sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Mauro Eugênio Ribera, escritor no Brasil, revolucionário no Chile.

 

Mauro Eugênio Ribera, escritor.

Mauro Ribera nasceu em Carmo Mourão, estado de São Paulo, a menos de 200 metros da divisa com Minas Gerais. Contavam seus avôs paternos que eram descendentes de Fructuoso Rivera, o uruguaio conhecido informalmente como Don Frutos, e que havia sido um militar e político de peso no pequeno país do sul.

O Fructuoso Rivera -segundo os relatos de uma família na qual ninguém aprendeu a ler e escrever em três gerações até aparecer entre eles o Mauro Eugênio- combateu os portugueses durante a guerra do Império contra Artigas, e foi derrotado em 1816, pela vanguarda da tropa de Carlos Federico Lecor, comandada pelo general Araújo Correia. Quando o Império completou a invasão e a conquista do Uruguai, ao contrário de Artigas, o Fructuoso, antepassado do Mauro Eugênio, permaneceu no país, incorporado-se à tropa portuguesa no posto de coronel e no comando de uma tropa local.
Como o dom Fructuoso era favorável à união do Uruguai com o Brasil, ao invés de vincular-se à Argentina como imaginava Artigas, o povo uruguaio passou a desconfiar dele e a considerá-lo um traidor. Mas isso não afetou muito a sensibilidade do antepassado do Mauro Eugênio, que logo foi promovido a brigadeiro e foi nomeado cavaleiro da Imperial Ordem do Cruzeiro, em 1823.

Mauro Eugênio, fugindo da sina da família iletrada, fez seus primeiros estudos em Conceição do Mato Dentro, um pequeno município de Minas, na borda do Rio Espinhaço, a uns 167 km de Belo Horizonte, na antiga comarca de Sabará.
Mauro Eugênio Ribera, que nunca soube como é que seus avós paternos –segundo eles descendentes diretos do militar uruguaio- tinham vindo parar no interior de São Paulo primeiro e ido pra MG depois- concluiu seus estudos, anos mais tarde, em São Paulo. Ingressou na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, formando-se em 1941. O jornalismo sempre o seduziu, ao mesmo tempo em que se metia aos poucos na política; e poucos anos depois, em 1943, já era redator da Folha de S.Paulo e correspondente da Rádio Inconfidência de Belo Horizonte. Já na política, alcançou seu primeiro degrau importante como presidente do Centro Acadêmico XI de Agosto, a entidade estudantil mais antiga dos alunos da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco.

Em 1941 havia sido descoberto o primeiro poço de petróleo para a exploração comercial, em Candeias, no Recôncavo Baiano, e 1939 a 1953 foram perfurados 52 poços em todo o país, descobrindo-se ainda vários novos campos para a exploração. Mesmo assim, no início da década de 1950, o Brasil ainda importava mais de 90% dos derivados que consumia.
Foi nesse momento da economia do país, que aos poucos se transformou num tema político central, que o nosso Mauro Eugênio Ribera largou seus estudos de direito e se lançou de cabeça a luta pela consigna “O petróleo é nosso”. É que depois da Constituição de 1946 foi travado um grande debate em torno da política do petróleo, entre aqueles que admitiam –e que queriam- a entrada de empresas estrangeiras na exploração dos poços, de um lado, e os nacionalistas do outro.

A Constituição de 1946 autorizava a participação do capital estrangeiro na exploração mineral, inclusive do petróleo. O Presidente Dutra havia proposto o Estatuto do Petróleo que iria alterar a Constituição sobre a participação do capital estrangeiro, promovido a construção do Oleoduto Santos-São Paulo e realizado a compra de 22 navios petroleiros. Mas os nacionalistas -e entre eles o nosso Mauro Eugênio Ribera- estavam descontentes com aquele projeto.

Em 1947 aconteceu no Clube Militar uma série de conferências que deflagraram o movimento contrário à abertura do mercado petrolífero ao capital estrangeiro, e em favor do monopólio estatal. De um lado estava o General Juarez Távora, que defendia a postura de abrir o mercado ao capital estrangeiro, e do outro, o General Horta Barbosa, que exigia o monopólio estatal. Mauro Eugênio Ribera estava nesta posição que logo se converteu numa trincheira.
Foi nessa época que surgiu a campanha “O petróleo é nosso!”. Em abril de 1948 aconteceu uma cerimônia no Automóvel Clube do Rio de Janeiro que iniciou a reação das forças nacionalistas ao projeto do Estatuto do Petróleo. Mas, ainda em meio do turbilhão destas lutas, foi no mesmo ano de  1948 que o Mauro Eugênio lançou seu primeiro livro de contos, “O exguerrilheiro”, que não teve muita repercussão esse mesmo ano, mas que era uma espécie de “thriller psicológico” que adianta de um modo literário tudo o que a vida iria trazer ao autor nos próximos anos.

Foi então que o Mauro Eugênio entrou de cheio no mundo da política, primeiro na legalidade da luta parlamentaria e em seguida como militante revolucionário nas fileiras do Partido Comunista Brasileiro. Em 1964 foi chamado para organizar o Suplemento Literário do Diário Oficial de São Paulo, que ficou conhecido como um dos melhores órgãos de imprensa cultural no país. E foi nessa publicação que Mauro Eugênio aproveitou para relançar um dos seus melhores contos fantásticos, “O bombeiro Matias”, em 1968, o que lhe rendeu uma súbita e inesperada fama.

-Exatos 20 anos eu demorei em escrever e publicar, e finalmente reescrever o meu primeiro livro “O exguerrilheiro”, agora com um novo nome -“O bombeiro Matias”- e uma nova estrutura, e nem por isso ele saiu melhor- costumava dizer, rindo dele mesmo, o nosso escritor Mauro Eugênio.

O tataraneto do uruguaio Fructuoso Ribera, obrigado pela situação de miséria da família -e impulsionado pela vontade de estudar, ler e progredir- começou bem cedo a trabalhar e ganhar a vida. Vendeu livros de história e enciclopédias em Minas Gerais, foi professor, jornalista, diretor de jornal e até gerente de uma estação de rádio em São Paulo.

Santiago e Valparaiso, Chile, 1970

Articulado ao longo dos anos de 1972 e 73, por oficiais sediciosos da marinha e do exército chileno, com o apoio militar e financeiro da CIA, e de organizações terroristas locais, como a chamada “Patria y Libertad”, de tendências nacional-fascitas, o golpe contra o governo constitucional de Salvador Allende encabeçado por Augusto Pinochet finalmente aconteceu em 11 de setembro de 1973.
Mas antes deste desfecho, que contaremos com mais detalhe em seguida, o nosso amigo Mauro Eugênio Ribera chegou um dia a Santiago de Chile, depois de uma longa viagem entre São Paulo, Porto Alegre, Buenos Aires e Córdoba.

Mauro havia chegado nos primeiros dias de janeiro de 1972, em pleno confronto entre a direita e os movimentos da vanguarda da esquerda revolucionária, principalmente o MIR, a Juventude do Partido Socialista, e a fração esquerdista dos social-cristãos, o MAPU.

Escolhidos entre militantes desses grupos políticos da esquerda e homens da polícia investigativa, foi formado o GAP, o chamado “grupo de amigos do presidente”, que chegou a ter mais de 150 homens, embora no final não passassem de 26 ou 28. Eles formavam uma equipe de segurança, com guarda-costas recrutados entre militantes socialistas para proteger melhor a vida de Allende, e ficaram ao seu lado até o último dia.


Poucos daqueles homens que compunham a guarda presidencial informal puderam sobreviver à ditadura, Com a recusa do Congresso Nacional, em 2 de junho de 1973, de autorizar o estado de sítio, considerado imperioso pelo Comandante em Chefe das forças armadas chilenas, o general legalista Carlos Prats, para que as forças armadas pudessem controlar o terrorismo de direita e de esquerda que já assolava o país, e assegurar o respeito à constituição, a violência chegava ao extremo, e temia-se por uma guerra civil.
Este era o estado de confronto, incitado pela “Patria y Libertad”, cujo primeiro ato terrorista foi perpetrado em parceria com oficiais sediciosos da marinha chilena e chamou-se “La noche de las mangueras largas” ocorreu precisamente no horário em que foi assassinado o ajudante-de-ordens de Allende, o Capitão-de-Mar-e-Guerra Arturo Araya - com o objetivo de subverter a cadeia de comando da marinha. A operação terrorista executada pela “Patria y Libertad” consistiu em cortarem-se todas as mangueiras de abastecimento dos principais postos de gasolina de Santiago. Esse e outros atos terroristas do “Patria y Libertad” visavam favorecer e justificar a ação da facção golpista das forças armadas, apoiadas pelos Estados Unidos, e que culminaria com a quebra da longa democracia chilena, e com o sangrento golpe de estado de Pinochet
Este estado de confronto, patrocinado pelo grupo terrorista de ultra-direita “Patria y Libertad”, cujo primeiro ato terrorista foi perpetrado em parceria com oficiais sediciosos da marinha chilena e apoio da CIA - é conhecido como “A noite as mangueiras longas” e ocorreu precisamente quando foi assassinado o assistente de ordens de Salvador Allende, o capitão Arturo Araya, com ou objetivo de subverter cadeia de mando da marinha. A “Operação” terrorista executada pela “Patria y Libertad” consistiu em cortar  todas as mangueiras de abastecimento dois principais postos de gasolina de Santiago. Esse e outros atos terroristas do “Patria y Libertad” visavam promover e justificar uma ação de golpe militar pela facção das Forças Armadas que era apoiada pelos EUA, e que culminaria com a quebra de um longo período de aparentemente sólida democracia chilena, com ou ataque  sangrento ao estado com o comando de Augusto Pinochet.

