia até modesto.

Algum tempo depois, Santiago se reencontrara novamente em Buenos Aires com Juan, onde ele estava fazendo o curso de motorista e deixou as longas e sacrificadas viagens em todo o país. Mas no final, e no fundo, os trens elétricos suburbanos pareciam de brinquedo em comparação com a carga puxada pelas locomotivas movidas a diesel de grande porte.

- Como é que você vai compará-los com as Toshibinhas de 12 cilindros da Alco V, essas heróicas máquinas canadenses que viajavam centenas de milhares de quilômetros sem uma falha! - disse o Juan.

- Você está sendo nostálgico, agora você vai dizer que o vapor era melhor - retrucou Santiago.

- Não, não as máquinas, mas os maquinistas... os companheiros do meu velho pai levavam as máquinas de vapor através dos Andes para o Chile e a Bolívia, enfrentando os ventos da cordilheira gelada e a vastidão das estepes da Patagônia.

- Merda, agora você ficou épico - disse Santiago.

- É que o que escrevi, Negro. É que quando eu escrevo, sempre puxo para esse lado - .

- Muito bom, aluno Juancito, retire-se e volte amanhã com seu pai ou responsável. Para aí, meu! Essas locomotivas queimaram metade das florestas atrás do "quebracho" para alimentar as caldeiras, além das que costumavam usar para fazer dormentes e, já que estamos no assunto, o que os machados dos ingleses derrubaram para extrair o tanino.
A pátria desmatada.

Após o curso e de se reincorporar ao serviço, Juan passou três meses sem receber seu salário. Um dia lhe pagaram tudo de uma vez e voltou com três cuecas novas, um quilo de carne para milanesas, um romance de Chandler, uma história em quadrinhos do Corto Maltese e um livro de poemas de Gelman.

- Você é um baita investidor, mas um tanto quanto repetitivo. O Chandler e o Hugo Prat você já leu - falou Santiago.

- Pois é; mas a polícia deve tê-los em alguma delegacia - esclareceu Juan.

Tinha uma cama de solteiro e dois colchões. À noite, eles colocavam um no chão, onde dormia Santiago, que disse que para ele era mais difícil se sentir confortável na cama. Naquela noite, a chuva era tão intensa que o teto vazou em vários lugares e o chão começou a inundar. Eles tiveram que desligar a luz, porque escorria um fio d'água que atravessava a lâmpada do teto. Sentados de lado na cama, riam-se amargamente de seu destino.

- O que mais vai acontecer? - .

- Nada, vai passar! - .

- A chuva ou a ditadura?

- As duas coisas. Tudo passa. Um dia, os milicos vão embora, os presos vão sair, vão voltar novamente os camaradas que estão fora, e você poderá retornar para o seu povoadinho, ver os seus velhos e tomar um porre com seus amigos- .

- Muito provavelmente, o mais certo é...quem sabe! - .

E assim, do nada, sem aviso prévio, Juan caiu com a notícia - Sofia chegou hoje, amanhã vamos nos encontrar. Você quer vê-la? - .

- Não. Melhor não, ela não deve me ver. É um risco para mim e para ela - falou Santiago.

Gringa teimosa. Um mês atrás, Juan havia dito que ela queria vir. - Para quê quer vir? Ela é louca, diga-lhe para ficar onde está, mesmo que seja do Médicos Sem Fronteira, os milicos vão arrebentá-la se for pega - .

Sofía era a neta de um inglês que veio quando os britânicos fizeram a estrada de ferro da Argentina. - Um bastardo cockney. A família falava que o inglês tinha a missão de dedurar e trair ativistas. Um dia, minha mãe teve um ataque de nostalgia de cozido, um dos pratos favoritos do meu avô, e preparou a carne com batatas, cozidos em um saco de linho. Eca! Uma porcaria insípida - lembra Santiago que lhe contava Sofía.

- Seu avô veio para a Argentina quando trouxeram a estrutura da Estação Retiro, não é? - perguntava Santiago.

- Não. Os britânicos a fizeram para Nova Delhi, mas o navio que a trazia desmontada passou antes por Buenos Aires. Os ingleses, que não perdem nenhum negócio, acabaram vendendo a estação ao governo argentino, e por aqui mesmo ficou. Meu avô veio muito mais tarde. Eu não sou tão velha assim, hein? - .

