domingo, 20 de setembro de 2015

Nem com Reagan, nem com Soros e FHC


O Ferreira Gullar vem passando das velhas posturas do "partidão", o PCB, a posições em geral cada vez mais reacionárias em política. Mas num ponto, talvez porque a vida lhe deu um desses presentes inesperados, com dois filhos dependentes químicos e com sérios transtornos mentais, o velho poeta mantem um discurso coerente e, como ele mesmo diz, sensato. 

Mesmo que muitos me achem mal-humorado, ranzinza e ultra radical, não julgo ninguém a partir das suas posturas ideológicas em geral, ou políticas em particular. Aliás, nem julgo, apenas gosto, detesto ou ignoro. 

Mas uma mulher e um homem não podem falar, por exemplo, sobre repressão e ditadura sem nunca ter sentido em carne própria a falta absoluta de liberdade. Pode-se ler em livros e assistir a palestras, mas a sensação no corpo, no cérebro, não é a mesma. 

Pode-se opinar sobre drogas, a favor ou contra o uso, mas não é possível avaliar os danos profundos quando não se vê ao lado, ou na própria carne, as lesões, as feridas e a dor profunda que vive o dependente químico, escravo em qualquer classe social, mas sobretudo das capas mais sofridas da população, que entrega a sua liberdade e seu futuro nas mãos do traficante, soldadinho do último escalão de um sistema perverso, capitalista selvagem, que mata ou rouba por dinheiro, venha ele do tráfico de armas, mulheres, órgãos humanos, animais em extinção ou alucinógenos. 

O artigo do Gullar observa, embora ela não o diga dessa vez, desde o ponto de vista das famílias. Ele não fala de outra experiência pessoal que não seja a de ser pai de dois escravos da dependência química. 

Ser contra a guerra às drogas, ao estilo Reagan, não me leva a ser a favor da liberação geral. 

Ser a favor de descriminalizar o usuário não me obriga a apoiar o capitalista predador George Soros, o ultra-liberal FHC, ou os consórcios Ambev, Souza Cruz-Philips Morris, a Monsanto ou os grandes bancos internacionais que sonham com pegar das mãos dos traficantes de chinelo e Uzi o negocião das drogas ilegais. 

Educação preventiva e saúde pública para atendimento aos escravos dessa praga chamada uso-abuso e dependência. Esse é o tema, o eixo da polêmica e não guerra x liberação total. 

JV



Maconha legal 

Por Ferreira Gullar

Folha de SPaulo, 20 de setembro de 2015

Teríamos que desistir de combater a corrupção, uma vez que, após séculos de combate, ela continua

    A legalização do consumo da maconha tornou-se, sem qualquer dúvida, uma questão importante em vários países, inclusive no Brasil. Em alguns outros países essa legalização ou descriminalização já se deu, como no Uruguai e em Portugal, respectivamente. Aqui no Brasil, o Supremo Tribunal Federal debate descriminalizar o consumo da maconha.
    No meu ponto de vista, não é que essa descriminalização esteja errada, já que não me parece justo prender e muitos menos condenar quem consome drogas, seja maconha ou qualquer outra. No meu entender, a providência correta é a ajuda terapêutica para livrar o viciado do vício e uma campanha de esclarecimento pelos meios de comunicação e nas escolas.
    Há quem afirme que a maconha não provoca nenhum mal e, portanto, não é necessário tratar o usuário dela. Minha experiência pessoal, nesse terreno, é o contrário: a maconha é um alucinógeno e, portanto, conforme seja o indivíduo que a fume, as consequências tanto podem ser insignificantes como desastrosas.
    Conheço os dois tipos de consequências: gente que, fumando-a, sente-se relaxada, como outros, que perdem o controle e fazem qualquer coisa, como tentar estrangular a irmã ou jogar-se da janela do apartamento. Como tenho o mau hábito da sensatez, acho que o melhor mesmo é não arriscar.
    Digo isso porque, quando era garoto, levaram-me a experimentar a maconha. Dei uma tragada, achei-a desagradável e não aderi. Meu colega Esmagado, também não aderiu, mas o Maninho, que compunha a nossa trinca, achou um barato.
    Depois de tantos anos, eu estou aqui, modéstia à parte, saudável e trabalhando. Esmagado tornou-se craque de futebol, enquanto Maninho passou da maconha para a cocaína (o que costuma ocorrer), sumiu de casa e morreu, antes dos 40, depois de várias internações para livrar-se da droga.
    Quem defende a legalização da maconha alega que, como os muitos anos de repressão ao tráfico não acabaram com ele, a solução não é essa. Isso me parece mais um sofisma do que um argumento porque, se o aceitarmos, teríamos que desistir de combater a corrupção, uma vez que, após séculos de combate, ela continua.
    Por outro lado, nada indica que a legalização da maconha (ou das drogas em geral) acabará com o tráfico. Um exemplo: a venda de cigarros é legal mas o tráfico de cigarros continua apesar disso. O mesmo pode-se dizer do tráfico de pedras preciosas, cuja venda clandestina se mantém apesar da repressão. Por que, então, o tráfico de drogas, que movimenta milhões de reais, iria acabar? Não vejo razão para acreditar nisso.
    Mas tudo bem, a maconha vai ser legalizada, de modo que, a partir daí, o consumidor da erva poderá portar, sem problema, a porção de maconha necessária a seu consumo. Mas não uma quantidade que indique ter ele a intenção de vendê-la. Ou seja, consumo pode, venda não pode.
    Aí tenho certa dificuldade de entender: se a lei admite o uso da droga, por que então proíbe sua venda? Como justificar-lhe a proibição se a mesma lei considera seu consumo legal? Parece-me contraditório ou sou eu que estou pensando errado?
    Vejamos: se o Estado admite o uso da maconha, ele está inevitavelmente assegurando que ela não provoca mal algum ao usuário, mesmo porque seria um absurdo permitir o livre consumo, pela população, de algo que lhe prejudique a saúde física ou mental. Logo, para todos os efeitos, se o uso da maconha é legalmente permitido será porque nenhum mal ela causa. Mas, se é assim, proibir-lhe a venda não tem explicação.
    Ou tem? Uma explicação possível seria que os próprios legisladores não estejam certos de que o amplo consumo da maconha nenhum mal provoque à sociedade e especialmente ao pessoal mais jovem.
    Já imaginou se dezenas de milhões de jovens passarem a se drogar e, em vez de cuidar do futuro,de estudar e buscar uma profissão –entreguem-se ao barato da maconha que tem, como principal característica, deixar o cara desligadão dos problemas da vida?
    Não resta dúvida de que dói menos viver nas nuvens do que encarar a realidade. Sim, dói menos até o cara cair na real.