Após o assassinato do general René Schneider em outubro de 1970, Allende entendeu que para a sua segurança pessoal, não poderia mais contar com as instituições constitucionais como o exército e polícia de carabineiros. Em contraste, a militância política já tinha dado mais de um sinal de lealdade para com o projeto socialista em geral e em relação à segurança pessoal do presidente em particular. Portanto, o GAP é criado imediatamente.
O grupo foi constituído informalmente durante a quarta e última campanha presidencial de Salvador Allende com quatro pessoas: Jaime Suárez, Augusto Olivares (chamado “o Cachorro”), Agustín Rodena (conhecido como “El Loco Guillermo”) e Eduardo Paredes (chamado de "Coco").

Quando Salvador Allende torna-se presidente com o apoio da coalizão de esquerda, a Unidade Popular, o Movimento de Esquerda Revolucionário (MIR), sugere organizar melhor o grupo de segurança pessoal incipiente que havia nascido durante a campanha eleitoral. Por este motivo, durante o primeiro ano e meio, a coordenação da GAP estará sob a direção do MIR. No final de 1971, a Unidade Popular, a frente política da qual fazia parte o partido do Presidente, fica responsável pela coordenação e adiciona agentes de confiança da polícia investigativa, dos Carabineiros e das três forças armadas.

A direita delirava –e ainda existem historiadores, inclusive brasileiros, que repetem a fantasia- pensando que o GAP seria a base do “Exército Popular” que os grupos e organizações socialistas revolucionárias planejavam formar a partir das brigadas “Ramona Parra” do Partido Comunista, “Elmo Catalán” do P.Socialista e o “Movimiento Campesino Revolucionario” do MIR.  Entre os homens da seguranças que protegiam a residência de Allende, não havia cubanos, nem argentinos ou uruguaios do grupo Tupamaro. A organização do suposto e temido  “Exército Popular” não avançou –por fora da imaginação febril da direita- com a formação dos “Cordões industriais”, organização político-militar de operários e camponeses nas das indústrias estatizadas.


Mauro Eugênio Ribera entra em contato com o MIR.

O MIR nasceu em agosto de 1965, de um grupo de líderes estudantis da Universidade de Concepción, cuja origem é o Movimento Socialista Revolucionário -uma fração da Juventude Socialista de Concepción, muito ativa no Núcleo Espartaco e na FEC - Federação de estudantes de Concepción- e algumas outras organizações marxistas menores. No seu Congresso de fundação, realizada em Santiago, cinco delegados do grupo Vanguardia Revolucionaria Marxista-Rebelde (organização dos militantes marginalizados do PS juvenil na qual militou brevemente Miguel Enríquez, seu irmão Marco Antonio, Bautista van Schouwene o Marcello Ferrada de Noli, chefe do Núcleo Epartaco que abrigava a fração da Juventude Socialista, o Partido Popular Socialista, o Partido Radical do Chile, o POR -Partido Obrero Revolucionario-, anarquistas do grupo Libertarios, alguns ativistas das Juventudes Comunistas, críticos do seu partido, e que eram liderados por Luciano Cruz, um sector do Partido Revolucionário Socialista e dirigentes sindicais, agrupados em torno de líder sindical Clotario Blest e do militante trotskista historiador do POR, Luis Vitale, trabalhadores decidiram dar forma à nova organização. O Congresso de fundação aprovou três documentos, nesta ordem: 1) a teoria insurrecional, 2) declaração de princípios e 3) programa.

Na noite de 11 de setembro de 1973, a direção da MIR constatou que não havia a mais mínima possibilidade de se opor militarmente ao golpe. Tinha começado o toque de recolher, e a guerra que não tinha existido já tinha concluído: os militares controlavam totalmente o país. A essa altura, Miguel ordenou a retirada em ordem, era necessário mover a militância para outra fase, era preciso entrar na clandestinidade cerrada e aprender a andar no subsolo e nos porões. As instruções à militância mirista eram claras: preservar as estruturas de combate, verificar e restaurar as comunicações, evitar a caída dos dirigentes, e mudar o visual, os carros e toda a aparência em geral.

No quinto dia depois do golpe, as mulheres jovens saiam de saia, e todas elas já tinham mudado de penteado. Nunca antes tinham sido vistas sair de saia, e ainda numa Renoleta desconhecida em que elas iam e vinham. Ninguém no quarteirão suspeitou nada.

Após 15 dias, quase todos os contatos perdidos tinham sido restaurados. Alguns membros da Comissão política ficaram responsáveis pelas diferentes áreas geográficas do país. O pequeno partido de combate começou a receber fornecimentos, tanto de novos e mais seguros documentos, como de dinheiro e armas que foram enviadas pelo Partido Revolucionario de los Trabajadores –PRT– de Argentina; também recuperou parte do armamento que os cubanos tinham armazenados em uma embaixada de um país europeu. E ainda haviam planejado a substituição de líderes regionais “queimados” por outros com uma fachada mais legal.

Porém, durante o ano de 1974, o serviço de inteligência da força aérea do Chile (SIFA) e a temida direção de inteligência nacional (DINA) se lança atrás do MIR, numa ação devastadora, batendo em todos os níveis da estrutura da organização. O SIFA conseguiu capturar o “Coño Aguilar” (Arturo Villabela), quem caiu em 29 de março, na comuna de La Reina, quando ia fazer um contato; no confronto foi ferido com sete impactos de bala. Coño Aguilar ficou alguns dias no Hospital Militar e mais tarde foi transferido até as dependências da Academia de Guerra da Força Aérea. Neste momento Arturo Villabela –o Coño– era membro do Comitê Central, a Comissão Política e chefe militar do partido. Também o SIFA capturou Víctor Bull –o “Melinka” – que era membro do Comitê Central e responsável pelos “pobladores” ou habitantes das favelas da periferia das grandes cidades; prenderam também o Roberto Moreno, “El Pelado”, membro do Comitê Central e da Comissão política; e a Luis Retamar, líder da Regional Santiago.

Enquanto eles permanecem detidos na Academia de Guerra aérea, é executa uma estranha negociação que envolveu, entre outros, o coronel Edgar Ceballos “Inspector Cabeças”, o segundo homem no comando da inteligência da Fach (Fuerza Aéra Chilena); o Bispo de Linares, Carlos Camus; Laura Allende, irmã do ex presidente Salvador Allende, e o máximo dirigente do MIR, Miguel Enríquez.

Aparentemente, o coronel Edgar Ceballos, através de intermediários, propôs a Miguel Enríquez a libertação para os prisioneiros da MIR em troca do cesse da resistência armada e o reconhecimento por parte da organização da sua derrota política.
Em outras palavras, Ceballos propunha que o MIR capitulara; a troca dessa concessão, os militantes miristas iriam receber indulto e poderiam deixar o país; a garantia era nada menos que o próprio coronel Edgar Ceballos. Toda essa negociação era apenas uma estratégia que permitiria à SIFA ganhar a “guerra interna” que existia com a DINA, algo parecido à guerra feroz combinada com os malabarismos, manobras  e negociações com as guerrilhas argentinas que o almirante Massera manipulava para se contrapor ao exército do ditador Videla. Se a proposta fosse aceita pela direção do MIR, o serviço de inteligência da força aérea (SIFA) conseguiria o seu maior sucesso.

Miguel Enríquez analisou a proposta e pediu à antiga congressista Laura Allende para visitar a Academia de Guerra, onde estavam os prisioneiros, para falar com o “Coño”; ela pediu ao bispo Camus que a acompanhasse. E, enquanto isto tudo acontecia à luz do dia, nos porões da AGA os prisioneiros discutiam a proposta. Mas, apesar do fato de que a negociação proposta pelos marinhos concedia a eles uma possibilidade de obter a liberdade, os dirigentes guerrilheiros a rejeitaram.

Depois que Laura Allende cumpriu sua missão e falou brevemente com Arturo Villabela –o Coño–, Miguel recusou a oferta. Em 10 de setembro de 1974 a Comissão Política do MIR refutava, oficialmente, todo o trato. E continuou a perseguição feroz à organização.
Nesse período, um dos objetivos do movimento foi o desenvolver uma subdivisão do trabalho para a construção de redes de apoio em áreas escolhidas do sul do Chile, para a “preparação de condições do que seria depois uma eventual futura operação de forças de guerrilha permanente”.

Continuará.

Javier Villanueva. Concepción, Chile, agosto de 2014.

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

"Veja" hoje, "Seleções do Readers' Digest" ontem. A mesma Guerra Fria.



Ideologia e propaganda. 

"Veja" hoje, "Seleções do Readers' Digest" ontem. 

A mesma Guerra Fria de sempre.