- Eu gosto da estação. Eu sempre olho para cima quando chego à plataforma, um verdadeiro monumento ao capitalismo industrial. E você se envolveu com esse ferroviário subversivo do Juan só para resgatar a honra da família? - provoca Santiago e Sofía faz careta de menina que ficou de mal.

Eu acho que eu não sei, pensa Santiago.

Na manhã seguinte, as crianças estão brincando no corredor molhado do cortiço. A maioria eram filhos de bolivianos, peruanos e paraguaios. Desde a primeira vez que dirigiu um comboio para La Quiaca, o Juan se sensibilizava com os olhos das crianças Kolla.

- Igual que tibetaninhos. Andinos e tibetanos capaz de vir da mesma "guasca", quer dizer, são "farinha do mesmo saco". O que você me diz? - pergunta o Juan.

Tudo e nada; pode ser também.

Juan tinha que entrar no serviço, e Santiago foi para um encontro com o pai de um companheiro preso que estava esperando em uma plataforma do metrô. Estava com um grandalhão de aspecto desalinhado, que era um repórter austríaco carregado de medo e de suspeitas. Juntos, embarcaram no metrô e se engajaram em uma conversa fragmentada porque Santiago estava mudando constantemente de trem para evitar serem seguidos. O jornalista queria informações sobre a resistência dos sindicatos à ditadura, mas Santiago só lhe deu informações tão vagas e genéricas que o gringo ficou claramente decepcionado. Por fim, decidiu dar-lhe uma cópia do jornal do grêmio, "O Terceiro Trilho", cujo nome aludia precisamente ao terceiro trilho ferroviário, o que transporta a eletricidade. O austríaco guardou-o rapidamente e se despediu deixando-lhe um cartão com seu nome e o de um jornal que a Santiago lhe pareceu ininteligível.

Sofía chegou ao bar ainda mais bonita de como Juan se lembrava na despedida, dois anos antes, quando ela foi embora para a Espanha. Quando ela entrou no bar, por fim o abandonou a estranha sensação de irrealidade que o tinha invadido nos dias anteriores à chegada de Sofía, mas não consegiu transferir ao seu abraço a intensidade que lhe queimava no peito.

- Então você vai ficar. Não vai servir de nada. O que pode fazer você e um pouco mais de gente? - argumentou Santiago.

Sofia estava ao lado dele no quarto do hotel. Ele estava prestes a dizer a ela que o sindicato dos maquinistas se chamava "La Fraternidad", um nome de origem anarquista, e que a rotina não tinha tomado o seu significado. De alguma forma essa tradição reforçou a sua determinação. Alguns, uns poucos - e Sofia estava certa sobre isso - determinados a defender o que restava. Mas pensou que falar isso soaria grandiloquente
demais.

Sofía se perguntou se ele tinha vindo apenas para convencê-la a ir embora. De alguma forma ele sabia que alguém estava esperando por ela na Espanha, o que depois o conmoveu ainda mais, pela sua generosidade. Talvez fosse essa generosidade, a principal razão pela que ele tanto a amava.

- E o que você me conta sobre Santiago? - disse ela.

- Eu não vejo há algum tempo, mas eu sei que está tudo bem - desconversou Juan.

Sofía ignorou a mentira e tirou um pacote de sua bolsa. - Continua cozinhando, eu acho. Eu lhe trouxe açafrão. Diga-lhe que enviei um grande beijo, diga que eu espero, que espero pelos dois.

Ele tomou o trem na estação de Retiro e desceu em Victoria. Caminhou até o local do comitê interno de delegados, onde o esperavam os seus companheiros. Mas mal conseguia libertar-se da memória imediata de Sofia e se concentrar na discussão.

As sabotagens tinham se tornado cada vez mais perigosas e a intervenção militar do grêmio fazia cada vez mais difícil e perigosa a prática, extremando os controles para preveni-los. Mas não conseguiam. Os anéis de metal que os motoristas colocavam nos trilhos deixavam loucas as cancelas automáticas e o tráfego dos trens ficavam numa confusão infernal.

