Liborio Justo, el rebelde Quebracho






































Luciano e Hernando chegam dez minutos antes que a enfermeira e começam a folhear o livro que minha mãe deixou; com pouco entusiasmo, mas sabendo que a leitura é um estímulo que pode me ajudar a sair mais rápido do estado de coma, começam a se alternar com a leitura:


“Ter que carregar o sobrenome do presidente Justo não devia ser nada fácil nos anos longínquos do começo do século XX. Talvez por isso Liborio tenha escolhido dois pseudônimos: Lobodón Garra e Quebracho; são nomes fortes, rotundos e contundentes, ambos, talvez para que não ficasse dúvida, sobretudo pro seu pai, com quem viveria sempre e durante os muitos anos de sua vida, em uma franca rebeldia, na mais dura resistência aos poderes e ao sistema estabelecidos.


Liborio Justo tinha obtido uma bolsa de estudos e passeava sua imensa curiosidade pelos EUA, nos anos de Roosevelt, tirando dezenas de fotos, imagens cruas e sensíveis nas quais se retratava a crise e suas seqüelas de injustiça que assolavam o grande país do norte.

Nesses anos, o pai de Liborio, o já sessentão General Justo, encontrou uma jovem amante, uma linda trintona da alta sociedade portenha; e Ana, sua esposa, impôs ao velho come condição para não abandoná-lo- somando a vergonha de um divórcio ao papelão que Liborio o tinha feito passar no Congresso durante a visita de Roosevelt, algo que naquelas épocas pacatas era totalmente inadmissível- que o General a levasse com toda a família para passear na Europa. Don Justo os levou, mas maquinando para se encontrar, sempre que possível, com a linda trintona em cada nova cidade que visitavam, deixando-s na chancelaria com os nervos e os cabelos em pé.


O jovem Liborio Justo, afastado e oposto às hipocrisias de sua família, e longe de submeter-se aos desígnios conservadores de seu pai, general e presidente, continuou por toda a sua vida fazendo o que somente o que lhe dava vontade, o que parecia melhor; já tinha escrito umas crônicas que iam pelo caminho de uma precoce literatura fantástica, ao mesmo tempo que militava na esquerda do trotskismo; ou fosse enfrentando o mesmíssimo representante de Leon Trotsky ou inclusive, já em sua velhice, provocando até o mesmíssimo Che Guevara quando qualquer um deles cruzavam com suas convicções políticas.


Com o pouco que sobrou da herança que lhe deixou seu pai – o velho Agustín P. Justo, que tinha sido presidente da Argentina durante a década infame, de 1932 a 1938 – e sempre fiel a si mesmo, se deu ao gosto de ser autor e também seu próprio editor. Já quase centenário, lançou seu “Cien años de letras argentinas”, um livro insólito no qual se permitiu julgar vários dos escritores argentinos que pareciam mais comprometidos com as lutas sociais e políticas.


Era um simpatizante quase fanático de Horacio Quiroga, e inimigo declarado no literário e no ideológico de Julio Cortázar, a quem considerava um autor de direita; dizem também que enviou uma carta a Rosendo Fraga, que tinha sido o biógrafo de seu pai, na qual cantava suas quatro verdades, desmentindo uma postura que a ele tinha parecido bastante benévola por parte do historiador ao pintar a vida do ex-presidente. E Quebracho foi tão convincente em sua crítica que, ao morrer, o mesmo Fraga chegou a reconhecer publicamente seus grandes valores de inquestionável integridade.”


Luciano fecha o livro e pisca para Hernando. – Bom, interessantíssimo, né? Mas chega por hoje… Vamos, moleque? – e se levantam os dois, me dão um beijo cada um e se despedem de Gatica, o médico de guarda que me põe um termômetro e tira minha pressão. – temperatura e pressão estáveis- diz, como para sí mesmo, ou talvez para minha informação, e também vai embora.

Leia mais em: "De Utopias e de Amores, de Demônios e Heróis da Pátria" (JV, 2006)