3ª e última parte

Leia a 1ª parte aqui: 
http://javiervillanuevaliteratura.blogspot.com.br/2015/02/a-revista-readers-digest-e-guerra-fria.html?spref=fb
E a 2ª parte aqui:
http://javiervillanuevaliteratura.blogspot.com.br/2015/02/o-novo-liberalismo-guerra-fria-e.html?spref=fb

A revista Seleções do Reader’s Digest, já comentamos antes, apresenta um caso de sucesso excepcional no mercado editorial. E é que a sua diagramação e conceito de revista é também uma verdadeira novidade. Ela consegue ser, ao mesmo tempo, um material para ser lido e colecionado como uma revista, e guardado, cuidado e “respeitado” como um livro.
Por muitos anos ela podia ser encontrada em salas de espera de clínicas, nos revisteiros de salões de beleza, e até em respeitáveis prateleiras de bibliotecas, junto com enciclopédias, ou obras clássicas, ou as melhores coleções de ficção científica.

Na abordagem dos conteúdos, a revista foi uma pioneira no tema –tão atual hoje na nossa classe média emergente- do mérito e a “meritocracia”; e para isto contou com redatores que relatavam o sucesso dos cidadãos norte-americanos comuns, que ficavam assim unidos com o leitor brasileiro, fusionados numa causa comum, o que sem dúvida muito contribuía para o alcance do interesse popular. É difícil apontar com certeza a existência de linhas tendenciosas e doutrinadoras em todas as reportagens, mas é importante registrar que aquela era uma situação de guerra e de grandes interesses em jogo. A revista Seleções atingiu sucesso no Brasil, e na América Latina, sobretudo nos anos de 1950 e 60, decaindo aos poucos nas décadas seguintes.
Essa mudança vai ser sentida no início de 1970 quando os escritórios da Seleções do Readers’ Digest se transferem definitivamente do Brasil para Portugal. 

A velha e insistente revista mensal brasileira Seleções do Reader's Digest foi, entre os anos de 1954 e 1964, uma publicação norte-americana que, baixo a responsabilidade da Editora Ypiranga S.A., se concentrou na propaganda ideológica pró-ocidente durante os longos e tenebrosos anos da Guerra Fria. Assoprando com força na intolerância política, podemos ver que as edições sempre percorreram dois caminhos paralelos. No primeiro, através da seleção para análise e discussão de aqueles artigos que veiculavam uma clara temática anticomunista, de modo de tomar alguns dos elementos das disputas entre os EUA e a URSS durante a guerra fria, e oferecer as representações ideológicas que os norte-americanos construíam sobre seu opositor. A revista tentava assim montar um imaginário popular que justificasse a superioridade da democracia e das liberdades no ocidente, em contra da tirania dos regimes comunistas.

A campanha anticomunista ostensiva que orientava as edições do Reader's Digest nos diferentes países, acompanhava a mesma formas e os alinhamentos da geopolítica da Guerra Fria, criando o “cordão sanitário de segurança” que os EUA promoviam como garantia de isolamento em torno dos países comunistas, tudo o qual negava e boicotava, de fato, qualquer tipo de esforço para uma efetiva coexistência pacífica. A discussão da intolerância política, desemboca necessariamente na questão dos direitos, e exige uma investigação mais profunda do aparato jurídico e político da época, dividida em dois momentos, antes de 1964, quando as direitas atacavam o governo constitucional de Jango Goulart, e durante a ditadura. Por isso, um outro caminho que se pode percorrer na pesquisa é a análise das relações entre a revista Seleções e o mercado brasileiro da imprensa e –semelhante à Veja de hoje e daqueles anos- ver as suas articulações com o mundo político e parlamentar, estudando por exemplo, os trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito -CPI n° 33/63- de julho de 1963 na Câmara dos Deputados Federais para investigar a atuação das revistas estrangeiras no país.

Sobre toda esta questão, vale a pena ler de J. Micklethwait e R. Wooldrige, “Uma nação conservadora”. Com relação ao tema, também é interessante a leitura de Hayek, em cujo trabalho “Caminhos da escravidão”, é possível ver sua notável compreensão dos mecanismos através dos quais o sistema pode gerar um consenso cultural e ideológico por meio da propaganda. Embora o texto critique a propaganda totalitária, a explicação que ele dá sobre a luta simbólica em torno do significado das palavras é muito interessante também.

A este nível, é também bom procurar a análise de Helmut Dubiel em relação à utilização Helmut Dubiel em relação à utilização da língua e das variadas linguagens. Em vários artigos, eles analisam também o uso do conceito “revolução” nas Seleções do Readers’ Digest em uma ação de desconstrução, com o intuito de transformação do mesmo e o esvaziamento do seu conteúdo.
Para resumir e finalizar, digamos que a revista apresenta dois tipos de artigos. Por um lado, as seções mais ou menos fixas e outras com ensaios, notas e livros sintetizados que dão o nome à publicação: já comentamos antes que “digest” em inglês, pode ser traduzido como “resumo”, e também por “digestão”, ou seja, um fast-food de ideologia.

Os primeiros oferecem uma variedade de contos humorísticos, sumários de notícias de qualquer área do conhecimento, específicos ou para rever pensamentos ou aforismos memoráveis. Essas seções são de uma leitura rápida, e são ideais para uma primeira abordagem à publicação. Em seguida, você pode aprofundar na leitura dos artigos mais longos. Estes, por sua vez, também tendem a carregar em suas páginas finais, uma ou mais piadas ou histórias curtas. De alguma forma, depois da agitação de uma leitura complexa, é um respiro, um alívio sutil que a revista dá ao leitor, como uma pequena pausa. Por estas características da revista, organizada a partir de uma multiplicidade de artigos e de seções diferentes, o que vemos ao abrir a publicação é uma resposta para a seguinte abordagem, como um emaranhado de temas das mais variadas naturezas.

Parece uma realidade fragmentada, que reproduz a divisão do mundo em parcelas que o leitor já tem legitimado em sua experiência cotidiana. Cada área aparece claramente definida e separada das outras, isolada e impedida de uma possível coesão mais globalizadora. A resposta a essa fragmentação do conhecimento, é a de evitar que o leitor seja capaz de intuir como se relacionam as contradições que de fato estão expressas nas diferentes questões abordadas nos artigos e, em consequência, para que as soluções levantadas apareçam como individuais e não como o que são, uma visão ideológica sistemática.

Ao levar o leitor a emular esse rol individualista, de progresso e de “mérito próprio”, afastado de qualquer vínculo social, a Seleções do Readers’ Digest acaba cumprindo assim, à perfeição, o seu papel moralista de veículo de reprodução da ideologia dominadora.

Alguma semelhança com a moderna Veja? Você decide.


Javier Villanueva. Santiago de Chile, enero de 1998.

domingo, 22 de fevereiro de 2015

O novo liberalismo, a Guerra Fria e Seleções do Readers' Digest. 2ª parte



O Brasil de 1964 e as Seleções do Readers' Digest
2ª parte

A enorme influência norte-americana através do discurso dirigido ao povo brasileiro pela revista Readers’ Digest, junto com o cinema, a televisão e os outros meios da época, virou um enorme canal de disseminação dos ideais do império do norte.
O discurso das ideias e as heranças da 2ª Guerra Mundial iam muito além das novas tecnologias que o império tinha a oferecer. O horror histórico das crueldades da guerra desta vez tinham passado todos os limites e era demasiado dolorida para a sociedade, e ainda apresentou, na sequência, uma nova cara num contexto em que as competições não cessavam, e ainda iriam a apavorar em pouco tempo com um medo maior: a ameaça nuclear, a guerra definitiva e final para a humanidade.

O clima de ameaças e de novos terrores da Guerra Fria ganha corpo e se perfila já nas primeiras manobras políticas, quando a URSS consegue sair do cerco alemão no seu próprio território e arranca rumo à vitória sobre o nazismo; o exército dos EUA decide entrar com toda a força na ofensiva na Europa e se levanta de imediato, ainda antes do término dos ataques finais, como uma clara alternativa inimiga do comunismo e das revoluções.

Os estados europeus, inclusive os que tinham saído vitoriosos, como a Inglaterra e a França, estavam seriamente debilitados pela guerra. Os países do Eixo –Alemanha, Itália e Japão- estavam definitivamente derrotados, e só duas superpotências se levantam no cenário mundial: os EUA e a URSS. Esse é o contexto e o ambiente da Guerra Fria como consequência direta da 2ª Guerra Mundial. 

Os EUA emergiam do conflito como os grandes beneficiados, já que, graças à guerra, reativaram e expandiram a industria, reintegraram a enorme massa de desempregados dos anos 1930, e sofreram poucas perdas humanas e quase nenhuma destruição material. Sua economia se tornou dominante, com quase 60% da produção industrial de 1945, reforçada pela destruição de seus rivais capitalistas, a Alemanha, a Itália e o Japão; e também pelo enfraquecimento dos seus aliados capitalistas –a França e a Grã Bretanha- que passavam a serem seus devedores. O crescimento do capitalismo norte-americano se devia então, em grande parte, à ruína dos outros capitalismos, aliados e rivais. A derrota do fascismo determinou o triunfo de um tipo de capitalismo moderno e cosmopolita com hegemonia dos EUA contra um outro capitalismo retrógrado de dominação social, e com grande inserção no mercado mundial.

Esse conflito ideológico, que causou pavor por meio da ameaça militar e nuclear, é o a Guerra Fria, entre o fim da 2ª Guerra Mundial, em 1945 e a extinção da União Soviética, em 1991. Alguns autores marcam o início da Guerra Fria no ano de 1947, já que aí começa o embate ideológico direto. Mas nem sempre o choque foi entre o capitalismo e o socialismo, já que o bloco socialista racha na década de 1960 e a China comunista se abre ao apoio norte-americano. Mas ele existiu entre as duas superpotências, a URSS e os EUA. Foi clara a superioridade econômica norte-americana, algo quase inevitável pelo seu papel durante o fim da 2ª Guerra Mundial, pela colossal produção industrial e as baixas perdas relativas nos combates. 

