Touro, 66 anos, neto de bascos e tehuelches, inferno astral.
Dizem que são apenas 24 horas; no meu caso devem ser no mínimo de 48 a 72.
Outros afirmam que, a cada aniversário, quando o sol volta para o mesmo grau, exatamente onde ele se encontrava no momento do nascimento da pessoa, o astro rei faz renascer sensações já esquecidas: lá fora deve ser perigoso, não quero sair – a agorafobia ou medo mórbido aos espaços abertos-. Preciso sair porque aqui dentro está muito escuro e apertado – a claustrofobia, ou pânico produzido pelos espaços fechados ou escuros.
O inferno astral para mim, ao menos, é muito contraditório: quero voar e também mergulhar profundo.
Penso em infernos e lembro do Supay, das propostas indecentes que o Mau pode sempre vir oferecer a quem está pronto a renascer pela 66ª vez.
E ainda por cima, isto sempre acontece bem no meio da Páscoa, da ressurreição, a renascença, e o reverdecer, que neste nosso hemisfério sul parece ser sempre o contrário.
Sessenta e seis anos, número quase diabólico; cabalístico? Vinte e dois de abril, data do aniversário: 22 vezes 3, igual a 66. Seguimos na matemática fatal de efeitos previsíveis: nasci há 66 anos num dia 22 de abril, no meio da Pascoa, época de ressurreição, renascença das esperanças, mesmo que em pleno outono já, o que em Buenos Aires é quase inverno.
Vinte e dois de abril de 2017 em Buenos Aires, a poucos quarteirões da Calle Araoz, quase na esquina com a Avenida Santa Fé, tentando refazer as circunstâncias em que, 66 anos atrás, um 22 de abril de 1951, dei os primeiros berros de vida, numa segunda feira fria, às 8 da manhã.
Esqueço-me do inferno astral e durmo. Sonho, e a febre me faz lembrar de uma gruta que vimos um dia com Victoriano, na espessura do monte em La Falda, onde se perde toda orientação e o cerro parece ser igual em todas as direções.
Vimos uma entrada secreta, oculta entre os galhos emaranhados, protegida por duas pumas ferozes. Fomos embora sem entrar, mas depois Chazarreta e Fuenzalida nos contaram que é uma entrada que leva a uma gruta ampla e lôbrega, onde dança o Mandinga quando se celebram suas grandes orgias anuais.
As velhas e os velhos transformam-se em jovens, os doentes saram, e a feiura se cobre com uma formosura insuspeita.
Fecho os olhos e volto a abril de 2017: velho, cansado, sem forças. Sonho com a beleza da juventude, perdida com os anos; maldigo a suposta sabedoria dos anos, mentira piedosa dos jovens, bonitos e fortes que riem dos velhos, pensando que serão eternos, invencíveis.
Renascer, ressuscitar, reverdecer...sem perder a ternura, jamais.
JV. Buenos Aires, 22 de abril de 2107.
Não, não me enganei com a data: escrevi este texto rememorativo com 90 anos de antecedência, filtrando-me por uma das tantas rugas do tempo, e imaginando-me com 156 anos de idade. Os acontecimentos, de fato, aconteceram em 2017, no dia do meu 66º aniversário. Nada de mais.
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