Agora os milicos forçavam os motoristas para explicar os atrasos por escrito, mas como tinham por norma respeitar rigorosamente os regulamentos, a circulação dos trens suburbanos era interrompida a qualquer sinal de insegurança. Como a redação dos relatórios demoravam horas, então Juan já tinha deixado escrito um modelo que usava para tudo, mudando apenas as circunstâncias.

Os militares ficavam desesperados tentando entender o funcionamento interno, sempre querendo impor uma ordem burocrática, ainda mais paralisante do que as regras da empresa.

Juan analisou longamente o rosto dos seus companheiros, um por um, como se estivesse dizendo adeus. Ele pensou nos caídos, presos e mortos; imaginou um rosto para representar todos eles. E era sempre o cabeção Suffi, arrancado à força do trem em Salta, a 1500 km de Buenos Aires. Tinha ouvido dizer que quando os militares iam procurá-los nos seus empregos, muitos trabalhadores das fábricas se agarravam à máquina como numa reafirmação última da sua condição de trabalhadores.

O Cabeção devia pensar que a sua máquina iria protegê-lo, e até parecia que se gabava de ser o seu proprietário. E assim, os dias iam passando, entre esforços, até então sem sucesso, de que a direção lhes desse dois dias de folga depois de acontecer algum acidente.

Com esses caras do exército agora há mais suicídios e não se pode continuar trabalhando depois de um cristão se jogar na frente da sua máquina. Quando vejo alguém na beira da estrada de ferro, você nunca sabe se ele vai atirar na sua frente.

E de repente, a discussão da tão adiada greve foi retomada por alguns motoristas que queriam estragar o campeonato Copa do Mundo da ditadura.

- Se pararmos, todos vão saber o que está acontecendo na Argentina -.

- Parar agora é uma loucura, vão acabar com a gente. Os outros sindicatos, a União Ferroviária e os sinaleiros, não vão ficar conosco porque não são tão organizados como nós e são muito mais vulneráveis ​​à repressão -.

- Se paramos, outros companheiros vão somar-se e participar da resistência organizada. Além disso, a ditadura já começou a enfraquecer, dizem os colegas que estão fora do país -.

Sofía está lá fora. Como será que é uma vida tão longe deste país ocupado? Caminhar tranquilamente pelas ruas com ela, ter uma casa e um quintal com plantas para por água nas manhãs de domingo.

Mas, certamente, Sofia já não deve estar com ele, por mais que o amava não podia voltar. Ou podia?

O debate não conseguiu ser fechado essa noite e eles se despediram na estação.

No dia seguinte, Juan foi para o serviço bem cedo. Mal pisou na plataforma, ele soube que estava perdido, mas foi surpreendido pela discrição com que vários homens o cercaram.

- Sofia, não sofra por mim, esqueça de mim, é assim que tinham que acontecer as coisas, uma hora tinha que chegar -.

Era quase noite quando tomou o trem de Paris a Madrid. No longo percurso mal conseguiu dormir. Ele vivia o exílio como algo temporário, e voltar para a Europa agora lhe permitia uma calma suave, demorada, quase hedonista.

- Eu te ofereço minhas vigílias nos trens sem sono que atravessam as noites boreais entre cidades invisíveis -.

- Eu ofereço a você a vasta solidão da minha derrota, a alegria frágil com a que vivo esta experiência, e sobretudo, a memória dos companheiros que amei até a morte -.

Santiago desceu em Madrid pensando numa mulher que já não coincidiria com as nítidas lembrancas que guardava na memória. Mas Sofía era a mesma: grandes olhos cinzentos olhando para ele, buscando-o; o mesmo desafio inocente dos seus quadris. Como se ainda estivesse andando pelo refeitório universitário, tirando o detalhe de que já haviam passado quase duas décadas de tudo isso.

Todas as prevenções acabaram de uma vez com o o primeiro, interminável abraço.

