segunda-feira, 13 de dezembro de 2021

Creio que eu também a vendi algumas vezes


Creio que eu também já a vendi algumas vezes antes

Você sabe muito bem, Sr.Villanueva, sem dúvida alguma, e não tente me enganar; você sabe que venderia sua alma ao diabo para voltar a ter 28 anos de novo. Mas quando chega a hora da verdade, o momento tão esperado, você se lembra que talvez já a tenha negociado antes, em alguma outra ocasião. 
E é por isso que agora, mesmo ainda querendo vendê-la ao homenzinho que apareceu do nada em sua casa com uma estranha garrafa, já não pode mais. E desesperado, você, Villanueva, revira os armários, abre todas as gavetas da cómoda, e vira de ponta-cabeça inclusive a biblioteca, para ver se, por acaso, encontra alguma coisa com a qual possa voltar a ter 28 de novo. 
Pensa que já não tem nada a oferecer-lhe e se pergunta que outra coisa pode querer aquele homenzinho cinza, o mesmo que já tinha lhe comprado a alma na outra ocasião, trinta anos atrás. 
Por isso procura desesperadamente em todos os lugares, e repete para si mesmo que quer encontrar algo, alguma coisa de valor, o que seja, o que for, enquanto continua fuçando nos armários, revirando as gavetas, e dando voltas e mais voltas na pilha de livros antigos da biblioteca; mas continua sem encontrar nada de algum valor que se possa vender. 

O que seja! Qualquer coisa, o que seja, o que seja, para voltar a ter 28 anos! E se encontra com um caderninho velho, um Laprida de capa dura, de cor creme, ou verde claro; e dentro do caderno, colada com goma arábica, a poesia ingênua que lhe escreveu a sua primeira namorada; aparece também o anel de formando, de puro ouro 18 quilates que lhe presenteou a sua mãe; uma radiografia de quando lhe operaram o nariz, que quebrou com treze anos, jogando futebol em Córdoba; a pilha de discos que Diego gravou para você (o Julito, lembra?) antes de ir para o exílio na Itália; e vai colocando tudo no monte de coisas que poderia vender em troca de voltar a ter 28 anos de novo. 
E coloca tudo nesse montinho porque, mesmo que tenham importado naquela época, agora já não interessam tanto. Algumas dessas coisas, com exceção do anel, já não passam de bugigangas. Só importa agora voltar a ter 28 anos. 
Qualquer coisa de valor, o que seja, qualquer coisa, o que seja, o que for! E Javier se pergunta a quem podem interessar essas coisas, que nem a ele mesmo já lhe interessa muito; e por isso continua bisbilhotando nos armários, dentro das gavetas, até debaixo da cama, nas escrivaninhas da mulher e das crianças, e continua juntando tudo no montão das coisas que pode vender, para voltar a ter 28 anos. 
E lê no Laprida

“Pouco tempo depois do enterro do meu velho, cruzei na rua, por acaso, com o Dr. Cordero, que tinha sido seu médico de cabeceira. Tomamos um café na confeitaria La Paz, e o velho médico acabou me contando que em 1976, ou talvez um ano antes, ele tinha dito ao meu pai que tinha um rim muito afetado e que também devia começar a se cuidar de verdade da diabete. 
A resposta do meu velho tinha sido que entre passar oito ou dez anos sem açúcar, ou sobreviver apenas mais um ou dois, levando a vida que ele realmente gostava, ele preferia a segunda opção. Ou seja, que morreria como havia vivido, tal e qual, com as botas postas. 
Conhecendo o meu pai, o médico não se surpreendeu com que ele tenha me ocultado aquele momento de sua vida e as recomendações que tinha recebido. Apesar do rim afetado, a diabete e os pulmões que começavam também a ficar ruins, meu pai mostrava um enganoso ótimo aspecto, e uma figura trapaceiramente saudável, e durou ainda mais algumas décadas. 
Arrumando os livros e a correspondência na oficina do velho, alguns meses depois de sua morte, e tendo que decidir o que ia guardar ou jogar fora, dei de cara com nove cadernos Laprida, escondidos na estante mais alta da biblioteca. Eu sabia que entre 1967 e 1969 o meu pai tinha tentado escrever uns contos, dentro de uma obra maior – mais atrevida, pode-se dizer - uma novela ou romance curto de ficção; ou melhor, uma proto-novela. Os cadernos eram os mesmos que eu tinha visto naquela época. Ainda me lembro bem da noite em que meu velho me disse que estava começando a escrever um livro; e também de outra tarde em que veio me pedir alguns conselhos literários, e ao passar, lhe comentei sobre os cadernos; me disse que já estava tentando avançar em uma segunda obra. 
Uns meses depois dessa breve conversa, ao passar pelo velho café da esquina da estação de trens de Ramos Mejía o vi em uma mesinha, escrevendo; meu velho estava encurvado, com o olhar perdido e ao mesmo tempo concentrado em seu manuscrito, enquanto o galego Leiva, o brigão, o observava e lhe dava uns tapinhas nas costas com a cumplicidade de um velho camarada de lutas. 