Desde que se generalizou a implementação das práticas políticas neoliberais na América Latina durante as décadas de 1980 e 1990, um dos enigmas intelectuais era o porquê do sucesso eleitoral que tiveram nesses vinte anos essas novas forças políticas, dado o seu caráter contraditório com as tradições e os postulados das correntes e partidos populares tradicionalmente majoritários, como o radicalismo e o peronismo na Argentina, para dar só um exemplo. Também resulta estranha a hegemonia conseguida em certos âmbitos acadêmicos e institucionais por parte dessa perspectiva intelectual liberal, e as suas premissas e postulados nos meios de comunicação de massas. E é já que nos anos 50, 60 e 70 se via claro que Wall Street e o Pentágono poderiam impor ao mundo, com ampla aceitação, a Pax Americana. As economias capitalistas apresentavam então um crescimento acelerado e contínuo, e o American Way of Life e a sociedade de consumo eram um padrão, um modelo a ser seguido, imitado e alcançado ou, pelo contrário, combatido.

A expansão do sistema capitalista liberal de exportação lembrava o clima triunfalista da “Belle Époque” imediatamente anterior à 1ª Guerra Mundial, um caminho que parecia ser reto, linear e ascendente, diretamente rumo a um futuro radiante para as sociedades ocidentais, debaixo do comando dos EUA.

A Guerra Fria não se limitou às duas superpotências polarizadas, nem apenas à Europa. O Terceiro mundo foi atacado por iniciativas de ambos os lados, sobretudo dos EUA. Os novos laços não foram poucos, por parte de nenhum dos dois blocos. A forte influência norte-americana não se limitou aos novos laços culturais, ao apoio militar ou a meras alianças políticas. A situação de hegemonia dos EUA em todo o âmbito mundial permitiu que eles estruturassem toda uma nova ordem mundial totalmente dentro do seu molde que era a sua muito particular Pax Americana.

A enorme hegemonia do capitalismo norte-americano no mundo dos anos 45 a 70 só encontra um paralelo histórico na do império colonialista inglês da metade do século XIX. No plano político-militar, os EUA mantinham vantagens talvez nunca tidas nem pelos britânicos nem por nenhuma outra potência: controlavam os mares, tinham bases aéreas e navais e exércitos em todos os continentes. Além d a bomba atômica e uma força aérea estratégica que podia chegar em poucas horas a qualquer ponto do planeta. No terreno financeiro e do comércio mundial, o dólar impôs suas vontades ao conjunto do capitalismo desde a conferência de Breton-Woods, em 1944, e da criação do FMI e do Banco Mundial. Ante a fraqueza das demais nações, o capitalismo dos EUA as fez tributárias de sua economia pelo uso do dólar como moeda quase única do comércio mundial.
Brasil e os EUA seguiram rotas muito diferentes no seu desenvolvimento durante as respectivas suas histórias para chegar a ser esses dois gigantes territoriais do hemisfério ocidental. Em 1824, dois anos após a independência brasileira, os EUA era o primeiro país a reconhecer o novo governo. Quatro anos mais tarde, o Brasil e os Estados Unidos assinaram um Tratado de Amizade, Navegação e Comércio.

Desde a independência brasileira, na qual os EUA cumpriram um papel favorável ao desmonte do colonialismo, vários outros laços se ataram. Muitos deles, no mesmo ambiente de 2ª Guerra, abrindo as portas para outros, que viriam no contexto da Guerra Fria, e baixo a ótica de outra nova forma de neocolonialismo, uma vez que a política econômica externa do Brasil aceita as teses multilaterais dos Estados Unidos, seja em Bretton Woods, em 1944, - na conformação do FMI e multilateral de comércio, baseado nas cláusulas de nação mais favorecida (NMF) e de tratamento nacional. Esses princípios deveriam guiar igualmente os arranjos relativos a investimentos estrangeiros, como intentados pelos Estados Unidos em Havana e Bogotá, em 1948, mas o Brasil e a maior parte dos países latino-americanos temiam então abrirem-se de maneira irrestrita aos fluxos de capitais privados, preferindo em seu lugar generosos esquemas de financiamento público, se possível no formato desinteressado do Plano Marshall. Por razões basicamente políticas, os EUA concedem, em algumas ocasiões certos acordos de sustentação de produtos primários, como por exemplo com o café e o açúcar no final dos anos de 1950, ou ainda em esquemas mais ambiciosos de financiamento multilateral, como viria a ocorrer por meio da criação do Banco Interamericano de Desenvolvimento, no final dessa mesma década”.

Os que impulsionavam as novas ideologias liberais rapidamente reconheceram as estradas que iria levá-los para o triunfo das suas ideias. Por um lado, geraram polos de desenvolvimento intelectuais e acadêmicos para poderem competir com a hegemonia alcançada pelo intervencionismo do estado e contra o velho liberalismo político nas décadas de 1950 e 1960, no mundo ocidental. Por outro lado, era necessário criar as condições para gerar uma ampla base social de apoio que permitisse a transformação “revolucionária” desta forma que eles achavam “perversa” do capitalismo, representado pelo estado benfeitor.

O ano de 1948 foi de um duro embate ideológico direto, e passou a marcar a presença da nova ideologia do imperialismo na mídia mundial com uma frequência maior. E é então quando a edição do mês de março da Seleções do Reader’s Digest vem já com uma reportagem com importantes considerações acerca da rivalidade crescente entre os dois polos em que o mundo se havia dividido. W. T. Holliday, presidente da gigante Standart Oil Company assina o artigo “Um Governo Para o Mundo”. Era o chefe da maior empresa petroleira de seu tempo, poderosa ao ponto de comprar a maioria dos seus concorrentes. No seu artigo, W. T. Holliday sustenta que tão somente um governo mundial teria a capacidade de salvar o planeta de um holocausto nuclear imediato. Começava uma nova era de terror. Os cientistas da época já falavam em bombas cem vezes mais poderosas que as de Hiroshima e Nagasaki e, como Holliday argumenta, o resultado desse embate seria mais do que catastrófico para a humanidade.
Mas, se paramos para olhar o curso histórico da humanidade, poderemos ver que a queda das fronteiras –tal como aconteceu no desabamento do Muro de Berlim e a derrubada dos estados pró-soviéticos do Leste Europeu, em seguida da própria URSS entre 1988 e 1991*- não iria significar para nada a criação de um mundo mais pacífico, uma vez que se sucederam centenas de guerras civis, muitas delas em territórios minúsculos da Ásia e da Europa Central.

Outra peculiaridade no discurso é a aparente defesa de uma argumentação tradicionalmente comunista, visto que Marx e Engels já professavam a queda das fronteiras, mas há ainda fatores a serem desenterrados no que diz respeito à abordagem. A Standart Oil Company of Ohio tinha por sócios fundadores ninguém menos que os irmãos John e William Rockefeller. É bem conhecido o discurso de “um governo para o mundo” por parte da Fundação Rockefeller, e nada tem a ver com a argumentação de Marx e Engels, bem como com o discurso pacifista e de aparente desapegada preocupação com o mundo de Holliday. Não cabe aqui, no entanto, concluir se há ou não tendenciosidade nas afirmações, e sim tentar captar, com olhos atentos e um mínimo de senso crítico, a mensagem que através delas vinha ao leitor.

* Os eventos da queda do  modelo do chamado Socialismo Real, sem derramamento de sangue, tiveram início na Polônia, prosseguindo na Hungria, e em seguida, a uma onda de revoltas normalmente pacíficas na Alemanha Oriental, Tchecoslováquia e Bulgária. A Romênia foi o único país do bloco do Leste, que derrubou o regime socialista violentamente e executou o chefe de Estado. Os Protestos na China, na Praça da Paz Celestial em 1989 não conseguiram mudanças políticas na potencia comunista oriental. Na Eslovênia, parte da antiga Iugoslávia, o mesmo processo começou em 1988, mas sem influência sobre outros países socialistas, exceto a vizinha Croácia.
Os fatos seguintes continuaram em 1990 e 1991 e são parte da mesma onda de revoltas de 1989. A Albânia e Iugoslávia deixaram o socialismo entre 1990 e 1991, e a última foi dividida em 5 estados em 1992: Eslovênia, Croácia, Macedônia, Bósnia e Herzegovina e República Federal da Iugoslávia (incluindo Sérvia e Montenegro). A URSS foi dissolvida no final de 1991, resultando na Rússia e mais 14 novas nações que declararam sua independência da União Soviética: Armênia, Azerbaijão, Bielorrússia, Cazaquistão, Estônia, Geórgia, Letônia, Lituânia, Moldávia, Quirguistão, Tajiquistão, Turcomenistão, Ucrânia e Uzbequistão.

