O sábio que introduziu
algarismos arábicos no Ocidente e nos salvou de multiplicar CXXIII por XI
Jim Al-Khalili, físico. Da série da BBC
"Ciência e Islã". 29 novembro 2020
Al-Khwarizmi nos deixou como legado a álgebra e a palavra algoritmo
Galileu, Newton e Einstein são três grandes nomes da ciência ocidental.
Mas, como o próprio
Newton escreveu, citando o filósofo do século 12 Bernardo de Chartres:
"Se eu vi mais
longe, foi por estar sentado sobre os ombros de gigantes."
Vários desses
gigantes nos quais cientistas ilustres se apoiaram e continuam a se apoiar, foram
relativamente esquecidos... mas, se olharmos com atenção, podemos encontrá-los.
Segundo
historiadores, o principal legado do grande matemático italiano Leonardo
Pisano, mais conhecido como Fibonacci, foi ajudar a Europa a abandonar o antigo
sistema de algarismos romanos e adotar os numerais indo-arábicos.Eles constam
em seu Liber Abaci ("Livro de
Cálculo"), que escreveu em 1202 após estudar com um professor árabe.
Na mesma obra, há
uma referência a um texto anterior chamado Modum algebre et almuchabale, e na margem está escrito Maumeht, que é a versão em latim do nome Mohamed.
Assim como Fibonacci, estudiosos europeus dos séculos 12 a 17 se referem com frequência a textos islâmicos e nomes árabes em manuscritos sobre diversos temas, da medicina à cartografia
No caso, a
referência é especificamente para Abu Ja'far Muhammad ibn Musa al-Khwarizmi,
conhecido como Al-Khuarismi, que viveu aproximadamente entre os anos 780 e 850.
Foi graças a ele que os intelectuais europeus souberam da existência dos numerais indo-arábicos.
Dos hindus ao Oriente Médio, de Bagdá à Europa
A obra de
Al-Khuarismi aborda um aspecto crucial de toda nossa vida.
Por causa dela, o
mundo europeu percebeu que sua maneira de fazer conta — ainda essencialmente
baseada em algarismos romanos — era irremediavelmente ineficiente e
atrapalhada.
Se eu pedir para
você multiplicar 123 por 11, você consegue calcular até de cabeça. A resposta é
1.353.
Agora tente fazer
isso com algarismos romanos: você tem que multiplicar CXXIII por XI. Pode ser
feito, claro. Mas não é nem um pouco fácil.
Em seu Livro de adição e subtração, de acordo com o cálculo hindu, Al-Khuarismi
descreveu uma ideia revolucionária: a possibilidade de representar qualquer número
com apenas 10 símbolos simples.
Essa ideia de usar
apenas dez símbolos — os dígitos de 1 a 9, além do símbolo 0 — para representar
todos os números de um ao infinito, foi desenvolvida por matemáticos hindus por
volta do século 6, e sua importância é inestimável.
E assim os algarismos foram evoluindo, da direita para a esquerda
Separador decimal
Al-Khuarismi e seus
colegas fizeram mais do que traduzir o sistema hindu para o árabe: eles criaram
o separador decimal — que em alguns países é o ponto e em outros, como o
Brasil, é uma vírgula.
Sabemos disso
graças à obra do matemático Abu'l Hasan Ahmad ibn Ibrahim Al-Uqlidisi.
O livro Kitab al-fusul fi al-hisab al-Hindi, dos anos 952-3 — o manuscrito mais
antigo em que é proposto um tratamento de frações decimais, escrito apenas um
século depois de Al-Khwarizmi — mostra que o mesmo sistema decimal pode ser
ampliado para descrever não apenas números inteiros, mas também frações.
A ideia do ponto
decimal (ou da vírgula, no caso do Brasil) é tão familiar para nós que é
difícil entender como vivíamos antes dele — parece incrivelmente óbvio depois
de ser descoberto.
O zero e o ponto decimal nos levaram ao infinito. Um ótimo exemplo é a constante de Euler, um dos números mais importantes da matemática
Quem foi Al-Khuarismi ?
Al-Khuarismi, o
grande matemático que deu ao Ocidente os números e o sistema decimal, também
era astrônomo — e levou seu conhecimento para a corte do califa al-Mam'un, em
Bagdá.
Ele era um
emigrante da Pérsia oriental e um homem do seu tempo, a Idade de Ouro Islâmica.
Sua forma de pensar
era ousada, e ele gozava de um grande luxo: vivia rodeado por livros.
Al-Khwarizmi é um dos grandes ícones do Império Islâmico
Graças ao Movimento
das Traduções, que reuniu trabalhos científicos de todo o mundo conhecido até
então, no fim do século 9, um importante corpus matemático grego — que incluía
obras de Euclides, Arquimedes, Apolônio de Perga, Ptolomeu e Diofanto — foi traduzido
para o árabe.
