Leia a 1ª parte aqui:
http://javiervillanuevaliteratura.blogspot.com.br/2015/02/mauro-eugenio-ribera-escritor-no-brasil.html
A 2ª parte:
http://javiervillanuevaliteratura.blogspot.com.br/2015/03/mauroribera-no-chile-1973.html
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A 2ª parte:
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Mauro Ribera segue no Chile.
O Frente Patriótico Manuel Rodríguez.
Mauro Ribera, embora em circunstâncias muito
difíceis, convivendo em casas muito pobres de paisanos mapuches, consegue
atravessar o longo período da ditadura de Pinochet, sem pensar em momento algum
em retornar ao Brasil. Cruza a cordilheira de leste a oeste, e de oeste a
leste, mais de doze vezes –sempre na clandestinidade e por passagens mal
vigiadas pelo exército ou os carabineiros chilenos, e a “gendarmeria”
argentina.
É que em meados da década de 1970 – apenas um par de anos depois do
golpe sangrento de setembro de 73- começa nas grandes cidades chilenas um
processo de formação de grupos de autodefesa e de embriões de milícias
populares, que desenvolvem diversas ações armadas urbanas, que aos poucos vão se
estendendo a todo o país. E o Mauro Ribera não quer estar ausente.
Então começa a se registrar na imprensa da época,
tanto a do regime como na das organizações políticas, incontáveis fatos e
ações. Alguns deles eram a colocação de bombas que explodiam em locais das
forças armadas, do governo e as instituições municipais e nas sedes de empresas
transnacionais; aumentava a distribuição de alimentos nas populações pobres; as
Milícias de Resistência Popular confiscam um caminhão com quatro toneladas de
leite e produtos lácteos, que imediatamente são entregues para as crianças da “población”
Vitória; oito grandes cortes e quedas de energia que afetam diferentes regiões
do país; são interrompidas as transmissões da Televisão Nacional. No dia 11 de
setembro, enquanto Pinochet pronuncia o seu discurso tradicional, várias operações
de propaganda conjuntas do MIR e do Partido Comunista em diversas “poblaciones”,
com panfletagem casa por casa e pinturas nos muros; e ainda mais 10 ações de
milícia que são articuladas e ligadas às mobilizações que não param de crescer
no movimento de massas. Em setembro de 1981 em Neltume, enquanto o MIR adianta
os preparativos para a luta guerrilheira rural, em frente da cidade de Valdivia,
7 militantes da Resistência Popular, organizada pelo PC Chileno e que culminará
no FPMR foram mortos em confrontos com as tropas da ditadura.
De 1982 a 1988 continuam as ações armadas das milícias
e vão surgindo novas organizações de combate, como a Frente Patriótica Manuel Rodríguez
– o FPMR, formado por quadros especializados do PC- e o Mapu-Lautaro. No calor
dos protestos, em 1982, quando a repressão dissolve uma marcha da fome, explodem
duas bombas em uma central elétrica no sul do país. Como resultado, a cidade
inteira de Concepción e as regiões de Lota, Coronel e San Juan permanecem sem
eletricidade por mais de 3 horas.
Na década de 1980, o MIR realizou transmissões através
da Rádio Libertação, uma rádio popular que utilizou as ondas da televisão
nacional, por exemplo, durante o jogo Chile-Áustria (1982), e cuja transmissão
foi ouvida no setor sul da capital e na cidade de San Bernardo. Durante a Copa
do mundo, foram feitas 24 emissões de rádio. Houve outras ações cujos objetivos
são econômicos e militares e as milícias produzem um ataque contra a base aérea
de El Bosque. Os milicianos lançaram 8 foguetes de modo intermitente contra a
base da FACh –Força Aérea chilena- . Também houve expropriação de dinheiro nas plantas
das multinacionais automotivas Datsun.
A capacidade de combate ascendente da FPMR ocorre
durante os anos de 1985 e 1986: são 904 ações de sucesso e 200 falhas, com 70 detonações
de torres elétricas; também produziram 30 cortes de estradas de ferro; 18 ataques
contra instalações das forças da repressão; 338 ações menores de sabotagem;
cinco caminhões com alimentos foram distribuídos, e ainda houve oito ações
especiais, uma delas em 1986, no mesmo ano em que foram descobertos os arsenais
e estoques do FPMR, a guerrilha do PC chileno lançou a sua ação mais audaciosa
com a emboscada a Pinochet no Cajón del Maipo, produzindo vários danos ao
veículo blindado do ditador e a morte de cinco membros de sua escolta.
