Hacia finales del siglo XIX, en las tierras paupérrimas del
noreste brasileño, la chispa de la prédica de Antônio Conselheiro -un personaje que la historia se ha empeñado en mostrarlo
como mesiánico y enigmático- va a encender la insurrección de los eternos desheredados
de la tierra.
En condiciones extremas como aquellas del nordeste brasileño, lograr la dignidad
puede resultar tanto en una exaltación religiosa y en el convencimiento
fanático de la participación divina en la vida de los marginados del mundo, como
en una ruptura radical de las reglas del mundo de los poderosos. Así, grupos crecientes
de miserables se congregarán alrededor de las llamadas de la revolución de
Canudos -la población en donde se asentará esta comunidad de hombres y mujeres
del pueblo, y de personajes que difícilmente desaparecerán de la imaginación
del lector de la obra de Euclides da Cunha de 1902, o de la más reciente, la de
Mario Vargas Llosa, publicada 79 años más tarde, en 1981. El Beatito, el León
de Natuba, María Quadrado se enfrentarán a todas las fuerzas de la reaccionaria
república de los militares, en una trama política y militar que se va articulando
para detener con toda su fuerza brutal a un movimiento que amenazaba con
expandirse e incendiar el país.
La Guerra
de Canudos es, desde el punto de vista de la historia, una formidable sucesión
de errores lamentables. A lo largo de los diversos episodios de la guerra, se confirmó
que, desde la flamante república brasileña y su poder central, instalados en la
antigua capital de Rio de Janeiro, era muy poco lo que se administraba, más
allá de las fronteras al sur de Minas Gerais.
La revuelta
popular liderada por Antônio Conselheiro refleja la triste realidad de un país olvidado
por unos gobernantes que solo pensaban en el país estrecho que se extendía a
las orillas del mar. Una enorme nación con un clima y una geografía inclementes,
un pueblo olvidado y un estado inexistente, gobernado en aquellos años por
Prudente de Morais, republicano y abolicionista, pero con muy poca capacidad
administrativa.
Fue en este
clima -en silencio, contando con unas vías de comunicación del nordeste con la capital carioca que eran,
en aquella época de 1893, de difícil funcionamento y, por lo menos, lentísimas-
que se instaló en la Fazenda Canudos, el sertanejo
Antônio Conselheiro, de 65 anos. Y fue alrededor de sua prédica que se formó la comunidad popular
de Canudos.
Veamos el texto poco conocido de Otto Maria Carpeaux, alemán radicado en Brasil, que a mediados del siglo XX hace un balance diferente del que estamos acostumbrados a leer por la pluma de Euclides da Cunha. (JV)
A lição de Canudos,
sempre atual
Sobre os fatos de Canudos,
existem muitos livros e inúmeros estudos esparsos. Cada geração, das que se
sucedem, encontra algo de novo naquela história impressionante. Nossa época
atual também é capaz de encontrar algo de inusitado naquele acontecimento: um
aspecto que antes não se tinha percebido. Canudos é, novamente, uma atualidade.
Euclides foi o primeiro que
escreveu sobre Canudos. Era ex-oficial do Exército, grande escritor, homem
culto e até erudito, mais tarde, alto funcionário do Itamarati, professor do
Colégio Pedro II e membro da Academia Brasileira de Letras, enfim: pertencia às
classes dirigentes do país. Mas a Revolta de Canudos ensinou- lhe o fato de que
a maioria dos brasileiros eram homens do campo, analfabetos, roídos pelas
doenças, iludidos pelas superstições, um povo esmagado pela miséria. Esta era a
realidade brasileira. Seguindo as lições da ciência de seu tempo, Euclides
explicou essa realidade bárbara pelo clima adverso, pela esterilidade das
terras e pela esterilidade mental das massas brasileiras, desses mulatos e
mestiços que não têm capacidade para conquistar pelo trabalho um decente nível
de vida. Explicou o acontecimento de Canudos em função da raça e do ambiente
físico.