Meu pai tinha conseguido realizar algumas poucas façanhas, pouco reconhecida também, talvez por serem coletivas, feitos de toda uma geração, em sua longa vida; como todos, teve sonhos e diversos pesadelos; sobreviveu aos violentos anos 70 e à perda de alguma das suas ilusões; teve uma memória, venceu o esquecimento, conheceu os heróis e canalhas de seu século e do anterior, o dos pró-homens da América; derrotou a morte pelo menos duas vezes, uma, ao sair da pátria e encontrar uma longa trégua; a segunda, outros tantos anos depois, ao vencer o coma e sair do estado de latência pelo qual passou durante quase um ano em Córdoba. Só não conseguiu realizar um sonho: escrever sua segunda novela ou romance curto; na verdade a primeira não havia interessado a nenhum editor e os leitores críticos que a analisaram não conseguiram convencê-lo de que não havia nenhuma qualidade literária na arquitetura da obra, e que os textos eram tremendamente confusos. 
Os nove cadernos Laprida continham as memórias de uma longa saga familiar, relatadas por dois avôs meio sábios e fantasmagóricos e multidões de heróis e caudilhos gloriosos e contraditórios que nunca conseguiram levantar em pé a pátria grande que sonharam. Nove Lapridas cheios de pesadelos, sonhos e frustrações". 

Dizem os vizinhos da estação de Ramos Mejía que o Diabo, depois de tanta enrolação do Javier, tanto blablá desconexo, por fim não levou nada e, furibundo, se lançou pra dentro de uma fenda e desapareceu entre as rochas que suportam os túneis por debaixo da linha do trem. Pode ser tudo mentira do Negro Unzaga que me contou a história, mas é bem provável que isto tenha acontecido. 

Leia mais em: "Crónicas de Utopías y Amores, de Demonios y Héroes de la Patria" (JV, 2006)

sábado, 4 de dezembro de 2021

El amor político y el odio de los insensatos



El amor político y el odio de los insensatos

Por Sandra Russo de Página/12

“Con odio has vivido y con odio has muerto”, fue el tuit de un municipio de Madrid, a cargo de Vox, para despedir a Almudena Grandes, que en su obra vivificó los dramas republicanos que permanecieron invisibles. Aquí, allá y en todas partes los reaccionarios están embebidos, lubricados con el odio. Sólo les son concebibles criaturas ajadas como ellos por ese rayo que los partió al medio y los dejó con la capacidad de amor atrofiada. No se quieren ni entre ellos.

El auge de los discursos de odio no es ningún misterio. Podría haber un auge del amor si el poder real fuera de los humildes y lo que no derrama brotara de la tierra. Brota, pero la tierra es de quienes se declararon sus dueños. Y como no aman, ni a quienes habitan la tierra ni a lo vegetal y mineral que vive en ella, odian, incendian, matan. O mienten, desprestigian, cancelan...

