Mauro Eugênio Ribera, escritor.
Mauro Ribera nasceu em Carmo Mourão, estado de São
Paulo, a menos de 200 metros da divisa com Minas Gerais. Contavam seus avôs
paternos que eram descendentes de Fructuoso Rivera, o uruguaio conhecido
informalmente como Don Frutos, e que havia sido um militar e político de peso
no pequeno país do sul.
O Fructuoso Rivera -segundo os relatos de uma família na qual
ninguém aprendeu a ler e escrever em três gerações até aparecer entre eles o Mauro
Eugênio- combateu os portugueses durante a guerra do Império contra Artigas, e
foi derrotado em 1816, pela vanguarda da tropa de Carlos Federico Lecor,
comandada pelo general Araújo Correia. Quando o Império completou a invasão e a
conquista do Uruguai, ao contrário de Artigas, o Fructuoso, antepassado do Mauro
Eugênio, permaneceu no país, incorporado-se à tropa portuguesa no posto de
coronel e no comando de uma tropa local.
Como o dom Fructuoso era favorável à união do Uruguai com o
Brasil, ao invés de vincular-se à Argentina como imaginava Artigas, o povo
uruguaio passou a desconfiar dele e a considerá-lo um traidor. Mas isso não
afetou muito a sensibilidade do antepassado do Mauro Eugênio, que logo foi
promovido a brigadeiro e foi nomeado cavaleiro da Imperial Ordem do Cruzeiro,
em 1823.
Mauro Eugênio, fugindo da sina da família iletrada, fez seus
primeiros estudos em Conceição do Mato Dentro, um pequeno município de Minas,
na borda do Rio Espinhaço, a uns 167 km de Belo Horizonte, na antiga comarca de
Sabará.
Mauro Eugênio Ribera, que nunca soube como é que seus avós
paternos –segundo eles descendentes diretos do militar uruguaio- tinham vindo
parar no interior de São Paulo primeiro e ido pra MG depois- concluiu seus estudos,
anos mais tarde, em São Paulo. Ingressou na Faculdade de Direito do Largo São
Francisco, formando-se em 1941. O jornalismo sempre o seduziu, ao mesmo tempo
em que se metia aos poucos na política; e poucos anos depois, em 1943, já era redator
da Folha de S.Paulo e correspondente da Rádio Inconfidência de Belo Horizonte.
Já na política, alcançou seu primeiro degrau importante como presidente do
Centro Acadêmico XI de Agosto,
a entidade estudantil mais antiga dos alunos da Faculdade de Direito do Largo
de São Francisco.
Em 1941 havia sido descoberto o primeiro poço de petróleo
para a exploração comercial, em Candeias, no Recôncavo Baiano, e 1939 a 1953
foram perfurados 52 poços em todo o país, descobrindo-se ainda vários novos campos
para a exploração. Mesmo assim, no início da década de 1950, o Brasil ainda
importava mais de 90% dos derivados que consumia.
Foi nesse momento da economia do país, que aos poucos se
transformou num tema político central, que o nosso Mauro Eugênio Ribera largou
seus estudos de direito e se lançou de cabeça a luta pela consigna “O petróleo
é nosso”. É que depois da Constituição de 1946 foi travado um grande debate em torno
da política do petróleo, entre aqueles que admitiam –e que queriam- a entrada
de empresas estrangeiras na exploração dos poços, de um lado, e os
nacionalistas do outro.
A Constituição de 1946 autorizava a participação do capital
estrangeiro na exploração mineral, inclusive do petróleo. O Presidente Dutra
havia proposto o Estatuto do Petróleo que iria alterar a Constituição sobre a
participação do capital estrangeiro, promovido a construção do Oleoduto
Santos-São Paulo e realizado a compra de 22 navios petroleiros. Mas os
nacionalistas -e entre eles o nosso Mauro Eugênio Ribera- estavam descontentes
com aquele projeto.
Em 1947 aconteceu no Clube Militar uma série de conferências
que deflagraram o movimento contrário à abertura do mercado petrolífero ao
capital estrangeiro, e em favor do monopólio estatal. De um lado estava o
General Juarez Távora, que defendia a postura de abrir o mercado ao capital
estrangeiro, e do outro, o General Horta Barbosa, que exigia o monopólio
estatal. Mauro Eugênio Ribera estava nesta posição que logo se converteu numa
trincheira.
Foi nessa época que surgiu a campanha “O petróleo é nosso!”.
Em abril de 1948 aconteceu uma cerimônia no Automóvel Clube do Rio de Janeiro
que iniciou a reação das forças nacionalistas ao projeto do Estatuto do
Petróleo. Mas, ainda em meio do turbilhão destas lutas, foi no mesmo ano de 1948 que o Mauro Eugênio lançou seu primeiro
livro de contos, “O exguerrilheiro”, que não teve muita repercussão esse mesmo
ano, mas que era uma espécie de “thriller psicológico” que adianta de um modo
literário tudo o que a vida iria trazer ao autor nos próximos anos.