terça-feira, 8 de setembro de 2015

Orlov, a marca da traição. 1ª parte


Orlov, a marca da traição estalinista

Aleksandr Mijáilovich Orlov foi um militar e espião russo que, durante a Guerra Civil Espanhola, atuou como enlace do NKVD, a polícia secreta soviética. Foi o responsável pelo lado soviético no trasporte do denominado "Ouro de Moscou" de Madri até a União Soviética, e participou no assassinato do líder do POUM, Andreu Nin. Em 1938 desertou para os Estados Unidos, fugindo da purga estalinista dentro do NKVD; apesar da sua formação e atuação estalinista, ainda advertiu León Trotski sobre a iminência de seu assassinato pela burocracia estalinista que controlava com mão de ferro o estado soviético.

Em julho de 1936 Orlov foi enviado a Espanha como enlace do NKVD com o Ministério de Interior da Segunda República Espanhola. Chegou a Madri em 15 de setembro de 1936.
Um dia antes, em 14 de setembro de 1936, tinha acontecido uma reunião em Moscou, na Lubianka, para coordenar o envio de material de guerra a Espanha. Os envios de armas e de pessoal especializado ao cenário da guerra ficaria sob a supervisão do NKVD e o veterano membro da mesma, Aleksandr Orlov, que já estava destinado na Espanha, é confirmado como o oficial superintendente da operação. 
Segundo suas próprias declarações posteriores ante o Senado dos Estados Unidos, sua missão na Espanha era a de assessor em temas de "espionagem, contra espionagem e luta de guerrilhas". Porém, diferente do que se pensa, Orlov nunca supervisionou a atividade da guerrilha que operava durante a guerra civil por detrás das linhas franquistas, que foi organizada pelo seu colega da NKVD, Grigori Syroyezhkin.
Ao pouco tempo de chegar a Madri, em outubro de 1936, Orlov foi nomeado responsável pelo lado soviético do transporte do assim chamado "Ouro de Moscou" desde Espanha até a União Soviética. Por essa ação, Orlov foi premiado com a "Ordem de Lenin". Nas suas declarações ante o Senado dos E.U.A., ao referir-se à chegada do ouro à URSS, Orlov atribuiu a Stalin a frase "Os espanhóis não verão mais o ouro, do mesmo jeito que ninguém consegue ver suas próprias orelhas".
A tarefa principal de Orlov na Espanha, porém, consistiu em organizar e executar a purga aos dissidentes soviéticos, muitos dos quais estavam na Espanha como voluntários das Brigadas Internacionais. Os documentos recentemente desclassificados dos arquivos do NKVD revelam a longa lista de  crimes de Orlov na Espanha. Foi ele o responsável de falsificar as provas que levaram à detenção e desaparecimento dos líderes do POUM
O POUM -Partido Obrero de Unificação Marxista foi uma organização fundada em 1935, definida como marxista revolucionária em oposição ao stalinismo, e cercana ao comunismo de esquerda, ou Oposição Comunista. Era um partido da esquerda comunista não estalinista, e sua organização juvenil foi a Juventude Comunista Ibérica (JCI).
As provas das fontes históricas sugerem que Orlov dirigiu o sequestro e a execução do líder do POUM, Andreu Nin. Num relatório aos seus superiores em Moscou, datado de agosto de 1937, Orlov detalhava seu plano para a captura e eliminação do socialista austríaco Kurt Landau. Também desapareceram na Espanha Erwin Wolf, o antigo secretário de Trotski, e Mark Rein, filho de um líder menchevique, e ainda Orlov teve participação na desaparição do oficial russo e agente duplo do NKVD, Nikolái Skolb.
Em 14 de junho de 1937, já atuando como chefe do GPU (lembrar que o NKVD, ou Comissariado do povo para assuntos internos, criado em 1934, incorporou o GPU ou OGPU, ou Diretório Político Unificado do Estado, transformado em  Administração Central da Segurança do Estado) na Espanha, Orlov ordena a detenção de todos os dirigentes do POUM. O ministro da Justiça, Jesús Hernández, também comunista, informado pelo diretor geral de segurança, Antonio Ortega, se reúne com Orlov, que diz que o governo não deve conhecer essa ordem, uma vez que o ministro Julián Zugazagoitia era amigo dos prisioneiros, e que tinha provas de que estavam "em contacto com espiões fascistas". Hernández entrevista o dirigente comunista José Díaz Ramos que se enfurece ao receber a notícia. Enquanto isso são detidos vários dirigentes do POUM, entre eles Andreu Nin. Crê-se que Nin foi transportado até Alcalá de Henares, onde Orlov tinha sua prisão particular instalada na Catedra; Nin foi interrogado pelos soviéticos, torturado e assassinado no El Pardo.