Sofía tinha tido dois filhos, Santiago de um ano, e Juan, de quatro. Ainda não entendo como é que ele pode se salvar. Alguém conseguiu ver que os paramilitares o estavam sequestrando. O comitê executivo da Fraternidad agiu rapidamente, e no dia seguinte havia telegramas de dezenas de sindicatos ferroviários ao redor do mundo, e das federações dos trabalhadores dos transportes exigindo sua liberdade. Além disso, os militares temiam uma greve de trens no meio da Copa do Mundo. Os milicos enviaram vários suboficiais da Escola Técnica General Lemos para que os motoristas das locomotivas os ensinassem a dirigir, mas eles subiam por uma porta e os outros se mandavam pela outra. No final desistiram.

- Como ele está agora? - perguntou Sofía.

- Demitiu-se quando privatizaram a estrada de ferro. Ele está feliz em sua cidade, trabalhando no município, encarregado de um trabalho comunitário que não conheço muito bem. Mas você já sabia disso, se você já viu uma vez o Juan, não viu? - disse Santiago.

- Sim. Uma vez, quando eu levei o Santiaguito para conhecer seu pai. Desde então, Santi vai todo ano para vê-lo, mas ele nunca veio -.

- E...me diga: por que você colocou o nome Santiago no teu filho? Você pensou que não me veria novamente? - disse Santiago, meio acabrunhado, talvez tristão.

- Não. Não é homenagem, não. Apesar do medo insuportável de todos esses anos, eu sempre senti, Deus sabe por que, que com vocês não era para acontecer - nada de mal.

Mas Santiago pensava que sim, que tinha sido uma homenagem. Ele se sentiu desconfortável e mudou de assunto.

- Quando por fim ele foi solto, Juan não podia acreditar no barulho que os trabalhadores das ferrovias de lugares tão distantes tinham feito para amolecer a ditadura - disse Santiago, só pra mudar de tema.

- Olha só, debaixo de todas essas siglas do mundo inteiro, há maquinistas como nós!; como será que são as paisagens? E suas máquinas? Certamente, mais modernas e rápidas que as nossas - .

- Juan gostou do nome da empresa ferroviária francesa, "Chemins de Fer". Nós não sabíamos como elas soam aos franceses, mas achei muito poético. Imagine, caminhos de ferro, legal!

Mas se o caminho de ferro, ou ferrovia, a palavra é quase o mesmo, só que quando os ingleses a trouxeram, a tradução foi feita no sentido inverso da ferrovia. Teria que ser "via de ferro", certo? - disse Santiago. E afastou o olhar de Sofía, e do seu passado.

Autor: Dardo Castro. Buenos Aires, 15/6/2006
Versão brasileira: JV, 2011.

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Creio que eu também a vendi algumas vezes

São Paulo, 11 de outubro de 2005

Creio que eu também a vendi algumas vezes

Você sabe muito bem, Sr. Villanueva, sem dúvida alguma, e não tente me enganar; você sabe que venderia sua alma ao diabo para voltar a ter 28 anos de novo. Mas quando chega a hora da verdade, o momento tão esperado, você se lembra que talvez já a tenha negociado antes, em alguma outra ocasião; e é por isso que agora, mesmo ainda querendo vendê-la ao homenzinho que apareceu do nada em sua casa com uma estranha garrafa, já não pode mais. E desesperado, você, Villanueva, revira os armários, abre todas as gavetas do armário e vira de ponta-cabeça inclusive a biblioteca, para ver se, por acaso, encontra alguma coisa com a qual possa voltar a ter 28 de novo.


Pensa que já não tem nada a oferecer-lhe e se pergunta que outra coisa pode querer aquele homenzinho cinza, o mesmo que já tinha lhe comprado a alma na outra ocasião. Por isso procura desesperadamente em todos os lugares, e repete para si mesmo que quer encontrar algo, alguma coisa de valor, o que seja, o que for, enquanto continua fuçando nos armários, revirando as gavetas, e dando voltas e mais voltas na pilha de livros antigos da biblioteca; mas continua sem encontrar nada de algum valor que se possa vender. O que seja! Qualquer coisa, o que seja, o que seja, para voltar a ter 28 anos!


