Então, isso da “latinidade” não existe? foi uma sacada dos franceses, durante a colônia, para seduzir os mexicanos enquanto os invadiam, não é?. Bom, essa é a ideia base do livro de Narloch e Teixeira, que assim como o “Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil”, do primeiro, analisa os que eles chamam de “mitos da região”.
Mas, será que não há mesmo nada que se pareça com unidade cultural no subcontinente? E se ao invés de falar de "latinidade" falássemos de "brasilidade"? Então ai sim, poderíamos chegar à conclusão que muitos brasileiros sulistas e das capitais do sul-leste vem "descobrindo" desde antes da república de 1889: o Brasil no existe. Farroupilhas lutavam - claro, divididos entre as classes dos que mandavam e os escravos - para separar o Rio Grande do Sul, e livrar-se da incapacidade imperial do Rio de Janeiro para apropriar-se efetivamente da "Cisplatina".
Odiavam os chefes farroupilhas a falta de tesão dos portugueses e filhos deles para invadir a ferro e fogo o Uruguai (modo com que já se chamava a si mesmo os habitantes da região na época, e nunca jamais "Cisplatina") e tomar o gado e a mão de obra indígena e escrava que tanto ambicionavam os estancieiros gaúchos. Mas o Brasil sim, existe, ou pelo menos todos os países do mundo que mandam sabem que há uma "brasilidade", sim.
Odiavam os chefes farroupilhas a falta de tesão dos portugueses e filhos deles para invadir a ferro e fogo o Uruguai (modo com que já se chamava a si mesmo os habitantes da região na época, e nunca jamais "Cisplatina") e tomar o gado e a mão de obra indígena e escrava que tanto ambicionavam os estancieiros gaúchos. Mas o Brasil sim, existe, ou pelo menos todos os países do mundo que mandam sabem que há uma "brasilidade", sim.
Voltando ao Narloch e Teixeira então, remarquemos que para eles a latinidade não existe e nunca existiu. Dizem que os traços em comum são muito vagos, e não servem do ponto de vista cultural para abarcar os diversos povos que habitam a América Latina. Executivos do México DC, ribeirinhos da Amazônia, haitianos e habitantes da Terra do Fogo não fazem e jamais poderiam fazer parte de uma mesma cultura?. Ok, e se outra vez concentrássemos essas comparações dos dois autores no solo brasileiro?: o que tem a ver os negros e mulatos de Salvador ou dos morros cariocas com os alemães do sul, os engravatados da Avenida Berrini e os pataxós de terra dentro?
O Brasil não existe? Sim, existe, senhores Narloch e Teixeira: há unidade idiomática (dentro da diversidade claro, acontece até na minha família de sete pessoas), unidade histórica inter-regional, unidade de moeda, de estado nacional e exército, de interesses coletivos perante o mundo y até...de cara à imensa região hispano-falante do continente.
O Brasil não existe? Sim, existe, senhores Narloch e Teixeira: há unidade idiomática (dentro da diversidade claro, acontece até na minha família de sete pessoas), unidade histórica inter-regional, unidade de moeda, de estado nacional e exército, de interesses coletivos perante o mundo y até...de cara à imensa região hispano-falante do continente.
A obra, cujo conteúdo bombardeia diversas figuras que os autores chamam de "falsos heróis", ecoa para depois tentar destruir as propagandas oficiais da Venezuela, Equador e a Bolívia atuais, mas sempre com o mesmo método: ou arranca contando fatos incontrastáveis (Cuba está na miséria hoje, os revolucionários são de carne e osso e erram, as revoluções costumam ser violentas, Perón era filo fascista, os índios e os negros escravizados não eram anjos, etc.), ou simplesmente inicia cruamente com uma falácia: não há Latino América porque a diversidade é enorme. Já voltarei nesse ponto, deixando claro que, assim, tampouco existiria o Brasil, e nem cada um dos estados nacionais da América que fala espanhol: as diferenças internas de cada país são enormes. Há uma ideia vulgar entre muita gente que acha que tudo se resume a “sotaques” e “dialetos”. Não, dentro da Bolívia, Paraguai, Peru, Argentina, e até no menor território do sul, o Uruguai, há grandes nuances da estrutura da língua espanhola, além de vocabulários e “acentos” regionais. Folclores variopintos existem em todos e cada um dos países da América Latina, e quem costuma viajar pasma com as semelhanças nas fronteiras onde, por exemplo, a música da Mesopotâmia argentina é quase idêntica à gaucha, ou à paraguaia. A diversidade e as variantes culturais não são contraditórias com a unidade, até que a política, as religiões ou as armas não produzem uma quebra, uma mudança drástica, e um país se divide ou se unifica com outro.