Mas a raça e o ambiente físico
são fatores imutáveis. Ninguém é, nem será jamais capaz de modificá-los. Então,
sempre será assim como foi? Desgraças como a revolta selvagem dos miseráveis
analfabetos de Canudos seriam capazes de repetir-se novamente? Mas então era
preciso manter essas massas irresponsáveis sob o guante da disciplina severa
dos governos fortes. Canudos parece ser, assim, justificativa perene para a
existência e a manutenção das ditaduras. Entretanto, assim não o é. Euclides da
Cunha tinha estudado os aspectos geográficos e raciais de Canudos. Um estudioso
de nossos dias, Rui Facó, examinou os aspectos sociais de Canudos: os fatores
que não são imutáveis, mas que a história criou no passado e que, por isso, a
história do futuro poderá modificar ou mesmo abolir. Quais foram esses fatores
sociais de Canudos?
Os historiadores brasileiros
costumam zombar da incrível ignorância desse chamado Antônio Conselheiro, desse
sectário que chefiava os sertanejos de Canudos: pois em 1897, oito anos depois
da proclamação da República, o homem ainda não queria tomar conhecimento dela e
teimava em professar sua lealdade ao para ele ainda Imperador D. Pedro II. Mas,
se olharmos mais de perto para a realidade de então, perceberemos que o homem
tinha razão: a República não tinha, para os sertanejos, mudado nada, e o
Brasil, sob um presidente da República, era o mesmo Brasil do Imperador,
continuando os sertanejos dominados pelos mesmos latifundiários. O Brasil
oficial negava, indignado, esse fato. Só um analfabeto poderia pensar assim.
Acontece que os latifundiários, eles próprios, também pensavam assim. Pois
quando os sertanejos de Canudos começaram a reunir-se em torno de seu chefe de
seita, o major proprietário de terras da região, um típico barão feudal,
retirou dali sua família e seus pertences.
O barão já parecia ter percebido
o que Rui Facó nos ensina hoje: que o misticismo sectário de Canudos era a
expressão da esperança de acabar com a miséria que há séculos oprimia os
camponeses brasileiros e que continua a oprimí-los. Homens ignorantes e
supersticiosos como aqueles, não sabiam nada de reivindicações sociais.
Esperavam da Igreja a redenção, e quando os bispos e vigários, ligados às
classes dominantes, não ouviram o grito de desespero, os sertanejos de Canudos
separaram-se da Igreja, tornando-se sectários. O verdadeiro motivo dos
movimentos rebeldes nos campos brasileiros é a estrutura da sociedade
brasileira. Essa estrutura não é um fato da natureza ou da raça, que seria
imutável. Foi criada pelos homens no passado e poderá ser modificada pelos
homens, no futuro. Basta que se queira. Mas se queira de maneira adequada.
Como modificar a estrutura da
sociedade brasileira, se ela é protegida e garantida pela política, pelas
forças armadas, pelos grupos conservadores e por todos os poderes públicos?
Isso também nos ensinou Antônio
Conselheiro. Mas só hoje começamos a compreender sua lição. É uma faceta de
Canudos que até os dias que correm nunca foi devidamente apreciada: o aspecto
tático militar.
Como começaram as coisas? Os
sertanejos de Canudos estavam, por volta de 1895, pacatamente reunidos em seu
reduto, apenas trabalhando para seu sustento e o dos seus. Mas é isso que
homens como o então barão de Jeremoabo não toleram: pois querem que os
camponeses trabalhem para o sustento dos barões, como hoje os grandes
proprietários de terras querem que os camponeses trabalhem para o seu sustento.
Surgiram, então, boatos de violências perpetradas pelos sertanejos e boatos da
natureza perigosa das superstições que eles professavam; assim como, ainda
hoje, surgem, a toda hora, boatos de rebeldia, de "atos de
terrorismo", e da periculosidade de "ideologias exóticas".
Então, as autoridades resolveram agir.
Em novembro de 1896, o governo do
Estado da Bahia mandou para Canudos um batalhão da polícia estadual, bem
armado, sob o comando do tenente Pires Ferreira. Os sertanejos, atacados,
defenderam-se com espingardas de caça, facões de mato e cacetes de madeira - e
na escaramuça de Uauá obrigaram os policiais a fugir. Em janeiro de 1897, o
governo da Bahia voltou ao ataque, contando com o apoio do governo federal.