Mas, voltando ainda ao início da Guerra Fria, lembremos a edição do Readers’ Digest de junho de 1949, que traz já um enfoque diferente, tratando da corrida armamentista entre as superpotências, e em particular, dos submarinos. O artigo títulado “De quem são hoje os melhores submarinos?”, de Fletcher Pratt, escritor de história e também de ficção, conhecido pelas suas obras sobre a Guerra Civil norte-americana e história naval dos EUA. A preocupação com os submarinos tinha seus porquês já que ao término da 2ª Guerra Mundial não apenas os EUA tiveram acesso à sofisticada ciência e tecnologia dos derrotados nazistas, mas também a URSS, e entre as descobertas que foram levadas para casa pelos soviéticos estava o submarino “Tipo XXI”, um modelo inovador que permitia maior velocidade e mais tempo de imersão. Mas ainda antes da chegada da tecnologia nuclear, os submarinos já eram bastante relevantes na paisagem militar; só que depois do “Tipo XXI”, passou a ser uma das armas mais importantes, cujo desenvolvimento implicou em altíssimos investimentos por parte de ambas os protagonistas da corrida da Guerra Fria. 

Os mísseis intercontinentais não existiam ainda, o que fazia do submarino “Tipo XXI” o veículo mais eficiente para um ataque eventual de mísseis, e se a URSS realmente tivesse aperfeiçoado essa temida arma de guerra nazista, os EUA teriam muito com o que se preocupar em caso de um enfrentamento armado.
A corrida armamentista levou aos governos e nações do mesmo lado no conflito à união através de um único ponto em comum, que era o mesmo inimigo a enfrentar.

Um artigo de destaque na edição do Readers’ Digest de agosto de 1949 proclama “Já se sabe como é a bomba atômica”. Na corrida armamentista, a bomba atômica foi por muito tempo o tema principal. O artigo faz todos os cálculos sobre o que poderia acontecer no caso de uma guerra, e quais seriam os pontos que os soviéticos escolheriam como alvo, e que medidas poderia o governo (mundial dos EUA) tomar em tal caso. A reportagem não foi publicada por acaso, mesmo porque a tecnologia da bomba atômica era iminente de ser alcançada nesses dias por parte da URSS. Em agosto de 1949, mesmo mês da edição mencionada, os soviéticos realizam seu primeiro teste nuclear com sucesso.
A bomba era a RDS-1, ou “Joe-1”, como a chamaram os norte-americanos, numa referência ao líder soviético Joseph Stalin.

O artigo “Armas Modernas e Homens Livres”, publicado na edição de junho de 1950 é de Vannevar Bush, influente político durante a 2ª Guerra e a Guerra Fria, conhecido pelo seu papel burocrático no desenvolvimento da bomba atômica, que foi por muito tempo o foco das preocupações na corrida armamentista, mas nem por isso a única. Embora ameaçadora, a bomba nuclear dependia de outras tecnologias militares para ser efetivamente usada, tal como ocorria com os submarinos antes mencionados. Aquele Bush –que não parece ser parente dos dois, pai e filho, que seriam presidentes nos anos 80 e a finais dos 90- faz a análise da situação militar com dados das tecnologias que incluem os bombardeiros, os foguetes intercontinentais, -que eram por então ainda inviáveis-, submarinos, aviões caça submarinos e outras armas, mostrando a importância deles no momento e nos possíveis combates futuros.

Tais assuntos eram de grande preocupação não só para a enorme população dos EUA e a URSS, mas para a de todo o planeta, e por isso, a edição de dezembro de 1950 do Readers’ Digest faz um questionamento de interesse geral: “Como se educa na Rússia”, de O. Anisimov. A imagem do inimigo tem que ser mostrada, e o autor acha bom que se conheça a natureza do perigo com o qual estão lidando.

Anisimov é um ex-professor da Letônia que, em 1940, quando ocorreu a ocupação russa, foi mantido no corpo docente e teve contato com os professores vindos de Moscou e viu de perto a pedagogia soviética e seus resultado. Apoiado na sua vivência, O. Anisimov retrata  uma Rússia tiránica e dominadora, que pressiona os educadores para que ofereçam aos seus estudantes um “vácuo intelectual”, onde Stalin fosse a única autoridade possível, eliminando as religiões, que os comunistas mostravam como irreais, ofensivas e prejudiciais. Segundo Anisimov, os livros eram censurados e substituídos por uma literatura pedagógica de apologia ao estalinismo.

O “Curso Sobre a História do Partido Comunista Russo”, era mencionado por Anisimov como um “livro imbecilizante”. O autor conhecia, sem dúvidas, o condicionamento existente também na educação norte-americana, e sabia também que a URSS havia investido enormes esforços nessa área. Nas palavras duras do ex-professor para o mundo soviético, alguns elementos são reais, como a existência do livro “Curso Sobre a História do Partido Comunista Russo”, a doutrinação a favor do socialismo científico e o ateísmo militante, entre outros.

Na edição das Seleções do Readers’ Digest de março de 1951 começa a usar um recurso diferente: a narrativa. “Aí Vem o Camarada!”, escrito por Alexandra Orme - pseudônimo que ela usa para proteger parentes que ainda vivem na URSS- que mais tarde lançou um livro com o mesmo nome- descreve em detalhes sua vida entre os soviéticos durante a invasão russa na Hungria, e na época da ofensiva contra a Alemanha no fim da 2ª Guerra Mundial. Os russos são retratados como não totalmente maus, o que dá ao texto um quê de imparcialidade; mas eles são pintados, sim, como o suficientemente corruptos para que cometessem com certa frequência crimes atrozes. Um recurso para aquela população que queria conhecer melhor o ameaçador inimigo ao qual faziam frente.

Nessa mesma edição lemos “Armas Para o Mundo Livre”, um outro artigo de Vannevar Bush. “Mundo Livre” é uma mote recorrente ao referir-se aos povos baixo a influência e a liderança norte-americana, também chamado “bloco capitalista”. Os cidadãos do regime rival pintados como escravos num sistema cruel e opressor são uma característica comum, tanto a capitalistas como aos comunistas. No artigo de Bush se analisa a situação norte-americana na corrida armamentista e se propõe o que fazer para vencer e proteger o chamado “mundo livre”. Os EUA tinham bons resultados nas novas tecnologias, mas não iriam se descuidar do inimigo, já que a URSS mostrava um forte desenvolvimento tecnológico e crescia nas suas influências.

Walter Lippmann, conhecido escritor, jornalista e comentarista político estadunidense escreve “Guerra Total e Coexistência” e expressa uma das perguntas mais inquietante daqueles anos: que traria o futuro? Poderá haver coexistência pacífica entre EUA e a URSS? Hollyday e Lippmann propõem como solução um desligamento total das relações entre as superpotências, algo assim como um divórcio, já que para ele o “casamento” da coexistência pacífica era utópico. A alternativa para fugir dos desastrosos resultados de um confronto real era essa. Ambos os lados falavam em paz, mas a ameaça alheia era o que prevalecia nesses primeiros anos de Guerra.


A revista Seleções do Reader’s Digest foi um dos braços mais fortes dos EUA durante a Guerra Fria, com um papel importante na cultura como formadora de opiniões. Suas reportagens e artigos levavam aos leitores brasileiros e de todo o mundo capitalista informação e os faziam discutir –do ponto de vista dos EUA, é claro- a preocupante situação de conflito que ocupava a quase todo o planeta.

Continuará.
JV, São Paulo, agosto de 2012.

sábado, 21 de fevereiro de 2015

O Readers’ Digest e a Guerra Fria



A revista Readers’ Digest e a Guerra Fria.
Ou, a vanguarda pedagógica do neoliberalismo na América Latina na década de 1960.

Quando falamos hoje -2015- do Instituto Millenium, e dos escribas como Reinaldo Azevedo, Pondé, Mainardi, Villas, e outros tantos jornalistas, historiadores e artistas que levantan de modo cada vez mais agressivo as bandeiras do liberalismo, numa defesa ardorosa do sistema capitalista, no posso deixar de me lembrar da velha Seleções do Reader’s Digest.

A revista nasceu nos EUA de uma ideia brilhante que teve o norte-americano Witt Wallace, de Pleasantville, Nova York, em 1918, quando tratava dos ferimentos sofridos durante a 1ª Guerra Mundial. O conceito previa juntar os melhores artigos e os mais úteis que já tivessem sido publicados por diversos autores numa obra única, com um texto sintético, cuidando de não perder nem o conteúdo nem a graça do texto. O projeto do Wallace foi rejeitado pelas grandes editoras da época, e então ele lança por conta própria, em 1922, a 1ª edição da Reader’s Digest, que cresce rapidamente em grandes proporções nos EUA. Vinte anos depois, chegaria ao Brasil e à América Latina, com o nome de Seleções aqui e Selecciones no resto do subcontinente. Na década de 1960, a Seleções do Reader´s Digest foi uma das revistas de maior projeção na América Latina, o que a tornou uma ferramenta essencial da disputa ideológica no contexto da guerra fria.

Na Terra Brasilis a revista foi um sucesso imediato e estrondoso. A primeira edição em português esgotou com 100 mil cópias vendidas muito rapidamente. A início dos anos de 1970, a tiragem da Seleções do Reader´s Digest alcança o meio milhão de exemplares. Limitada até então a traduções de textos estrangeiros, a Seleções teria, em 1997, seu próprio núcleo editorial brasileiro.
No convulsionado século XX, o Reader´s Digest cresceu até proporções gigantescas, levando notícias, informações e, sobretudo, as suas opiniões às populações daquela metade do planeta que tinha ficado debaixo da influência norte-americana, especialmente depois da 2ª Guerra Mundial, entrando ao galope no período de Guerra Fria. Foi uma revista de forte visão e postura internacional, considerada de forte impacto ideológico no século XX. É a revista há mais tempo em circulação o Brasil e a segunda maior publicação da história editorial do país.