Outro mito que os autores do “Guia Politicamente Incorreto da América Latina” querem demolir é o do general Perón: “admirava os nazistas”, dizem. Mas não era necessário escrever um novo livro popularizando o que até as crianças sabem há mais de seis décadas na Argentina, no sul do Brasil, no Paraguai e no Chile: os governos desses países, - anteriores e ainda posteriores ao nazi-fascismo -, simpatizaram, apoiaram e deram cobertura após a guerra aos regimes totalitários da Europa. Um dos tantos jornalistas superficiais da Folha de S.Paulo riu há pouco tempo na cara do escritor argentino Abel Basti (e recebeu o troco enseguida), que detalhou em obra recente as inumeráveis provas de que Hitler poderia ter se refugiado na Patagônia Argentina ou em Bariloche depois da derrota alemã em 1945.
Basti menciona a Rodolfo Fraude, filho do milionário alemão Ludwing Fraude, como uma peça chave no seu posto de secretário de Perón para o estabelecimento na Argentina de nazistas graúdos, entre eles Eichmann, que foi capturado em 1960 nos redores de Buenos Aires por um comando israelense e executado dois anos depois em Israel. O autor do livro “Bariloche nazi-guía turística”, que trabalhou em várias investigações sobre os nazistas para a televisão europeia, e me parece mais sério que o jornalista da Folha que fez gracinhas com ele, assegura que Hitler também morou durante sua passagem pela Argentina na fazenda "San Ramón", a 10 quilômetros ao leste de Bariloche, uma propriedade em aquele tempo pertencente ao principado alemão de Schaumburg-Lippe. É só entrar em Google e aparecem mil referências sérias da Argentina, Chile, Bolívia, Paraguai até o Brasil, sobre um tema antigo que o Nardoch parece estar descobrindo agora.
Os Incas e Astecas, são outros exemplos das velhas verdades de Perogrullo, com as que os autores nos informam que “os índios gostavam de um genocídio – e eram verdadeiros impérios no sentido estrito: invadiam outros povos, impunham sua cultura”, etc!! Caramba!, creio já ter ouvido esta verdade incontestável lá pelos idos de 1956 na escola "República de Méjico", na cidade de San Martín, Buenos Aires, na minha tenra meninice!.
Insistem os "historiadores" em que a queda e a derrota tanto dos astecas como dos incas foram não apenas comemoradas, mas "possibilitadas pela aliança entre espanhóis e outros povos nativos que eram subjugados pelos tais imperialistas”. Verdade inegável: os impérios costumam ser...imperialistas, não importa a etnia. E os Astecas no México e os Incas no Peru são uma confirmação da regra. O que não tira a outra verdade, a que se impôs pela força das armas, pelo efeito da surpresa dos cavalos e cachorros dos espanhóis, até então desconhecidos pelos índios americanos, e até pela brancura da pele e a raridade das barbas loiras e castanhas que, como conta “El espejo enterrado” de Carlos Fuentes, enganou a Moctezuma que esperava a chegada de um deus branco e com patas de animal poderoso.
Mas as ideias de defesa aos nativos massacrados – com ajuda de outros nativos, sim, mas massacrados mesmo assim -, não é dos novos esquerdistas que tanto assombram a Narloch e Teixeira. Já em 1534 o teólogo Francisco de Vitória recebeu carta da América relatando o fim de Ataualpa, o Inca, supliciado em Cajamarca por Pizarro. Ficou indignado. Era para isso que os cristãos estavam no Novo Mundo, para pilhar e assar inocentes? Eminência na Universidade de Salamanca, Vitória comprou a briga. Publicou a “Relectio de Indis” em 1539, e as suas palestras em defesa dos índios são consideradas ainda hoje um dos pontos de partida do direito internacional moderno.
Rejeitando a tese da inferioridade natural dos índios, Vitória os considerava homens iguais aos outros, originários da mesma estirpe, e com os mesmos direitos. A dignidade da raça humana e a defesa da comunidade universal se sobrepunha a tudo. Lutar contra eles não podia ser justo. Carlos V não gostou da agitação provocada e mandou ele ficar calado. Não adiantou.
Para botar mais lenha na fogueira, em 1547 desembarcava na Espanha o bispo de Chiapas, Bartolomé de las Casas, conhecido como "gênio tutelar da Américas." Chegava da Nova Espanha cheio de provas das atrocidades dos brancos. Os astecas e os incas, contou ao imperador, eram como os antigos romanos e gregos, racionais e bem organizados e, com tempo e paciência poderiam virar bons cristãos. O que cometiam contra eles era crime e roubalheira.
Mas antes de Las Casas, Ginés de Sepulveda, o tutor do príncipe Felipe, baseado na “Historia de las Indias” de Francisco Oviedo, e conversando com Hernán Cortés, chegara à conclusão oposta. Na obra “Democrates secundus”, de 1544, disse que a matança era inevitável. Como fazer aqueles selvagens e pagãos acatar a mensagem divina do Evangelho se antes os espanhóis não os submetessem a ferro e fogo? A guerra, exigida pelas superiores razões da fé cristã, era justa sim. Primeiro o rigor da Espada, depois o alívio pelo Cruz.