Foi então que o Mauro Eugênio entrou de cheio no mundo da
política, primeiro na legalidade da luta parlamentaria e em seguida como
militante revolucionário nas fileiras do Partido Comunista Brasileiro. Em 1964
foi chamado para organizar o Suplemento Literário do Diário Oficial de São
Paulo, que ficou conhecido como um dos melhores órgãos de imprensa cultural no
país. E foi nessa publicação que Mauro Eugênio aproveitou para relançar um dos
seus melhores contos fantásticos, “O bombeiro Matias”, em 1968, o que lhe rendeu
uma súbita e inesperada fama.
-Exatos 20 anos eu demorei em escrever e publicar, e
finalmente reescrever o meu primeiro livro “O exguerrilheiro”, agora com um
novo nome -“O bombeiro Matias”- e uma nova estrutura, e nem por isso ele saiu
melhor- costumava dizer, rindo dele mesmo, o nosso escritor Mauro Eugênio.
O tataraneto do uruguaio Fructuoso Ribera, obrigado pela
situação de miséria da família -e impulsionado pela vontade de estudar, ler e
progredir- começou bem cedo a trabalhar e ganhar a vida. Vendeu livros de
história e enciclopédias em Minas Gerais, foi professor, jornalista, diretor de
jornal e até gerente de uma estação de rádio em São Paulo.
Santiago e Valparaiso, Chile, 1970
Articulado ao longo dos anos de 1972 e 73, por oficiais
sediciosos da marinha e do exército chileno, com o apoio militar e financeiro
da CIA, e de organizações terroristas locais, como a chamada “Patria y Libertad”,
de tendências nacional-fascitas, o golpe contra o governo constitucional de
Salvador Allende encabeçado por Augusto Pinochet finalmente aconteceu em 11 de
setembro de 1973.
Mas antes deste desfecho, que contaremos com mais detalhe em
seguida, o nosso amigo Mauro Eugênio Ribera chegou um dia a Santiago de Chile,
depois de uma longa viagem entre São Paulo, Porto Alegre, Buenos Aires e
Córdoba.
Mauro havia chegado nos primeiros dias de janeiro de 1972, em
pleno confronto entre a direita e os movimentos da vanguarda da esquerda
revolucionária, principalmente o MIR, a Juventude do Partido Socialista, e a
fração esquerdista dos social-cristãos, o MAPU.
Escolhidos entre militantes desses grupos políticos da
esquerda e homens da polícia investigativa, foi formado o GAP, o chamado “grupo
de amigos do presidente”, que chegou a ter mais de 150 homens, embora no final não
passassem de 26 ou 28. Eles formavam uma equipe de segurança, com guarda-costas
recrutados entre militantes socialistas para proteger melhor a vida de Allende,
e ficaram ao seu lado até o último dia.
Poucos daqueles homens que compunham a guarda presidencial informal puderam sobreviver à ditadura, Com a recusa do Congresso Nacional, em 2 de junho de 1973, de autorizar o estado de sítio, considerado imperioso pelo Comandante em Chefe das forças armadas chilenas, o general legalista Carlos Prats, para que as forças armadas pudessem controlar o terrorismo de direita e de esquerda que já assolava o país, e assegurar o respeito à constituição, a violência chegava ao extremo, e temia-se por uma guerra civil.
Este era o estado de confronto, incitado pela “Patria y
Libertad”, cujo primeiro ato terrorista foi perpetrado em parceria com oficiais
sediciosos da marinha chilena e chamou-se “La noche de las mangueras largas”
ocorreu precisamente no horário em que foi assassinado o ajudante-de-ordens de
Allende, o Capitão-de-Mar-e-Guerra Arturo Araya - com o objetivo de subverter a
cadeia de comando da marinha. A operação terrorista executada pela “Patria y
Libertad” consistiu em cortarem-se todas as mangueiras de abastecimento dos
principais postos de gasolina de Santiago. Esse e outros atos terroristas do
“Patria y Libertad” visavam favorecer e justificar a ação da facção golpista
das forças armadas, apoiadas pelos Estados Unidos, e que culminaria com a
quebra da longa democracia chilena, e com o sangrento golpe de estado de
Pinochet
Este estado de confronto, patrocinado pelo grupo terrorista
de ultra-direita “Patria y Libertad”, cujo primeiro ato terrorista foi perpetrado
em parceria com oficiais sediciosos da marinha chilena e apoio da CIA - é conhecido
como “A noite as mangueiras longas” e ocorreu precisamente quando foi
assassinado o assistente de ordens de Salvador Allende, o capitão Arturo Araya,
com ou objetivo de subverter cadeia de mando da marinha. A “Operação”
terrorista executada pela “Patria y Libertad” consistiu em cortar todas as mangueiras de abastecimento dois
principais postos de gasolina de Santiago. Esse e outros atos terroristas do “Patria
y Libertad” visavam promover e justificar uma ação de golpe militar pela facção
das Forças Armadas que era apoiada pelos EUA, e que culminaria com a quebra de
um longo período de aparentemente sólida democracia chilena, com ou ataque sangrento ao estado com o comando de Augusto
Pinochet.