O Brasil, como todo e qualquer país capitalista dependente e em pleno desenvolvimento sentiu, já à partir dos anos de 1930 do século passado, o impacto da influência americana. A penetração econômica e militar bateu em cheio na superestrutura da sociedade, modificando costumes e hábitos, mudando ou simplesmente trocando os padrões de comportamento, e até a própria linguagem, que como todos sabemos, é uma das expressões diretas e mais claras da consciência, que é nada menos que o nosso olhar, ouvir e sentir da realidade.

O cinema introduziu –junto com os arranjos de bananas e abacaxis da Carmem Miranda nos filmes norte-americanos em que participou- a mentalidade da guerra, a ideia do heroísmo individual, sempre encarnado pelo herói norte-americano, seja ele um soldado, detetive, advogado ou cowboy. Logo em seguida, aparecem com força os “comics”, as histórias em quadrinhos, com seus Super-Homem e Capitão América, tirando de vez da consciência do cidadão brasileiro de classe média –o “remediado” dos anos 45 a 70- aquele herói nacionalista e histórico que curtem os seus vizinhos latino-americanos. O herói não é mais alguém que se entrega pelo bem comum, social,  e sim um triunfador com super-poderes que se esforça pelos EUA. É o símbolos do bem, do American-way-of-life, que encobre com sua pureza lúdica e fantástica do “comic”, a ideologia da violência brutal, a mitologia do capital financeiro.

O soldadinho de chumbo, e o índios e cowboy, são trocados pelo soldadinho de “material plástico”, por revólveres e metralhadoras “infantis”. As crianças de classe média do fim da guerra viviam como nos filmes e nos “comics”, mascando chicletes (ás vezes com banana) e bebendo Coca-Cola e Crush em graciosas garrafinhas de vidro. As mocinhas da pequena-burguesia e das classes médias ganhavam maior liberdade, fumavam e trocavam as saias pelos shortinhos e calças, mesmo que às vezes tivessem que mentir à mãe que iam estudar quando na realidade saíssem a namorar. Jovens homens e mulheres ouviam jazz, dançavam swing e blues. O rádio impunha de um modo irrecusável a música norte-americana, que de repente passou a ser apenas “americana”.

Desde Hollywood chegavam as normas e os ideais de comportamento e de beleza. Na direção contraria à da Carmem Miranda, passaram pela Patropi o Douglas Fairbanks e Orson Welles, que como tantos outros astros e estrelas da constelação do cinema hollywoodiano, venderam a guerra e promoveram a imagem dos EUA como uma mercadoria de grande prestígio.


Os primeiros anos depois da 2ª Guerra Mundial, e terminados de modo brutal –duas bombas atômicas- os combates contra o Japão, com as poderosos, porém debilitados estados europeus, só duas superpotências brilham no cenário global: os EUA e a URSS, que iniciam, em larga escala, um longo conflito ideológico e de competição pela influência no mundo ocidentalizado, mas também nas regiões mais atrasadas do planeta. O período da Guerra Fria foi de importância histórica global, pois a corrida econômica, armamentista e política entre os EUA e a URSS era também cultural e ideológica, e moldaria o cenário mundial de um modo definitivo. A influência e a preponderância norte-americanas foram inquestionáveis, e impostas ao mundo capitalista de um modo inegável. 
A propaganda de guerra se fez ver no cinema, na TV, rádio, e jornais e nos outros meios de comunicação. Das revistas, entre as que se destacava -com um alcance maior que qualquer outra naqueles tempos- a Seleções do Reader’s Digest, era a mais lida de todo o século XX, com tiragens sem precedentes. Por meio dela os norte-americanos, argentinos, brasileiros e os cidadãos das classes médias do mundo capitalista sabiam da guerra e formavam suas opiniões e concepções em base aos padrões globalizantes da revista do  Reader’s Digest

Continuará.

Javier Villanueva. San Fernando do Vale de Catamarca, janeiro de 2015.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

1973. Neruda y Salvador Allende



“El país esta tan indefinible como lo ha sido siempre. Los momios han llegado a una insolencia rayana en lo criminal. Aquí no escuchas sino radios de derecha, insultando afiebradamente al Gobierno y reclamando libertad de expresión. Todas las querellas judiciales del Gobierno, contra estos desacatos, van a parar al tacho de la basura, depositadas allí, por nuestro aparato de mal llamada justicia”.
Esta no es la descripción de una situación actual, sino que tiene más de 40 años, aunque se parezca a más de una pintura de los días de hoy, con las diversas amenazas a la democracia que vivimos.
En el ocaso del poeta, las cartas de Pablo Neruda -enfermo de cáncer- al amigo y escritor Jorge Edwards, reflejan una cierta ingenuidad, mezclada con un voluntarismo casi ciego. Neruda está en Isla Negra, con su mujer, Matilde Urrutia, quien lo mantiene a su lado, aislado dentro de un cerco protector. No le cuenta la verdad del mal que lo mata de a poco, y que Neruda piensa que es reumatismo. Tampoco lo deja enterarse de los graves ataques de la derecha contra el gobierno popular.
“Nuestro aparato de Contraloría se encarga de rechazar lo que manda el Gobierno y el Congreso, de atajar todo lo que se quiere hacer”, dice Neruda, que pese a todas las señales que gritan sobre un desenlace trágico, el autor de "Residencia en la Tierra" se niega a ver, y se muestra porfiadamente optimista en esta carta que permanece en la Universidad de Princeton.
“En cuanto al desabastecimiento, lo que te conté en la carta anterior, sigue igual, aunque algo mejor. Todo el mundo se las arregla para las vituallas, mientras los momios practican el acaparamiento en forma gigantesca”. Es que, según cuenta Jorge Edwards, Pablo Neruda, al llegar de vuelta a Chile, se dejó vencer por el optimismo y trató de no ver los nubarrones negros que se avecinaban sobre el país.
“Aquí los momios están resentidos como caballos de circo, asustados del tigre popular. Sin embargo, hay conciencia y se va ganando firme”, escribe el autor de “Veinte Poemas de Amor y una Canción Desesperada” el 14 de abril de 1973.
“La CIA inundó de dólares el país, para apoyar el Paro Patronal y esa divisa bajó en bolsa negra”. Testigos de la amistad entre Edwards y Neruda, las cartas reflejan el voluntarismo final del poeta, que llegando a Chile en 1972 y aun viendo el clima de 1973 se negaba a aceptar el mal pronóstico que amenazaba a la Unidad Popular, lo que iba paralelo a  la ignorancia frente a su grave enfermedad, que era más que evidente para sus amigos.

El 11 de septiembre de 1973, el golpe militar de Pinochet terminaría con el sueño de Neruda y con la vida de su amigo y camarada de años de lucha, el presidente Salvador Allende, y hundiría al pueblo chileno en una noche de atraso y muertes, cárceles y torturas, desempleo y hambre, hasta marzo de 1990.
Pablo Neruda muere en Santiago el 23 de septiembre de 1973, a escasos 12 días del golpe asesino contra su amado pueblo chileno.


Javier Villanueva. Santiago de Chile, enero de 1998.

sábado, 14 de fevereiro de 2015

O macaco bugio-ruivo. Crônicas do Pepito


Decrepitude.

O homem comenta, distraído: 

- Que estranho, nunca tive taquicardia antes.
O filho responde: 
- Sim pai, mas você também nunca teve 64 anos antes.


Bíceps amolecendo,
abdominais, nem se fala,
tríceps idem,
esternocleidomastoideo, com rugas,
Visão boa, mediante óculos.
Gosto, paladar e mastigação, ok, via implante dentário.
Imaginação a mil, sim: a carne dura, a pele escura.
Sabedoria? pouca: só sei que não me lembro bem do que sabia.
Conhecimento? o suficiente pra sobreviver, viver em conta-gotas.

- Mas, Pepito, será que você não está exagerando? Não será só uma crise passageira? sei lá.-

- Pode ser, sim. O urologista diz que estou nota 10, ou 7, me foge à lembrança. A oftalmologista jura que a minha vista é jovem: entre 55 e 58 anos no máximo. Oortopedista assegura que chegarei aos 101 com corpinho de 80, 85. O cardiologista só sugere não assistir mais os jogos da copa. E a minha psiquiatra diz que estou no ápice da produção intelectual, mas que depois dos 64, 65,começa a decrepitude.

- Isso só se resolve ao jeito da Violeta Parra: volver a los diecisiete, não acha doutora?.
- Ok, mas cuidado, não exagera na dose!
- Eu sei, doutora, nem tão petralha, nem tão tucano, mas bem peemedebista, eu sei.


O estranho que mora no espelho

-Ok, tá, reconheço: às vezes me surpreendo ao ver a pessoa que habita no meu espelho, sim - diz o Pepito e me olha muito sério enquanto esquenta a chaleira para o chimarrão.
- Mas juro que, embora possa não parecer, não me preocupo demasiado por essas coisinhas tolas, como o frio que corre nas minhas costas quando penso o tamanho do caminho percorrido e o pouco que ainda falta caminhar: um 20, 25% do total? qui lo sá!
- Mas, e quem determina esse total, Pepito? 
- Pois eu, eu mesmo, é claro. E também não fico muito tempo olhando para o espelho. Mas não trocaria nada, nada mesmo, por uns poucos cabelos brancos a menos, ou por uma barriga mais planinha. Assim tô bom, e bem. E quem me tira o sonhado?
- Fica calmo, Pepito. Isso passa- digo e me despeço do velho amigo. A garoa está começando a cair e ainda posso perder o tren das onze.

