O escrivinhador e o boteco




O homenzinho estava bem ali, sentado numa mesa do boteco, com um certo desasossego, o olhar distante, um caderno e uma caneta na mão, rabiscando com um gesto de indecisão.

Passei e me olhou como se de repente reconecesse alguém que não via faz tempo. Afastei o olhar, sou especialista em gerar confiança nos doidos solitários, nos tímidos e indecisos.
Sei lá por que, mas tenho como um imã para os tipos que estão à toa nos bares ou nas ruas. Talvez eu lhes inspire confiança, ou simplesmente seja porque tenho a cara do típico tonto que ouve calado e nem arrisca um conselho ou um palpite.

Fiquei sentado de costas ao balcão, só para evitar que o louco me tirasse esse momento de falsa solidão que curto de vez em quando nos botecos -uma média, em copo de vidro, por favor, e um pedaço de pizza só de muzzarella-, uma espiadinha rápida no programa do papagaio, esse da Ana Maria Braga. Falsa solidão, com muita gente em volta e barulhos por momentos ensurdecedores.

Não veio até mim. Mas acho que foi pior, porque quando saí vi que já não estava mais na mesa, mas tinha se esquecido do caderno. E não pude deixar de pegá-lo e sair correndo atrás do misterioso escritor, fracassado e abúlico, com certeza.

JV, São Paulo, junho de 2011