Esteban e a plantinha. 1ª parte.



Havia chovido durante exatos 137 dias e suas 136 noites. Sim, porque uma noite dessas, a chuva parou. Parou não, deu uma trégua das 11 até as 5 e meia da manhã seguinte. Durante esses quatro meses e meio a chuva se alternava entre fortes aguaceiros e chuvinhas fracas, miúdas, porém geladas. Eram os meses de verão, e muitas vezes, quando chovia fraco durante o dia, o sol aparecia forte, poderoso e quente. Mas não o suficiente como para afastar uma ou outra nuvem preta e pesada, que seguia descarregando água em diferentes volumes e intensidades.

As crianças não entendiam bem isso: era verão e, portanto estavam de férias; tinham direito – ou melhor dizendo, a obrigação- de ir à piscina.
A piscininha, a bem da verdade, era uma espécie de tanquinho de água, inflável, de uns 40 centímetros de altura e não mais de metro e meio de diâmetro.
Mas mesmo com chuva, se fosse fraca e o sol batesse no jardim, eles choravam até entrar na “Pelopincho” e brincar de piscininha. Era um suplício, contava Esteban. Tinha passado todo o verão assim, entre a piscininha – as crianças eram pequenas, e se bem ele não podia entrar na piscininha com eles, tinha que ficar de olho – e a TV a cabo: assistindo o Animal Planet, o Disney Chanel e desenhos animados sortidos; o pica-pau, o Mickey em animações dos anos 40, 50 e 60, não mais do que isso. E se saía o sol, mesmo que a chuva não parasse nem dois minutos, de volta à piscininha “Pelopincho”.


No meio da sala de jantar, um belo dia, apareceu por debaixo do assoalho um broto. Claro, está chovendo tanto, há tantos meses sem parar que, nada mais natural, apareceu um broto, bem aqui na sala, pensou Esteban, sem raiva nem tristeza, sem pena nem euforia. Na realidade, os meses seguidos de chuva e o tédio de não sair do roteiro piscininha-TV infantil-piscininha, já tinham quase amortecido por completo as vontades e até os instintos mais primários do Esteban. Arrancou o broto e voltou ao filme do Mickey Mouse.

Na manhã seguinte, depois da breve trégua do 137º dia de chuva, o broto que Esteban tinha arrancado apareceu de novo, desta vez na forma de uma pequena plantinha; nada exagerado, no máximo uns três centímetros de altura, e uns oito milímetros de espessura. Esteban tentou arrancar de novo a plantinha, mas só conseguiu tirar dois galhos diminutos. Ferveu um pouco de água e jogou na raiz, esquecendo-se em seguida do problema. 

Apesar da chuva persistente, o Esteban tinha prometido levar a mulher de visita na casa da mãe. Melhor dizendo, a mulher tinha convencido o Esteban que percorrer 238 quilômetros no meio da chuva era um bom negócio, porque, além de poder pernoitar na casa da sogra, a criançada iria mudar de ares e, quem sabe, até pararia a chuva no meio do caminho, né?

Bom, o fato é que Esteban esqueceu da plantinha e concentrou todo o seu humor na viagem, no calor de mais de 40 graus e na esperança da chuva parar.
Passaram dois dias maravilhosos na casa da sogra -sem que a chuva parasse mais do que seis ou sete minutos durante a noite- e na volta, a primeira coisa que viram foi a protuberância no telhado, bem no meio da sala.
A planta tinha crescido até ocupar metade do cômodo  e esticar o topo, verde e carnudo, até uns quinze centímetros acima das telhas.

Continuará. JV, São Paulo, 25 de janeiro de 2012.