Da mesma forma, a
matemática babilônica e hindu antigas, assim como as contribuições mais
recentes de sábios judeus, estavam disponíveis para estudiosos islâmicos.
Al-Khuarismi estava
na posição privilegiada de ter acesso a diferentes tradições matemáticas.
A grega abordava
principalmente a geometria, ciência de formas como triângulos, círculos e
polígonos, que ensina a calcular área e volume. A hindu havia inventado o
sistema decimal de dez símbolos que tornava as contas muito mais simples.
Ao combinar a
intuição geométrica com a precisão aritmética, imagens gregas e símbolos
hindus, ele inspirou uma nova forma de pensamento matemático que hoje chamamos
de álgebra.
Al-Khuarismi foi
tão importante para a matemática no ocidente que a própria palavra
"algarismo" tem origem em seu nome.
Al-Khwarizmi é considerado o pai da álgebra
Al-Jabr
No livro Al-Jabr w'al-Muqabala, de autoria de Al-Khuarismi, é a
primeira vez que a palavra Al-Jabr ("álgebra") aparece.
Ele começa dizendo:
"Descobri que as pessoas necessitam de três tipos de números: unidades,
raízes e quadrados."
E mostra a seguir
como resolver equações usando métodos algébricos.
Equações
quadráticas (ou de segundo grau) já eram resolvidas nos tempos da Babilônia. A
diferença é que não havia fórmulas, e cada problema era resolvido
individualmente:
"Pegue a
metade de 10, que é 5, e o quadrado, que é 25"; e mais tarde, outro diria:
"Pegue a metade de 12, que é 6, e o quadrado, que é 36."
E assim
sucessivamente, eles passavam pelo mesmo processo repetidas vezes com números
diferentes, conforme o caso.
As fórmulas são libertadoras porque permitem resolver os mesmos tipos de problemas sem ter que começar do zero toda vez
Para Al-Khuarismi,,
a solução não estava nos números que precisávamos descobrir, mas em um processo
que pudéssemos aplicar.
Ou seja: o quadrado
significa fazer a raiz quadrada e multiplicá-la por ela mesma. E essa fórmula é
verdadeira qualquer que seja a raiz quadrada. Se for 5, é 5 vezes 5, que é 25;
se for 3, é 3 vezes 3...
Não usar números,
mas símbolos, acabou sendo uma ideia incrivelmente libertadora, permitindo que
você resolva problemas sem se prender a cálculos numéricos bagunçados.
'Algoritmi de numero Indorum'
Ao abandonar
temporariamente a relação com números específicos, você manipula os novos
elementos (x, y, z) de acordo com as regras que explica em seu livro: uma série
de fórmulas.
Os números que os
símbolos representam em seu problema específico aparecerão milagrosamente no
final.
Pense em algo
simples e cotidiano, era o que Al-Khuarismi queria ajudar a resolver:
Ahmed morre e deixa
80 moedas de herança. Para um amigo, ele destina um quarto delas; para sua
viúva, um oitavo; o resto é para seus três filhos. Cada fração corresponde a
quanto?
Al-Khwarizmi fez
com que a incógnita fosse parte da equação: o que chamamos de X em álgebra.
O tratado escrito
por Al-Khuarismi por volta de 825 sobre o sistema numérico indo-arábico foi
traduzido no século 12 com o nome Algoritmi
de numero Indorum, que significa "Algoritmi sobre os números hindu"; "Algoritmi" foi a tradução para o latim do nome Al-Khuarismi.
Na obra, ele nos
apresenta a essas fórmulas que, devido à tradução do seu nome, acabaram sendo
chamadas de algoritmos.
Al-Khuarismi
permitiu que a álgebra existisse como uma área da matemática por mérito
próprio, e se tornasse um fio condutor para quase todas as outras. A álgebra
nada mais é do que uma série geral de princípios e, se você os compreender, a
entenderá.
Qual é a verdadeira importância da álgebra?
Ela foi usada ao
longo do tempo para resolver todos os tipos de problemas.
Se a massa de uma
bala de canhão for 'm' e a distância que tem que percorrer, 'd', você usa a
álgebra para calcular o ângulo ideal para apontar o canhão.
É o tipo de
conhecimento que vence guerras.
Ou podemos chamar a
velocidade da luz de 'c', a mudança na massa de um núcleo atômico de 'm', e
assim calcular a energia liberada com esta simples fórmula:
Esse tipo de
conhecimento é poderoso. Os números arábicos e a álgebra foram uma contribuição
inestimátivel para a ciência ocidental, que permitiu desde a ida do homem à lua
ao desenvolvimento do dispositivo com o qual você está lendo esta reportagem.
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