E se encontra com um caderninho velho, um Laprida de capa dura, de cor creme, ou verde claro; e dentro do caderno, colada com goma arábica, a poesia ingênua que lhe escreveu a sua primeira namorada; aparece também o anel de formando, de puro ouro 18 quilates que lhe presenteou a sua mãe; uma radiografia de quando lhe operaram o nariz, que quebrou com treze anos, jogando futebol em Córdoba; a pilha de discos que Diego gravou para você (o Julito, lembra?) antes de ir para o exílio na Itália; e vai colocando tudo no monte de coisas que poderia vender em troca de voltar a ter 28 anos de novo. 
E coloca tudo nesse montinho porque, mesmo que tenham importado naquela época, agora já não interessam tanto. Algumas dessas coisas, com exceção do anel, já não passam de bugigangas. Só importa agora voltar a ter 28 anos. Qualquer coisa de valor, o que seja, qualquer coisa, o que seja, o que for!
E Javier se pergunta a quem podem interessar essas coisas, que nem a ele mesmo já lhe interessa muito; e por isso continua bisbilhotando nos armários, dentro das gavetas, até debaixo da cama, nas escrivaninhas da mulher e das crianças, e continua juntando tudo no montão das coisas que pode vender, para voltar a ter 28 anos. E lê no Laprida:


“Pouco tempo depois do enterro do meu velho, cruzei na rua, por coincidência, com o Dr. Cordero, que tinha sido seu médico de cabeceira. Tomamos um café na confeitaria La Paz, e o velho médico acabou me contando que em 1976, ou talvez um ano antes, ele tinha dito ao meu pai que tinha um rim muito afetado e que também devia começar a se cuidar de verdade da diabete. A resposta do meu velho tinha sido que entre passar oito ou dez anos sem açúcar, ou sobreviver a um ou dois, levando a vida que ele realmente gostava, ele preferia a segunda opção. Ou seja, que morreria como havia vivido, tal e qual, com as botas postas.

Conhecendo o meu pai bastante bem, o médico não se surpreendeu com que ele tenha me ocultado aquele momento de sua vida e as recomendações que tinha feito ao velho. A pesar do rim afetado, a diabete e os pulmões que começavam também a ficar ruins, meu pai mostrava um enganoso ótimo aspecto, e uma figura trapaceiramente saudável, e durou ainda mais algumas décadas.

Arrumando os livros e a correspondência na oficina do velho, alguns meses depois de sua morte, e tendo que decidir o que ia guardar ou jogar fora, dei de cara com nove cadernos Laprida, escondidos na estante mais alta da biblioteca. Eu sabia que entre 1967 e 1969 o meu pai tinha tentado escrever uns contos, dentro de uma obra maior – mais atrevida, pode-se dizer - uma novela  ou romance curtode ficção; ou melhor dito, uma proto-novela. Os cadernos eram os mesmos que eu tinha visto naquela época.

Ainda me lembro bem da noite em que meu velho me disse que estava começando a escrever um livro; e também de outra tarde em que veio me pedir alguns conselhos literários, e ao passar, lhe comentei sobre os cadernos; me disse que já estava tentando avançar em uma segunda obra. 
Uns meses depois dessa breve conversa, ao passar pelo velho café da esquina da estação de trens de Ramos Mejía o vi em uma mesinha, escrevendo; meu velho estava encurvado, com o olhar perdido e ao mesmo tempo concentrado em seu manuscrito, enquanto o galego Leiva, o brigão, o observava e lhe dava uns tapinhas nas costas com a cumplicidade de um velho camarada de lutas.

Meu pai tinha conseguido realizar algumas poucas façanhas, pouco reconhecida também, talvez por serem coletivas, feitos de toda uma geração, em sua longa vida; como todos, teve sonhos e diversos pesadelos; sobreviveu aos violentos anos 70 e à perda de suas ilusões; teve uma memória, venceu o esquecimento, se juntou aos heróis e canalhas de seu século e do anterior, o dos pró-homens da América; derrotou a morte pelo menos duas vezes, uma, ao sair da pátria e encontrar uma longa trégua; a segunda, outros tantos anos depois, ao vencer o coma e sair do estado de latência pelo qual passou durante quase um ano em Córdoba. 
Só não conseguiu realizar um sonho: escrever sua segunda novela ou romance curto; na verdade a primeira não havia interessado a nenhum editor e os leitores críticos que a analisaram não conseguiram convencê-lo de que não havia nenhuma qualidade literária na arquitetura da obra, e que os textos eram tremendamente confusos. 
Os nove cadernos Laprida continham as memórias de uma longa saga familiar, relatadas por dois avôs meio sábios e fantasmagóricos e multidões de heróis e caudilhos gloriosos e contraditórios que nunca conseguiram levantar em pé a pátria grande que sonharam. Nove Lapridas cheios de pesadelos, sonhos e frustrações".