Comprando remédios


- Nem eu me aguento, juro. Estou chato, eu sei, mas olha só- diz o Pepito e eu não sei se acreditar nele ou não. 
- Olha só, vou pegar um remédio na Voluntários da Pátria ao 7800, entre os saguis e os saruês, uns cem metros pra lá dos jacus e os tucaninhos bons, sabe?
- Sei, Pepito, e daí? o que foi dessa vez?
- Chego lá e a medicação, encomendada por telefone, não estava. Ninguém sabia de nada. Medicação? o que é isso? se eu tivesse pedido duas pedras de crack o pessoal da farmácia não iria se surpreender tanto. 

- E então, Pepito?

- Compro um barbeador, saio da farmácia e ligo para o número em letras garrafais atrás da nota fiscal: LIGUE 4003.3393. Por favor, qual a filial mais perto da Cantareira? 

- Não tenho endereços! - ruge a tendente do suposto SAC.

- Mas, moça, como assim? vocês não são da central de informações da Famosa Rede de Farmácias? 
- Não temos endereços!! - repete grunhido a robot humana, já mais indignada com a minha insistência.
- Ok, desisto e procuro por minha conta. Paro o carro e um pedinte me aborda. Os pedintes sempre me abordam: 
- Tem um dinheiro pra eu comer, amigo?
- Não, dinheiro não, mas te ofereço um almoço, ok? espera eu sair da farmácia.

Meia hora depois, e ainda sem o remédio na mão, saio pra procurar a Outra Rede Famosa de Farmácias & Drogarias, e lá o pedinte me esperando:
- E o que você fez Pepito?-
- Fui na lanchonete da esquina com ele, aquela que fica debaixo da árvore dos bugios-ruivos, sabe?
- Sei Pepito, sei, e daí?
- O senhor pedinte, uns 55 anos, me encara e fala: pode ser um McLanche Feliz?
- Pode, pode - suspiro e concedo.
- E um Cheddar Mc Melt, também pode?
É o que eu sempre digo, o Pepito é ateu, e é chato, mas se Deus existir, com certeza ele vai ser o primeiro comunista e ateu a sentar à destra do Santo Padre. E não pela caridade, não, pela paciência!

Javier Villanueva. Mairiporã, fevereiro de 2015.

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Crimes misteriosos e crianças irresponsáveis.





Pepito andava feito um louco atrás do anjinho roliço. Você sabe bem a quem estou me referindo, -porque assim como ele, o Pepito, tinha absoluta certeza que tarde ou cedo o acharia por aí- quase todo mundo, quem mais, quem menos, já teve a sorte ou o azar de encontrá-lo.
O anjinho anda armado e é perigoso, dizia ele. E, ao contrário dos criminosos supostamente mais letais, o tal querubim, segundo contava o Pepito, não respeita nem mulheres ou crianças, nem jovens ou mortais mais velhos. E se isso não bastasse, o danado quase sempre atira para matar, bem no meio do peito, na contramão, e oculto na calçada oposta à sua.
Se alguém o encontrasse por aí –insistia o Pepito- é bom ficar alerta, para não ser enganado por sua aparência inocente e fofinha. Convêm sempre entrincheirar-se num lugar seguro e nada de sentir afetos, simpatia, inclinação ou apego, nem quaisquer considerações amolecidas de tipo nenhum. E é sempre bom fixar o olhar nele, sem hesitação, até que o pequeno anjinho de cabelinhos loiros e encaracolados guarde o arco e desapareça. Ou você estará bem ferrado.
Poucas semanas se passaram depois desta conversa desvairada do Pepito, e crimes misteriosos começaram a se repetir pela cidade toda. Nenhum deles foi esclarecido, mas sempre foi achado, na cena do crime, o mesmo bilhete: "Quem teria sido tão irresponsável de entregar um arco e uma flecha que supostamente daria o amor perfeito, a uma criança?”.

Muitos anos depois, numa visita no cadeião de Pinheiros, o Pepito me disse, muito baixinho para que os guardas não pudessem ouvi-lo, e com um olhar perdido, -“Como seria de tão pouco útil com sua obra o anjinho, que nem se deu conta que estava sendo seguido por uma mulher ou um homem, sei lá, alguém ferido pelas repetidas falhas de alguma das suas flechas irresponsáveis”. O Pepito não parecia estar lá muito bem das ideias.

Javier Villanueva. París, setembro de 2005

sábado, 7 de fevereiro de 2015

La Hormiguita. Parte 2. Delia del carril y Neruda



El 18 de Julio de 1936 comienza la Guerra Civil Española, en la cual fue asesinado García Lorca, lo que causó profundo impacto en el ánimo y en la poesía de Pablo Neruda. Es por entonces que inicia “España en el corazón” Su actitud de compromiso con la república derrotada ló lleva a ser destituido de su cargo consular. Se va a Valencia y luego a París, desde donde organiza y dirige, con Naney Cunard, la publicación “Los poetas del mundo defienden al pueblo español”.
Pero no es de Neruda que vamos a hablar, y sí de Delia, su mujer. 
J.V.

La Hormiguita. Parte 2.