Pero hablemos de amor. Se habla poco de amor, porque estamos todo el tiempo hablando de odio, incluso para descifrarlo. En general solamente surge la primera acepción, la erótica o romántica, inflada como una pelopincho con motor por la cultura de masas. Luego se añaden otros amores intensos, los hijos, los padres, un club, los amigos, un sabor, un olor que al estilo de Proust es un puente hacia los que fuimos antes y ya no existen, aunque perduran de mil formas en los que somos.

Pero el amor político, ¿qué es? Porque enfrentamos el odio político, no el odio a secas, y no voy a caer en la frase que sabemos todos, porque tiene una lectura lineal que la hace parecer ingenua. No lo es. Porque amemos a los otros o a esta tierra, no venceremos por amar, sino en todo caso por pelear por lo que amamos.

Los discursos del odio son una anteojera que les ponen los miserables a los amargos que nunca se deleitaron en su vida con nada que no sea caro, por un lado, y por el otro a los que nunca se deleitaron con la vida en general, los que vivieron resentidos, acomplejados, incompletos porque nunca se arriesgaron para rozar aunque sea unos segundos la epifanía del amor colectivo.

A lo largo de la historia, los grandes y buenos pasos hacia formas civilizatorias --por esto entiendo aquí nuevos contratos sociales que acotaron en cualquier escala el volumen de dolor de grandes sectores de la población--, se dieron por amor. Siempre hubo víctimas que elaboraron su sufrimiento como el resultado de un orden que había que cambiar. Los esclavos, los vasallos, las mujeres, entre tantxs. Y siempre a esas víctimas se les sumaron muchxs que se convirtieron en víctimas por elegir pelear ahí abajo.

Es mentira que nuestra naturaleza es el odio. Es mentira que para odiar hay que tener coraje. El odio es el camino recto y el amor es el surco que da vueltas y se bifurca y vuelve a convertirse en el camino: es instinto y a la vez conocimiento. El odio sale como un eructo. El amor es una construcción delicada y susceptible a los vientos en contra o a los vaivenes pasionales. Para odiar hay que dejarse llevar. Para amar, hay que sobreponerse.

El odio ha sido el instrumento de los tiranos y los mediocres, los extraviados y los desbordados de poder. Uno creyó que era rey porque lo había decidido Dios. Otro mató a millones porque fabuló una raza nórdica con estaturas que jamás tendrían los alemanes, ni los más rubios hubiesen sido nunca tan altos como en su delirio.

La historia está llena de odio, sí, pero no menos que de amor. El amor político, el que se siente por quien se conoce o no, el que trasciende un vínculo personal pero es tan personal como el deseo, toma ese rumbo porque no hay otro posible para su hazaña que tomar impuso y sobrevolar el odio: el amor político se llama causa. Cuando se ama políticamente, cuando todavía se está en el mundo sólido de las ideas y no en la gansada líquida de los programas con más rating, que ahora entretienen con odio, el amor es una causa.

Una causa que puede ser muy sencilla. Por ejemplo: que a los de más abajo les toque por fin el número, que los llamen por su nombre y apellido, que dejen de tener miedo, que sobrelleven su pobreza y que la pobreza sea un estado y no un destino, que una red intangible los libre de la miseria. Eso se dice fácil y lo dice cualquiera. Pero si uno se lo toma en serio, es sólo con amor por esa idea que se abandona el tiempo propio y los intereses propios y las ventajas propias y los cálculos propios. Hay de todo y mezclado. Pero el que de verdad ama esa causa, debe estar dispuesto a perderlo todo, y por amor. Ejemplos hay, de hombres y mujeres que nos han amado y a quienes les correspondimos. Pero esa clase de personas no espera retribución: hace lo que tiene que hacer ontológicamente, haciéndolo son ellos y ellas del todo.

Ese amor viene con nosotros. Nace con nosotros. El mundo nos espera, cuando nacemos, para desmentirlo, para convencernos de que Caín triunfa sobre Abel. Pero nunca han logrado extirpar el amor colectivo, ni su paradoja ni su semilla. No podrán nunca porque la paradoja es la que los enloquece: no se ama por conveniencia, sino por disposición. Los que odian siempre serán más rudimentarios, más mediocres que los que aman. Y lo saben, y no lo soportan.