Dizem os vizinhos da estação de Ramos Mejía que o Diabo, depois de tanta enrolação do Javier, tanto blablá desconexo, por fim não levou nada e, furibundo, se lançou pra dentro de uma fenda e desapareceu entre as rochas que suportam os túneis por debaixo da linha do trem. Pode ser tudo mentira do Negro Unzaga que me contou a historia, mas é bem provável que isto tenha acontecido.

Leia mais em: "Crónicas de Utopías y Amores, de Demonios y Héroes de la Patria" (JV, 2006)

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Caupolicán, Lautaro, e os Treze da Fama



Caupolicán, Lautaro, e os Treze da Fama

- “Não vou tomar banho todos os dias, como os selvagens... não sou índio para me meter na água dos rios e do mar, não!! - delirava Juan Gómez enquanto, por ironias da vida, jazia com seu corpo submerso, até a metade do peito, nas águas geladas e pantanosas de uma triste lagoa ao sul de Bío-Bío.

Caía a noite e as feridas nas pernas e os braços doíam, mas nem a febre, nem a dor atroz provocada pelas flechadas e as lanças, nem o frio da água quase congelada, nem o medo de deslizar até o fundo do pântano que antes já havia engolido alguns de seus camaradas; eram tão fortes como o terror que lhe inspirava estar sozinho e desarmado a mercê dos mapuches que Lautaro – quem, do ponto de vista dos conquistadores, era o traidor a Valdivia  - havia organizado em disciplinados pelotões e batalhões de homens encouraçados em grossas armaduras e capacetes de couro, todos montados em cima de muito bem adestrados cavalos.

E o terror de Juan se transformava em pânico ao notar que, a menos de cem passos da lagoa, e à medida que as sombras se tornavam da maior negrura possível, mais claramente se escutavam os passos lentos, cautelosamente medidos, da tropa de Lautaro, à procura dos soldados espanhóis sobreviventes do massacre do forte.

A armadura, uma couraça de ferro quase crua, forjada pela mão e o fogo do frade que anos mais tarde seria bispo de Santiago, lhe raspava a pele e a deixava em carne viva, pela fricção constante durante as longas horas de batalha; acontece que a pobreza extrema da conquista do Chile lhes tinha tirado até as íntimas prendas de algodão ou de lã, costuradas e remendadas dezenas de vezes. E o que dizer das feridas em carne viva, expostas agora à densidade barrenta das águas do pântano.

Três longos passos, muito lentos; e depois um quarto passo, a menos de vinte metros, segundo podia calcular. Com a certeza de que o guerreiro que se aproximava ainda não o tinha visto, e sentindo-se protegido pelas sombras da noite sem lua e sem estrelas, Juan esticou o braço que lhe sobrava fora do lodo e arrancou com cuidado um canudo comprido, uma taquara oca, que colocou na boca antes de esconder a cabeça atrás de uns matos ralos, e até os olhos, dentro do barro.

Quase vinte horas antes, ainda no forte Puren, o comandante Alonso Corona tinha compreendido que o alçamento mapuche era de forte gravidade, e tinha pedido mais reforços a Santiago. Nesses dias tensos que procederam à tragédia, tinha chegado a Puren, viajando desde Concepción e com o peregrino propósito de procurar ouro, Don Juan Gómez de Almagro, e Corona tinha lhe oferecido, sem mais nem menos, o controle do forte.

Alguns dias depois da chegada de Juan, se apresentou um índio; na verdade, a pesar de parecer mais um “yanacona” que um mapuche, era um nativo chileno, e, além disso, era um dos tantos espiões de Lautaro, como ele mesmo tinha sido na casa do próprio Valdivia; o mapuche, que depois de observar em detalhe as defesas do forte, foi descoberto e capturado, maliciosamente informou aos espanhóis, que acharam ter arrancado a informação como confissão na tortura, que o forte de Puren seria atacado.