Em 1987 os combatentes do FPMR ainda realizaram o sequestro
do Coronel Carreño, que depois de 92 dias de cativeiro, foi deixado livre na
cidade de São Paulo, em Brasil, na marginal do rio Tietê. A exigência para a
sua libertação foi a compra de 2 milhões de dólares em alimentos, que foram
distribuídos entre os moradores da periferia pobre de Santiago a pedido da
Frente Patriótica Manuel Rodrigues, que assumiu o sequestro.
Em 1988 o procurador militar F. Torres, é salvo de
uma emboscada pelo FPMR. Esta organização também desenvolveu uma forte experiência
de transmissões de rádio de postos de trabalho móveis. A revolta popular ia a
duas mãos, numa a Rádio Manuel Rodríguez e na outra, a Rádio Rebelión. Apesar
das limitações técnicas em termos de seu raio de ação, estas transmissões de
rádio tiveram um grande impacto sobre a população e eram mais um incentivo para
a organização e o protesto que surgiam novamente com força. Em 1986, a FPMR já tinha
consolidado uma estrutura estável de equipamentos de rádio, com cerca de vinte
pontos de transmissão, o que permitia ter um registro de quase trezentas
transmissões mensais.
E continuaram também numerosas ações armadas de
vários sectores do povo que iam se comprometendo cada vez mais em defesa dos
seus direitos, e que já começam, aos poucos, a pensar no fim da ditadura
criminosa. E assim cresceram também os atos e as manifestações de rua por todas
as cidades do país.
Em relação às mobilizações de massa, desde 1977 –ou
seja, a pouco mais de três anos de instalado o golpe sangrento de Pinochet- já se
produziram as primeiras manifestações públicas contra a ditadura, que vão se repetir
em 1978, com incidentes durante o 1º de maio e em setembro de 1979, com forte
repressão aos manifestantes.
Mauro Ribera conta que, já no ano de 1980 começa
uma nova fase na luta contra a ditadura. Ele próprio deixa a área de fronteira
nas montanhas para instalar-se, definitivamente, em Concepción e mais tarde em
Valparaiso. A repressão ditatorial já não é mais capaz de impedir totalmente a
mobilização das massas que começa a se espalhar entre os trabalhadores, os residentes
das “poblaciones” suburbanas, os estudantes e outros sectores democráticos. Em
1982 aconteceu a primeira greve de fome no marco de uma multidão de manifestantes que durante várias horas se enfrentaram nas ruas com vários piquetes de polícia
móvel. Entre 1983 e 1987 continuaram a se multiplicar as grandes
manifestações
A resposta da ditadura foi a repressão e
repetidamente unidades do exército e da polícia isolava as populações da
capital, levando para fora das "poblaciones" todas as pessoas com mais de 14 anos de idade .
Milhares de jovens eram detidos nessas operações. No terceiro protesto
nacional de julho de 1983, baixou a violência policial com gás
lacrimogêneo e balas em mais de vinte populações periféricas de Santiago. No final de 1983, haverá um total de mais de 69 chilenos mortos,
vítimas da repressão oficial por soldados, policiais e a ação de civis "não
identificados".
Em julho de 1986, acontecem dois dias de greve
nacional nas principais cidades do Chile; a greve e o protesto se expressam nas mais diversas maneiras, por meio de comícios, bloqueios de estradas, manifestações, assembleias,
panelaços, trabalho lento, ocupação de praças públicas e muitas outras formas
de protesto. A repressão cobrou 7 vidas e centenas de feridos. Os jovens
comunistas Rodrigo Rojas e Carmen Gloria Quintana são queimados por uma
patrulha militar, o último morre.
Em outubro de 1987, o comando nacional dos trabalhadores
lança a greve geral e milhares de trabalhadores se manifestam em assembleias, expressando-se
por meio dos “viandazos” -fazendo barulho com as marmitas- sua rejeição à
política de demissão e de arrocho salarial do governo. Os grandes protestos nacionais
deixam centenas de mortos, milhares de feridos e manifestantes detidos, com centenas
de ataques e operações militares em cidades e nos bairros da classe
trabalhadora.