Embora foi o principal oficial do NKVD na Espanha, Orlov negaria mais tarde sua participação nestes e muitos outros assassinatos realizados por oficiais do NKVD e seus agentes.

Boris Volodarsky, autor do livro "O caso Orlov", da editora Crítica, é um grande conhecedor das fontes historiográficas sobre a espionagem soviética e em particular, da trajetória de Orlov; o que, unido a sua experiencia como capitão nos serviços de inteligencia militar do exército russo, o faz ser um historiador de referência para conhecer os labirintos da influencia da URSS na Espanha. Há uma extensa bibliografia no livro e a quantidade e variedade de arquivos que Volodarsky consultou sobre o tema é enorme. Como ele diz respeito da capacidade de Stalin para recolher informação secreta de todos os governos europeus, outra coisa é o uso que se faz de toda essa documentação já que Stalin era incapaz de aproveitá-la pela sua forte tendência a focar  tudo sob a luz da conspiração.
Volodarsky oferece uma grande lista de agentes e instituições que enfiaram suas manos na guerra civil da Espanha, traça las hierarquias de e estabelece as conexiones de uns com as outras, desenhando um mapa completo da participação dos serviços secretos russos na península. O livro de Volodarsky é hoje uma obra fundamental de referência.
Porém, talvez influenciado pelos historiadores Paul Preston e Ángel Viñas, Volodarsky despreza a chamada "literatura do desencanto” dos renegados do velho comunismo espanhol, provavelmente por estar dirigida por Julián Gorkin, um poumista e fundador do comunismo ibérico que depois de uma longa tradição revolucionária, aparentemente terminou colaborando com a CIA. 
Num aparte sobre J. Gorkin, digamos que durante a Guerra Civil Espanhola se mudou para Barcelona para dirigir o jornal La Batalla, porta voz do POUM. Depois dos acontecimentos de maio de 1937 foi julgado e condenado por sua condição de dirigente do POUM, mas conseguiu fugir da cadeia pouco antes da chegada das tropas franquistas a Barcelona em 1939.
Em Paris continuou na política até 1940, quando foi ao México e virou um ativo colaborador de Víctor Serge, com quem  tentou uma reformulação do socialismo revolucionário e com quem publicou, junto com Marceau Pivert e Paul Chevalier, o ensaio Los problemas del socialismo en nuestro tiempo, editado em 1944. Esta colaboração se frustrou com a morte de Serge em 1947. Trasladado de novo a Paris em 1948, participou da fundação do Movimiento Socialista pelos Estados Unidos da Europa. Implicado desde o início na denúncia do estalinismo, participou na edição de dois livros de ex militantes comunistas espanhóis: La vida y la muerte en la URSS, de Valentín González "El Campesino" y "Hombres made in Moscú", de Enrique Castro Delgado. 
A partir de 1953 participou no Congresso pela Liberdade da Cultura (CLC) formado por intelectuais com um perfil político contrário aos comunistas, e dirigiu sua publicação para a América Latina na revista Cuadernos, até fevereiro de 1963. Alguns consideram como "instrumentos da CIA" a Gorkin e à publicação. A partir de 1965 dirigiu a revista Mañana. Tribuna democrática de España. Na década de 1970 militou no PSOE.
Cuadernos del Congreso por la Libertad de la Cultura, foi uma revista bimensal publicada em Paris entre 1953 e 1965 pelo Congresso pela Liberdade da Cultura (CLC), no contexto da Guerra Fria, destinada à leitura na América Latina. Com uma postura anticomunista e antissoviética, em suas páginas aplaudia o papel dos Estados Unidos, "seus valores de liberdade" e a "superioridade moral" de Ocidente. 
A seu favor, pode-se dizer que Julián Gorkin foi quem descobriu a verdadeira identidade do assassino de Trotsky, Ramón Mercader, identificado até então como Frank Jacson-Mornard, ao publicar em 1948 sua obra El asesinato de Trotsky. Escreveu uma autobiografia chamada El revolucionario profesional. Testimonio de un hombre de acción (1975). Na opinión do jornalista Federico Jiménez Losantos, Julián Gorkin foi "demasiado importante, demasiado honrado, demasiado livre para um país em que toda liberdade parece demasiada".