Foi ai que Las Casas contraatacou: a conquista espiritual, segundo ele, jamais poderia acontecer pelo rigor do aço. Resultaria do convencimento e a persuasão. Deveria ser obra da Palavra e não da Espada. “¡Qué Cristo le imponían a los gentíos!” disse. Por repugnantes que fossem seus pecados para um cristão, pior ainda era torturá-los e assassiná-los. O argumento de Las Casas obrigou o Imperador Carlos V, e o seu sucessor Felipe II, a proibir de modo terminante a escravização dos índios do Novo Mundo. Mas nenhum desses decretos bem intencionados conseguiu evitar que nas três Américas, comunidades inteiras fossem forçadas a servir os “encomenderos” espanhóis e obrigadas a entregar parte da sua produção doméstica, ou a ser submetidas à “mita”, o trabalho temporário gratuito para o senhor. Ambas, a “encomienda” e a “mita”, eram formas de disfarçar a permanência dos índios na servidão.
Da outra trincheira da polémica se insistia em que fora o próprio Deus, por intermédio do Vigário de Cristo, segundo explicava Sepúlveda, quem outorgara tal missão aos Reis Católicos. Era dever dos monarcas salvar os índios da idolatria. E além do mais, eles bem faziam por merecer os tormentos. Lascivos, "mais próximos às bestas", eram demônios dados às práticas ofensivas à natureza: incesto, sodomia, canibalismo e sacrifícios humanos. Possuindo tão somente "vestígios de humanidade", a escravidão era para eles um estágio necessário antes de poderem alcançar a salvação.
Sepúlveda, com argumentos tão pouco cristãos, queria sarar a consciência da elite castelhana assustada pelas notícias que não paravam de falar de violências, matanças, incêndios, e reduções dos índios em várias formas de escravidão. Pressionado entre indigenistas e imperialistas, Carlos V chamou em Valladolid, em 1550, uma junta de teólogos e juristas. Que eles decidissem sobre o assunto! E nesse tribunal Las Casas e Sepulveda se enfrentaram na mais memorável batalha intelectual da época.
E avançando agora três séculos e um pouco mais: será que Pancho Villa era um latifundiário e Simon Bolívar se opunha aos negros e pobres no poder? Sim e não, como tudo - e sempre que se trate dos "mitos" que os autores “politicamente incorretos” pretendem agora desmontar -, nem as pessoas, nem os fatos históricos são lineares, nem preto versus branco; há cores, nuances, e muitos tons de cinza.
A exemplo do livro anterior, o “Guia Politicamente Incorreto da América Latina” os autores não fazem “revisionismo”, simplesmente tratam de um modo jornalistico os temas, focando em fatos soltos e isolados, e insistindo em dizer que a história é “contada” mais pela ótica ideológica e partidária que pela análise do que realmente aconteceu. Será? Sempre ouvimos dizer que a história dos povos é escrita pelos grandes vencedores. Mas nas últimas décadas, as vozes de muitos dos vencidos estão sendo recuperadas e seus pontos de vista revistos à luz de novos documentos e provas até agora tapadas pelos vencedores.
E isso é do que Narloch e Teixeira não gostam. Segundo os autores “politicamente incorretos”, a América Latina tem hoje um forte traço cultural que une os intelectuais e grande parte dos povos da região: após uma suposta “revisão ideológica” da história, as narrativas passaram a ser feitas em defesa dos perdedores e não dos ganhadores, como parece que deveria seguir sendo, eternamente e sem contestação.
Não é verdade: impérios cruéis, nunca foram vistos pelos historiadores modernos e sérios no Brasil, ou no resto da América Latina, como os “bonzinhos da história”; nem as crueldades rituais foram suprimidas em nome de uma suposta releitura esquerdista. As obras apresentadas ao MEC brasileiro nos últimos dez anos, assim como as que podemos ver no Brasil desde a TV cultural e estatal argentina –Canal Encuentros, por exemplo- são minuciosas nas suas fontes, no estudo detalhista de milhares de arquivos.
Sustentar a teoria de que a escravidão e o tormento de milhões de africanos foi produto, na mesma medida e no mesmo peso, tanto da ambição dos europeus como dos príncipes negros que os vendiam, é como atribuir o Holocausto às polícias de judeus que - obrigados pelos nazistas ou por ambição e corrupção - entregavam e policiavam milhões de judeus nos guetos e nos campos de extermínio. Os crimes da ditadura de Stalin na antiga URSS, as atrocidades dos nazistas, ou os massacres da escravidão e a conquista da América teve ajuda e assistência entusiasta de muitos povos nativos, sim, mas o interesse primeiro, o mandante e o executor principal foi a ambição das classes dominantes europeias. E isso Narloch e Teixeira não poderão contestar com nenhum recurso de retórica jornalistica.
Javier Villanueva, 2011, leia mais em:
www.
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