Mandou para Canudos tropas estaduais e federais, sob o comando do Major Febrônio
de Brito - que sofreu nova derrota.
Em fins de fevereiro de 1897,
seguiu para Canudos verdadeiro destacamento misto, composto das três armas:
infantaria, cavalaria e artilharia, sob o comando do coronel Moreira César,
temido pela sua energia e ferocidade, e as tropas foram novamente derrotadas
pelos sertanejos precariamente armados, que conheciam melhor o terreno e se
tinham espalhado pela retaguarda das tropas. O próprio coronel Moreira César
foi, no campo de batalha, morto pelos rebeldes.
Enfim, só em junho de 1897,
acabou tudo, mas, para tanto, foi necessário reunir três brigadas de
infantaria, acompanhadas da artilharia, sob o comando do general Artur Oscar,
que conquistou Canudos e mandou fuzilar milhares de sertanejos, cujos corpos
foram barbaramente mutilados. Eis como não foi fácil vencer Canudos. Sobre esse
aspecto tático militar de Canudos não se falou nada, até hoje. Não se fala
nada, aliás, sobre muitas coisas.
O Exército Brasileiro de 1897
podia ser, em comparação com os exércitos das grandes potências, materialmente
obsoleto e taticamente fraco. Mas, em comparação com os sertanejos de Canudos,
era tática e materialmente superior. Entretanto, mostrou-se vulnerável à tática
das guerrilhas. O Exército Brasileiro de hoje continua a não poder se comparar
com os exércitos das grandes potências, seja em número, seja em apetrechos
bélicos. Mas, os exércitos das grandes potências tampouco podem contra as
guerrilhas. Antônio Conselheiro é o precursor de Mao Tsé-tung na China, de
Boumedienne na Argélia e dos Vietcongues no Vietnã. Canudos foi a semente da
China Brasileira, da Argélia Brasileira, do Vietcongue Brasileiro. Mas - dirão
vocês! -, apesar de tudo, os sertanejos de Canudos foram enfim derrotados! Sim,
porque eram guerrilheiros improvisados e não conheciam bem os princípios da
guerrilha: concentraram-se num reduto em vez de se espalharem pela região. Foi
um erro. Mas também os erros constituem ensinamento. Homenageia-se Euclides da Cunha,
o historiador de Canudos, como grande figura das letras nacionais e do Exército
Brasileiro e da Academia, mas não se conta ao povo que esse mesmo Euclides, em
novembro de 1888, ousou jogar seu sabre de oficial aos pés do ministro da
Guerra, para protestar contra uma lei iníqua. E não se conta que o mesmo Euclides
organizou em São José do Rio Pardo, em 1º de maio de 1901, a primeira festa de
1º de Maio socialista em solo brasileiro. Não querem saber de tais atos de
rebelião social de um oficial do Exército Brasileiro. Pois sabem que fatores
sociais explicam a fraqueza de qualquer exército do mundo, ante a revolta
organizada dos oprimidos.
O Canudos da segunda metade do
século 20 não será um reduto, um foco só, uma base só, mas o país inteiro.
Será? Mas quando? Podemos esperar. E esperar indefinidamente? Não. Não é
preciso esperar tanto. Quando, em novembro de 1888, o então cadete Euclides da
Cunha, em presença de todo o corpo de generais brasileiros, jogou seu sabre aos
pés do ministro da Guerra do imperador, ninguém poderia saber que só um ano
depois, em novembro de 1889, a monarquia, com todos os seus generais e
ministros, já estaria desaparecida muito depressa: só um ano! Hoje, que as
coisas andam muito mais depressa, é lícito acreditar que não precisaremos
esperar muito, sobretudo se seguirmos os ensinamentos da lição de Canudos.
Este artículo mecanografiado y sin firma, probablemente
de comienzos de los años de 1970, se encuentra entre los papeles de Otto Maria
Carpeaux, en la “Fundação Casa de Rui Barbosa”, en la ciudad de Rio de Janeiro.
Una corrección a mano, en el penúltimo renglón, la palabra “depressa” –rápido,
de prisa-, autentifica la autoria y autoriza su publicación.
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