Mas, voltando a Orlov, o historiador Volodarsky diz que o espião foi um desastrado em suas primeiras missões na Espanha, relacionadas com a obtenção de informação secreta; parece que teve mais sucesso na segunda parte de "tarefas especiais", eufemismo para disfarçar os assassinatos. Suas vítimas não foram muitas, como sustentam alguns, mas sim as suficientes como para desmantelar o trotskismo e suas alianças na Espanha. 
Volodarsky afirma que Orlov trabalhava para Stalin e de modo algum em benefício da República, ou das organizações e partidos da esquerda, a não ser o próprio PCE. Embora esto pareça contradizer o fato de que uma das suas missões fosse ajudar na criação dos serviços de informação mais eficientes durante la guerra. Em todo caso, uma das teses do livro de Volodarsky é desmitificar a figura de Orlov, crescida e aumentada por ele mesmo nos livros que publicou e nas informações que dava, já como refugiado nos Estados Unidos. 
Quem era Orlov?
Lev Nikolsky -o nome verdadeiro do espião- operava na Espanha da Guerra Civil com o pseudônimo de Alexander M. Orlov. Nasceu numa família judia, na Bielorrússia, media uns 1,72 m, era atraente e tinha o típico nariz de um lutador de box, além de um bigode espesso e escuro. Falava um espanhol ruim, e por isso mesmo, sempre andava acompanhado pelo seu intérprete pessoal. Em setembro de 1936, Nikolsky tinha 41 anos e chegou a Espanha desde Moscou para fazer o trabalho sujo da burocracia fiel a Stalin en la República, contra os possíveis inimigos da União Soviética. O mais conhecido de todos foi o assassinato de Andreu Nin, o líder do POUM -Partido Operário de Unificação Marxista-, pequena organização, aliada fiel do anarquismo revolucionário, onde se concentrava a Oposição ao estalinismo, trotskista ou não.
“Foi um espião de uma inteligência muito medíocre que falhou em todas as suas missões de inteligência”, diz o historiador Boris Volodarsky, autor do livro "O caso Orlov", da editora Crítica, um estudo sobre a atuação dos serviços secretos soviéticos na Guerra Civil Espanhola de grande exatidão e de uma amplitude inédita. “Orlov nem sequer operava contra Franco, só fazia o trabalho sujo para Stalin”.
O agente chegou na Espanha para procurar, achar, espionar e liquidar os trotskistas e desarticular os seus principais aliados no anarquismo catalão. Essa era sua missão, que também executou em outros lugares da Europa. O historiador diz que entre suas vítimas estavam Dmitry Navashin, em Paris; Brian Goold-Vershoyle, sequestrado em Barcelona e que ​​mais tarde morreu num campo de prisioneiros na Rússia; Marc Rein, morto na Espanha; Hans Freund, Ignatz Reiss, fuzilados em Suiça), Kurl Landau, o general Skoblin, agente do NKVD morto em Barcelona; Georges Agabekov, um oficial de alta patente, que desertou e chegou na Espanha e logo foi assassinado, e o mais importante e impactante, o próprio Andreu Nin do POUM.
Continuará
Javier Villanueva. São Paulo, 8 de setembro de 2015.