Após o assassinato do general René Schneider em outubro de
1970, Allende entendeu que para a sua segurança pessoal, não poderia mais
contar com as instituições constitucionais como o exército e polícia de
carabineiros. Em contraste, a militância política já tinha dado mais de um sinal
de lealdade para com o projeto socialista em geral e em relação à segurança
pessoal do presidente em particular. Portanto, o GAP é criado imediatamente.
O grupo foi constituído informalmente durante a quarta e
última campanha presidencial de Salvador Allende com quatro pessoas: Jaime
Suárez, Augusto Olivares (chamado “o Cachorro”), Agustín Rodena (conhecido como
“El Loco Guillermo”) e Eduardo Paredes (chamado de "Coco").
Quando Salvador Allende torna-se presidente com o apoio da
coalizão de esquerda, a Unidade Popular, o Movimento de Esquerda Revolucionário
(MIR), sugere organizar melhor o grupo de segurança pessoal incipiente que
havia nascido durante a campanha eleitoral. Por este motivo, durante o primeiro
ano e meio, a coordenação da GAP estará sob a direção do MIR. No final de 1971,
a Unidade Popular, a frente política da qual fazia parte o partido do
Presidente, fica responsável pela coordenação e adiciona agentes de confiança
da polícia investigativa, dos Carabineiros e das três forças armadas.
A direita delirava –e ainda existem historiadores, inclusive brasileiros,
que repetem a fantasia- pensando que o GAP seria a base do “Exército Popular”
que os grupos e organizações socialistas revolucionárias planejavam formar a
partir das brigadas “Ramona Parra” do Partido Comunista, “Elmo Catalán” do P.Socialista
e o “Movimiento Campesino Revolucionario” do MIR. Entre os homens da seguranças que protegiam a residência de Allende, não
havia cubanos, nem argentinos ou uruguaios do grupo Tupamaro. A
organização do suposto e temido “Exército Popular” não avançou –por fora da
imaginação febril da direita- com a formação dos “Cordões industriais”,
organização político-militar de operários e camponeses nas das indústrias
estatizadas.
Mauro Eugênio Ribera entra em contato com o MIR.
O MIR nasceu em agosto
de 1965, de um grupo de líderes estudantis da Universidade de Concepción, cuja
origem é o Movimento Socialista Revolucionário -uma fração da Juventude
Socialista de Concepción, muito ativa no Núcleo Espartaco e na FEC - Federação
de estudantes de Concepción- e algumas outras organizações marxistas menores.
No seu Congresso de fundação, realizada em Santiago, cinco delegados do grupo
Vanguardia Revolucionaria Marxista-Rebelde (organização dos militantes
marginalizados do PS juvenil na qual militou brevemente Miguel Enríquez, seu
irmão Marco Antonio, Bautista van Schouwene o Marcello Ferrada de Noli, chefe
do Núcleo Epartaco que abrigava a fração da Juventude Socialista, o Partido
Popular Socialista, o Partido Radical do Chile, o POR -Partido Obrero Revolucionario-,
anarquistas do grupo Libertarios, alguns ativistas das Juventudes Comunistas,
críticos do seu partido, e que eram liderados por Luciano Cruz, um sector do Partido
Revolucionário Socialista e dirigentes sindicais, agrupados em torno de líder
sindical Clotario Blest e do militante trotskista historiador do POR, Luis
Vitale, trabalhadores decidiram dar forma à nova organização. O Congresso de
fundação aprovou três documentos, nesta ordem: 1) a teoria insurrecional, 2)
declaração de princípios e 3) programa.
Na noite de 11 de setembro de 1973, a direção da MIR constatou
que não havia a mais mínima possibilidade de se opor militarmente ao golpe. Tinha
começado o toque de recolher, e a guerra que não tinha existido já tinha concluído:
os militares controlavam totalmente o país. A essa altura, Miguel ordenou a
retirada em ordem, era necessário mover a militância para outra fase, era preciso
entrar na clandestinidade cerrada e aprender a andar no subsolo e nos porões.