É claro que o dado era verdadeiro, e culminou em um desenlace bélico fulminante, que realmente ocorreu em 14 de dezembro de 1553; nesse dia centenas de mapuches, que os espanhóis preferiram imaginar mais tarde que haviam sido milhares, se lançaram sobre a praça forte, e foram rejeitados por cargas de cavalaria a mandado de Gómez de Almagro.

Uma nova carga espanhola, lançada algumas horas depois, os obrigou a fugir dos mapuches em completa desordem, e isto convenceu os espanhóis de ter obtido uma contundente vitória, sem demora e como era de rigor, comunicaram ao chefe da conquista do Chile, Valdivia, que se encontrava em Quilacoya e que de imediato ordenou a Gómez de Almagro que o encontrasse em Tucapel em 25 de dezembro para começar a reconstruir o forte que tinha sido incendiado.

Mas o gênio militar de Lautaro já tinha previsto outro destino para Juan Gómez e seu chefe. Ao capturar outro índio espião e depois de torturá-lo, soube Juan Gómez que Puren seria novamente atacado por milhares de mapuches.

Bastou a Juan olhar pro horizonte em todas as direções para ver, ameaçadoras, as grandes nuvens empoeiradas que confirmavam o que dizia o prisioneiro. Mas a ordem dada por Valdivia desde Quilacoya devia ser cumprida. E Juan Gómez, depois de deixar uma guarnição de espanhóis não muito bem armados e um grupo de índios yanaconas, encabeçou o pequeno destacamento de 13 ginetes, e, em formação fechada, marcharam em direção de Tucapel; mal chegaram e se deram conta de que tinha viajado apenas para ser testemunhas da pavorosa derrota sofrida por seus compatriotas, na qual foi morto - cruelmente, segundo alguns - o conquistador do Chile, dom Pedro de Valdivia.

Desolados com a tremenda tristeza da derrota, Juan Gómez decidiu descansar no destruído forte de Tucapel, mas isso não foi possível, porque dos quatro pontos cardeais apareceram esquadrões mapuches; a longa batalha que se sucedeu então foi desigual e desesperada, e durou até cair a noite.

As sombras lhes permitiram a Juan e seus 13 ginetes escapar de volta a Puren, mas ao longo do caminho morreram a maioria de seus soldados.

No final, como comprovaram os longos anos da guerra do Arauco, a astucia mapuche e o gênio militar de seu chefe, Lautaro, eram a contrapartida da persistência e o tesão dos conquistadores; e nessa batalha de engenhos, a que teve que enfrentar Juan entre Tucapel e Puren pelo menos, quem saiu vencedor, por salvar a própria vida milagrosamente, seminu, semi-congelado pelo gelo do pântano, e com um canudinho de taquara na boca febril, para poder respirar enquanto morria de medo dos mapuches foi Juan, conhecido pela história como Juan Gómez de Almagro, o espanhol que salvou sua vida graças a que os índios tenham perdido seu rastro depois de matar seu cavalo.

Juan foi encontrado ferido e nu, e ao ser levado a Puren, em seu dramático retorno pode ver dezenas de mulheres, anciões e crianças mapuches que ainda moviam galhos e esfregavam ramos contra o solo, produzindo uma grande poeira. Os mapuches tinham conseguido enganar os espanhóis, fazendo-os acreditar, com um simples truque, que aquele nevoeiro era levantado por uns míticos 30.000 guerreiros que atacariam o forte de Puren até o natal! E esse medo os impediu de auxiliar o chefe Pedro de Valdivia que lutava solitário em Tucapel.

A sombra mítica de Caupolicán pairava sobre a nação mapuche e os espanhóis não conseguiam fugir da força do mito. Teria existido realmente Caupolián? ou era uma mistificação da figura de Lautaro?

-Juan salvou sua vida sem poder ajudar seu chefe, mas sua façanha o levou à história, junto com seus soldados mortos, como “os 14 da fama” - completou Raúl seu relato, e Graciela e Raquel festejaram com barulhentos aplausos, até que chegou o médico de plantão e pediu que não fizessem tanto barulho.


Leia mais em: "Crónicas de Utopías y Amores, de Demonios y Héroes de la Patria" (JV, 2006)