Neste período, a força ascendente do movimento de
resistência liderado pelas renacentes FPMR e o MIR e Mapu-Lautaro, a criatividade popular e a presença das organizações são fortalecidas, os partidos de esquerda formam espaços da unidade
para apoiar todas as formas de luta contra o regime ditatorial. Através de uma
multidão de ações, que são impossíveis de resumir em sua totalidade, os trabalhadores e o povo indicam o
legítimo direito a escolher as diferentes maneiras em que se expressa a resistência popular, apesar do terror e
a repressão.
A transição e o fim da ditadura
A burguesia, reconstituídos e fortalecidos todos os
pilares do seu sistema de dominação, abandona as vanguardas da esquerda, consolida o modelo capitalista
neoliberal, e começa a discutir os termos do processo de transição para o
restabelecimento do sistema parlamentar através de uma aliança política que
sustentará a futura coalizão para a volta da democracia no Chile.
O primeiro passo foi a assinatura de acordos e
garantias para a manutenção e a continuidade dos atuais modelos econômicos e
sociais, e a impunidade aos militares criminosos: depois do fim da ditadura e de
três governos consecutivos da chamada Concertación -Aylwin, Frei e Lagos- os
principais instigadores e culpados pelos crimes da ditadura continuavam livres, com uma permanente
reivindicação de um modelo que promete justiça e verdade, com uma base econômica e social que
apresentam como altamente inclusiva, mas com a existência de presos políticos e
populares, e com os trabalhadores com salários de fome com aparelhos e polícia que,
nos bairros e setores populares, continuam em democracia, com as mesmas
práticas repressivas da ditadura.
-Como e por que surgiu o FPMR do PC chileno, uma
experiência bastante insólita, e como foi que renasceu o MIR?- me pergunta
Mauro Ribera, e se esquece da reportagem sobre seus contos que eu vim fazer.
-Eu creio- explica sem tirar os olhos da
cordilheira- que o surgimento nasceu da ruptura violenta que sofreu o projeto
de construção do “socialismo pela via pacífica”, e tudo o que isso significava olhando
pra derrota política e militar que começou em 11 de setembro de 1973.
-O projeto do “socialismo pacífico” foi
praticamente anulado em seu início, mas permitiu que os setores populares e
grandes massas de trabalhadores se tornassem protagonistas da liderança do país.
Com um alto grau de politização, as massas se reuniram numa forma organizada
para resolver os problemas que enfrentava o governo. O apoio do povo foi
demonstrado nas mobilizações permanentes em defesa do governo do presidente
Allende, cercado pela forte reação interna e pelo imperialismo norte-americano-
disse Mauro Ribera e me mostra a pilha de panfletos e jornais da época que
escondeu não se sabe onde durante tantos anos.
-Ante a possibilidade de derrubada, já antes de
1970 e durante os três anos de governo da Unidad Popular, muitos militantes do
PC e das Juventudes Comunistas, junto com outros revolucionários, foram se
preparar militarmente nos países socialistas, com o objetivo de defender o
projeto popular- me mostra Mauro dois Boletins Internos do MIR e do PCCh.
-No início, e enquanto treinvam em Cuba ou lutavam na Nicarágua,
esta preparação respondia à necessidade de desenvolver a capacidade combativa
do povo a fim de apoiar os sectores “constitucionalistas” das forças armadas,
que seria o principal responsável pela defesa. Além disso, o MIR - que já tinha
ganhado nesses anos um significativo apoio popular - assumiu a luta armada como
um caminho autônomo, para a toma do poder.
-Mas a defesa da estratégia de governo baseou-se no
respeito às forças armadas, à constituição e a concepção do caminho pacífico
para o socialismo- engrossa a voz o Mauro Ribera.
-Foi isso o que preparou a
derrota do projeto e o alto custo social, político e humano pago pelo povo. A
resistência ao golpe de estado foi espontânea e desorganizada, guiada por
fatores morais e de dignidade, do próprio Presidente Allende. Mas durou pouco.
-Hoje é fácil criticar a quem pegou nas armas. Mas, por
que ninguém critica as ações guerrilheiras dos maquis franceses e dos
partisiani italianos contra as tropas alemãs durante a 2ª guerra?- disse Mauro
e me dá um apertão de mão antes de sair.
E nada de falar sobre os seus contos e
o realismo fantástico mineiro.
FIM
Javier Villanueva. Valparaíso, outubro de 2011.
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