En las páginas que van de la 33 hasta la 37 de los "Testimonios sobre Delia del Carril", que hojeé con extrema curiosidad en el Boletín Primavera de 1991, que me prestaron en la Fundación Pablo Neruda, me entero de algo que ya me había sospechado muchos años atrás, cuando recién llegué a Brasil, leyendo en las entrelíneas de "Confieso que he vivido", la autobiografía del escritor chileno. Y es que Luis Enrique Délano, -el marido de la autora de las 4 páginas a las que me refiero-, fue nombrado secretario de la Cónsul General de Chile en Madrid, en 1935, que era nada menos que la autora que ganó el otro Premio Nobel chileno de literatura, la querida Gabriela Mistral. La poetisa, que vivía sin sueldo ni apoyos de ningún tipo en España, tuvo la muy mala suerte de perder una larga carta personal en la que se quejaba de su vida y de la gente española –que fue publicada en la prensa chilena-, lo que le trajo como consecuencia el traslado inmediato a Portugal y la ira de los españoles.
Todos sabemos bien que aquella fue una época hermosa en la historia contemporánea de España. Era el pequeño Siglo de Oro, así llamado porque la República había desatado de algún modo -que no tenía que ver solo con lo político o cultural, pero sobre todo con lo social- todas las amarras de la vida, y era una fuente de estímulos para una generación brillante de intelectuales y de artistas de todos los géneros y estilos. Algo parecido al clima de renacimiento que había tomado la Berlín del tiempo de la República de Weimar, en medio de conflictos sociales y soluciones provisorias que también en la Alemania de los años 1919 y 1933 terminó en una durísima derrota del pueblo, de sus partidos de izquierda y las artes populares con la asunción del nazismo.
El chileno Morla Lynch, que oficiaba de primer Consejero de la embajada de su país, tenía la rara virtud de lograr juntar en su casa madrileña a las grandes figuras de la literatura y la plástica. Sus reuniones -que todavía se llamaban tertulias- eran de un atractivo irresistible; y es que allí se leían libros -poemas o novelas inéditos- y se adelantaban las obras de teatro y ensayos que de algún modo irían a exponer las grandes ideas de la época. 
La vida social era una fiesta, como contaría más tarde Hemingway cuando pinta un clima parecido en la que era la capital de la literatura norteamericana hacia 1920, La multitud de invitados y curiosos en la casa de Morla Lynch repetia esa generación perdida, no era más que un grupo de jóvenes artistas con todas las secuelas de haber sobrevivido a la 1ª Gran Guerra, el hecho histórico más grande de la época. Allí se la encuentra por primera vez a Delia del Carril, una chilena que parecía conocer a todo el mundo de las artes y las letras, y que era cortejada por muchos escritores, poetas y pintores que luego serían famosos. Ella se dejaba querer y es que por aquel entonces estaba de cabeza dedicada a una solidaridad sin límites con los muchos artistas que pasaban por serios aprietos económicos.
Delia se empeñaba en juntarles algún dinero, ropas y remedios.  Por eso fue que alguien la bautizó entonces como "La Hormiga" y seguro que no fue Neruda el autor del apodo porque ya la llamaban así antes de que el poeta chileno apareciera por Madrid, cuando la capital castellana todavía era una fiesta a la moda Hemingway.
Cuenta Lola Falcon, autora de algunos de los testimonios de estas 4 páginas, y lo confima el poeta español Rafael Alberti, que Delia le preguntó un día a Lola, la esposa de Luis Enrique Délano, al que mencione más arriba -¿Lo conoces tú a ese tal Pablo Neruda?-. Y la verdad, escribe Lola -mujer del secretario de la consulesa Gabriela Mistral- es que no era mucho lo que ella podría contar sobre él en aquel entonces. Recién cuando empezaron a frecuentarse en sus tareas del consulado es que se hicieron amigos.
Neruda, por lo que parece, venía marcado por sus años solitarios en la lejana Asia, entre India e Indonesia. El poeta hablaba poco, y además era muy ordenado y serio en la rutina de sus funciones. Por aquella época lo acompañaba su mujer, la holandesa María Antonieta Hagenaar –la Maruca- que era de alta y desgarbada según el ojo crítico de las mujeres de su entorno, y encima, hablaba muy mal el castellano. Maruca, la holandesa, y el escritor habían tenido una hija. Malva Marina se llamaba la niña, y muy pocos la conocieron porque, como luego se supo, padecía una enfermedad grave e incurable, de nacimiento.
Pablo Neruda y Delia del Carril se conocieron en un restaurante, en uno de los tantos almuerzos que a cada tanto se ofrecían para celebrar el lanzamiento de algún libro, una obra de teatro, algún premio literario o el cumpleaños de una amiga o amigo escritor. No eran todos los que sabían que Delia no era chilena, y si argentina, cuñada del escritor  Ricardo Guiraldes, y que había estudiado pintura en París, además de ser divorciada, lo que no era muy común en aquella época. Nunca hablaba demasiado de sí misma y casi siempre se la veía muy comunicativa y aparentemente alegre.
Fue una vez u otra –dicen los testigos que relatan las páginas del Archivo de la Fundación Neruda- a tomar el té de la tarde con la consulesa Gabriela Mistral, que vivía su época de infierno en Madrid, aunque nadie sabe si la amistad entre ambas mujeres pasaría más allá de las puras formalidades.
Cuentan también que fue una sorpresa para todos, sobre todo en un grupo tan variable de artistas e intelectuales, ver a la Hormiguita vinculada a Neruda sentimentalmente. Y creían al comienzo que debía tratarse solamente de una amistad literaria, pero más tarde, cuando empezaron los bombardeos de los militares sediciosos sobre Madrid, los diplomáticos y parte de su trupe de amigos –entre ellos Pablo Neruda y el marido de la autora de las memorias que leí en la Fundación- tuvieron que trasladarse a Barcelona. Les dieron un salvoconducto a todos, y Delia también se fue a Cataluña junto con el grupo de intelectuales y diplomáticos.
Al llegar a Barcelona, alquilaron un departamento en el que vivían todos juntos, y por cierto un tanto hacinados. Comían en lo que había sido una elegante mesa de billar que, al parecer, había sido de Tulio Maqueira, que fue el primer embajador de Chile en Paraguay, cuyo hijo alcanzaría el grado de Ministro Consejero, el más alto de la carrera diplomática chilena.
El grupo, –generalmente alegre, pero ahora más concentrado por causa de la guerra– cocinaba para unas ocho personas que a veces llegaba hasta más de quince, y entre ellos estaban Manuel Altolaguirre, Santiago del Campo y Raúl González Tuñón. Todos estaban muy inquietos por los acontecimientos, pero todavía con la seguridad de que los republicanos se impondrían a los sublevados fascistas.
Cuentan los comensales del extenso grupo que algunos pocos de ellos recién se dieron cuenta de la relación que iba afianzándose en la pareja de Pablo y Delia, cuando un buen día se encontraron con las chinelas de ambos debajo de una de las camas de la casa. Dicen que todos fueron muy discretos, y simplemente esperaron que ellos mismos se animaran a comunicar oficialmente el romance. Delia por fin, se los confidenció, pero sin darle mayor importancia al asunto.
La primera preocupación de todos los que vivían en España entre 1936 y 1939, era el drama cotidiano de la guerra y lo que ya se veía venir durante el primer año como el avance lento, tenaz y, por lo tanto, incontenible de los sublevados. Sufrían con los crímenes horribles de los que eran víctimas principales los obreros, campesinos, intelectuales e incluso aquellas autoridades, civiles o militares, que se mantenían leales a la república. Ya por entonces habían asesinado a Federico García Lorca, y nada se sabía del destino del escritor Miguel Hernández y de tantos otros amigos queridos del grupo.
Por fin, cuando la situación en Barcelona se hizo insostenible, Delia y Pablo se marcharon rumbo a París. El casamiento del poeta con la esposa holandesa ya parecía totalmente disuelto y Delia, definitivamente, era su nueva compañera.
No era nada difícil descubrir la influencia decisiva que Delia tenía sobre el escritor. Por aquel entonces, ella se mantenía como una atractiva mujer de unos 50 años, con ideas muy claras, y con un compromiso de izquierda, revolucionario, muy definido. La gran mayoría de los testigos de ese inicio de romance piensan que ella fue muy importante en el giro ideológico y de posiciones políticas de Neruda, en el que fue decisivo, lógicamente, también la dramática experiencia española. A ambos lês afectaba la visión del aniquilamiento de la República, de las fuerzas revolucionarias que se habían levantado, sobre todo en Barcelona, y de la interrupción de la democracia amplia y total que se había vivido desde la caída de la monarquía, y todo esto visto como un preludio, un verdadero ensayo trágico de lo que vendría en seguida, a continuación y sin tregua, la Segunda Guerra Mundial.
Otra vez en Chile en 1940, cuenta Lola Falcon, la esposa de Luis Enrique Délano -el secretario de Gabriela Mistral que mencionábamos al principio-  parecía que los destinos del grupo estaban amarrados. Durante algunos meses compartió la pareja del diplomático su casa en Santiago con Delia y Neruda.
Fue entonces que el poeta y su nuevo amor  hicieron una  primera visita y exploración a Isla Negra, en busca de un lugar junto al mar. Fue allí que se encontraron con dos  casas construidas por el español Eladio Sobrino. Una de ellas la alquilaron para pasar los finales de semana. Ese fue el comienzo de la residencia en Isla Negra. Pero poco más tarde, Pablo fue llamado para una nueva misión consular, esta vez en México, y Luis Enrique Délano tuvo que acompañarlo para cubrir las mismas actividades que había cumplido en España, antes de la Guerra Civil.
En México las dos parejas tuvieron una convivencia aún más estrecha. Pablo Neruda no se apartaba ni un minuto de Delia. Ya había explotado el horror de la 2ª Guerra y desde la capital azteca seguían con ansiedad la resistencia gloriosa del pueblo soviético en Stalingrado, las luchas clandestinas de los guerrilleros “maquis” en pleno París contra la ocupación alemana, y los avances que parecían imparables de las tropas del Tercer Reich en medio de la devastación de Europa. Todos en la muy original micro familia formada por las dos parejas tenían una plena y total identidad de ideas. Y cuando Delia pintaba, aunque les decía que era solo una aficionada, a todos les parecía que tenía una fuerza enorme, y un sentido único de la belleza del color, a la que se entregaba como um mudo de huir de los horrores de la época.
Cuando el diplomático que en Madrid había sido secretario de la entonces consulesa Gabriela Mistral -el mismo Luis Enrique casado con la que nos cuenta estas historias- se fue como cónsul a New York, Neruda decidió cerrar su carrera diplomática y volvió a Chile. Quería zambullirse en la política y ser candidato a senador por el Norte de Chile.
Por fin, resultó elegido con muchos votos, y se puede decir que no fue fundamental la cooperación de Delia, a la que no le importaba ningún sacrificio si este le pudiera servir a su querido Pablo.
La pareja de Delia y su poeta se instaló de modo definitivo en una casa a la que Pablo llamó "Michoacan'. Los amigos llegaban, como siempre, en grandes cantidades, multitudes bulliciosas, desorganizadas, que se armaban grandes almuerzos en el patio durante el verano, sobre todo. Delia era una mujer encantadora con los invitados pero era evidente que la administración de la casa no le cuadraba muy bien. Un buen día aparecieron en el jardín un tenedor y unas cucharitas de postre. -Mira donde andan los tenedores- fue la única reacción de la dueña de casa, según relatan algunos de los testigos de la época. Pero agregan que Delia ni siquiera se agachó a levantarlos, porque ese era del tipo de detalles que a ella nunca le interesaron demasiado. Aunque muchos de los amigos sí se hacían cargo de las tareas domésticas y a nadie se le ocurriría quejarse del buen servicio y de la cordialidad que encontraban los invitados –como siempre, artistas e intelectuales- en la casa de Delia y Pablo Neruda, la "Michoacan". Y así seguía la vida, y Santiago era uma fiesta.
Allí vivió la buena de Delia hasta su muerte y llenó la "Michoacan con sus proprios recuerdos y de las remembranzas de su antiguo amor, Pablito. En cambio los otros domicílios, los de Neruda con su última esposa, Matilde Urrutia, en Isla Negra, la Chascona y la Sebastian tienen  su centro de gravedad en Pablo, y como lo previó la autora de estos recuerdos, pudieron convertirse en museos, o casas de visita pública. Pero "Michoacan" fue un reino privado de Delia. Y allí fue la reina, única por su señorío y su impalpable majestad que imponía, casi sin proponérselo jamás.
Las ideas socialistas de Delia, por otro lado, no resultaban de grandes elaboraciones ideológicas, aunque su cultura política era profunda. Más que las teorias, lo que movia a Delia era su corazón, su sentido generoso de la amistad, la fraternidad, el amor al prójimo. Admiraba la obra poética de Neruda, pero no era sectaria ni absoluta. Y amaba a Federico G. Lorca, César Vallejos, Alberti y a Machado. Pero por sobre todo, amaba la vida y quería la felicidad, la justicia y la libertad para el género humano, un mundo sin explotadores ni explotados.

J,V. Viña del Mar, enero de 2012.

Fuente: "Testimonios sobre Delia del Carril" , Boletín Primavera 1991, Fundación Pablo Neruda, páginas 33-37