As instruções à militância mirista eram claras: preservar as estruturas de combate,
verificar e restaurar as comunicações, evitar a caída dos dirigentes, e mudar o
visual, os carros e toda a aparência em geral.
No quinto dia depois do golpe, as mulheres jovens saiam de
saia, e todas elas já tinham mudado de penteado. Nunca antes tinham sido vistas
sair de saia, e ainda numa Renoleta desconhecida em que elas iam e vinham.
Ninguém no quarteirão suspeitou nada.
Após 15 dias, quase todos os contatos perdidos tinham sido
restaurados. Alguns membros da Comissão política ficaram responsáveis pelas diferentes
áreas geográficas do país. O pequeno partido de combate começou a receber
fornecimentos, tanto de novos e mais seguros documentos, como de dinheiro e
armas que foram enviadas pelo Partido Revolucionario de los Trabajadores –PRT– de
Argentina; também recuperou parte do armamento que os cubanos tinham armazenados
em uma embaixada de um país europeu. E ainda haviam planejado a substituição de
líderes regionais “queimados” por outros com uma fachada mais legal.
Porém, durante o ano de 1974, o serviço de inteligência da
força aérea do Chile (SIFA) e a temida direção de inteligência nacional (DINA) se
lança atrás do MIR, numa ação devastadora, batendo em todos os níveis da
estrutura da organização. O SIFA conseguiu capturar o “Coño Aguilar” (Arturo
Villabela), quem caiu em 29 de março, na comuna de La Reina, quando ia fazer um
contato; no confronto foi ferido com sete impactos de bala. Coño Aguilar ficou
alguns dias no Hospital Militar e mais tarde foi transferido até as
dependências da Academia de Guerra da Força Aérea. Neste momento Arturo
Villabela –o Coño– era membro do Comitê Central, a Comissão Política e chefe
militar do partido. Também o SIFA capturou Víctor Bull –o “Melinka” – que era membro
do Comitê Central e responsável pelos “pobladores” ou habitantes das favelas da
periferia das grandes cidades; prenderam também o Roberto Moreno, “El Pelado”,
membro do Comitê Central e da Comissão política; e a Luis Retamar, líder da
Regional Santiago.
Enquanto eles permanecem detidos na Academia de Guerra aérea,
é executa uma estranha negociação que envolveu, entre outros, o coronel Edgar
Ceballos “Inspector Cabeças”, o segundo homem no comando da inteligência da Fach
(Fuerza Aéra Chilena); o Bispo de Linares, Carlos Camus; Laura Allende, irmã do
ex presidente Salvador Allende, e o máximo dirigente do MIR, Miguel Enríquez.
Aparentemente, o coronel Edgar Ceballos, através de
intermediários, propôs a Miguel Enríquez a libertação para os prisioneiros da
MIR em troca do cesse da resistência armada e o reconhecimento por parte da
organização da sua derrota política.
Em outras palavras, Ceballos propunha que o
MIR capitulara; a troca dessa concessão, os militantes miristas iriam receber indulto
e poderiam deixar o país; a garantia era nada menos que o próprio coronel Edgar
Ceballos. Toda essa negociação era apenas uma estratégia que permitiria à SIFA
ganhar a “guerra interna” que existia com a DINA, algo parecido à guerra feroz
combinada com os malabarismos, manobras e negociações com as guerrilhas argentinas que
o almirante Massera manipulava para se contrapor ao exército do ditador Videla.
Se a proposta fosse aceita pela direção do MIR, o serviço de inteligência da
força aérea (SIFA) conseguiria o seu maior sucesso.
Miguel Enríquez analisou a proposta e pediu à antiga
congressista Laura Allende para visitar a Academia de Guerra, onde estavam os
prisioneiros, para falar com o “Coño”; ela pediu ao bispo Camus que a
acompanhasse. E, enquanto isto tudo acontecia à luz do dia, nos porões da AGA os
prisioneiros discutiam a proposta. Mas, apesar do fato de que a negociação
proposta pelos marinhos concedia a eles uma possibilidade de obter a liberdade,
os dirigentes guerrilheiros a rejeitaram.
Depois que Laura Allende cumpriu sua missão e falou brevemente
com Arturo Villabela –o Coño–, Miguel recusou a oferta. Em 10 de setembro de
1974 a Comissão Política do MIR refutava, oficialmente, todo o trato. E continuou
a perseguição feroz à organização.
Nesse período, um dos objetivos do movimento foi o
desenvolver uma subdivisão do trabalho para a construção de redes de apoio em áreas
escolhidas do sul do Chile, para a “preparação de condições do que seria depois
uma eventual futura operação de forças de guerrilha permanente”.
Continuará.
Javier Villanueva. Concepción, Chile, agosto de 2014.
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