O capitalismo selvagem
e a alta burguesia criminosa
Se você é dos que pensam que a CIA é uma sigla para uso e abuso dos filmes de ação de Hollywood, talvez seja também dos que acham que os culpados pelo inferno imposto ao povo pelo crack, a
cocaína, o LSD ou a maconha são os traficantes que habitam nas favelas e periferias das
cidades. Pois bem, nesse caso, desculpa, mas você está enganado. Eles são apenas varejistas, funcionários de um –ou de vários-
grandes patrões atacadistas, e são o degrau mais fraco e miserável de um
gigantesco negócio do
capitalismo nacional e mundial.
Os verdadeiros donos, os diretores e gerentes dessa enorme cadeia produtiva integrada à economia cotidiana
do capitalismo, se escondem em luxuosos edifícios de vidraça espelhada, moram em bairros da alta burguesia, e vestem
ternos de executivos. Mas podem ser claramente identificados. Pertencem às
classes dominantes, são homens e mulheres das finanças, empresários da alta
burguesia -a dona de fábricas, bancos, comunicações e transportes- e poderosos latifundiários.
No
Brasil, fazendeiros e banqueiros são os mais citados nas listas internacionais,
como o HSBC, Bradesco, Credit Suisse e Bozano Simonsen, que já apareceram em diversas denúncias.
Em
países como a Colômbia e o Peru, além do latifúndio e dos bancos, também são sócios
do narco-business as Forças Armadas e muitos políticos de vários partidos,
incluindo alguns presidentes da república.
O
comando do grande negócio, contudo, fica nos USA. Foi entre muitos dos seus
governantes e membros das classes ricas dos Estados Unidos que, desde os anos de 1970 a
80, implantaram e multiplicaram de modo maciço esse tenebroso negócio, através e
sobretudo da CIA –principal agência de espionagem e inteligência-, da DEA –a agência
supostamente de combate às drogas-, do FBI e do mesmíssimo Pentágono.
Hoje o
negócio das drogas movimenta entre 400 e 600 bilhões de dólares ao ano,
é o 2º item do comércio internacional, ganhando até do petróleo, e é só inferior
ao das armas, seu primo-irmão. Ao contrário do que diz a imprensa monopolizada (Globo no Brasil, Clarín na Argentina),
a poderosa economia das drogas não nasceu e cresceu como atividade de
marginais, ou de cartéis e máfias "por fora da lei", e sim como o fruto
planejado e montado pelos órgãos do imperialismo norte-americano como um business destinado a financiar outras
atividades ilegais do estado supra-nacional e dos estados nacionais que seguem
suas regras.
"O
tráfico de drogas foi sempre um negócio capitalista, por ser organizado como
uma empresa, estimulada pelo lucro", diz a enciclopédia on-line Conteúdo
Global, e não se engana. A droga é um dos tantos geradores de renda das classes
dominantes e do mega-empreendimento chamado colonialismo até meados do século
XX e claramente imperialismo nos nossos dias; e esse negócio vem desde séculos
atrás. A "narco-empresa", porém, no modelo em que a conhecemos hoje, nasceu na
década de 1960 e se estabeleceu a partir
dos anos de 1970 e 80.
Nos
anos de 1960, a CIA e setores do Pentágono viram as enormes vantagens políticas,
ideológicas e econômicas que uma companhia transnacional da droga poderia dar
ao sistema capitalista em seu conjunto.
Desde
1963 os militares dos USA e a CIA montaram "uma rede de produção e distribuição
de narcóticos para gerar uma fonte de financiamento para futuras ações de
contra-insurgência (guerras populares e movimentos de libertação na América
Latina)", afirma a Folha da História..
E ainda
acrescenta: "No final de 1964, Philip Agee, agente da CIA, denunciou o
começo da operação na Bolívia. Ali os generais Barrientos e Banzer, também
agentes da CIA, construíram uma primeira rede".
Pouco
depois, para aumentar o mercado consumidor, os USA não tiveram nenhum melindre
em criar massas de dependentes químicos entre seus próprios cidadãos, os mais
jovens, que eram os soldados enviados ao Vietnã. Segundo Jansen, essa guerra –que
durou de 1964 a 1975, apenas nos anos da intervenção norte-americana- seria
marcada pelo uso generalizado das drogas. "Cerca de 30 mil soldados
estadunidenses se tornaram dependentes de drogas (notadamente maconha e
heroína) para que continuassem estimulados no front".
Já
cerca dos anos de 1980, com o aumento do número de consumidores dependentes
químicos nos USA e outros países, foi necessário incentivar o crescimento das culturas
da coca e da maconha, para manter o grande business em crescimento. E nisso participaram
–sabendo ou não sabendo- o FMI e o Banco Mundial, na década de 80.
Naquela
época, as medidas econômicas e políticas anti-populares em muitos países pobres
resultaram na eliminação de milhões de empregos. Segundo Jansen, isso
"provocou uma transferência maciça de mão de obra para a economia dita
informal e em particular para a produção de drogas, em países como Bolívia,
Peru, Colômbia, Afeganistão".
Vejamos
o caso da mal famigerada Colômbia, que hoje produz cerca de 80% da cocaína do
mundo. Isso só foi possível porque com a ajuda do FMI e do Banco Mundial,
na década de 1980, os fazendeiros deixaram de produzir café para produzir coca
e cocaína. Ou seja, os latifundiários colombianos foram convidados pelos EUA a
entrar na empresa do drogas-business.
E eles aceitaram com gosto.
Os que
gerenciavam o país autorizaram empréstimos externos pelos quais os dólares vindos
eram trocados por pesos. Esse plano ficou conhecido como Ventanilla Siniestra –a
janelinha sinistra-. Por meio da Ventanilla, verdadeira oficialização da
lavagem de dinheiro da droga, as autoridades colombianas "deram anistias
tributárias, por meio das quais foram incorporados e legalizados os
investimentos dos narcotraficantes", confirma Jansen.
E temos
ainda o caso da Bolívia, onde o FMI e o presidente Paz Estenssoro abriram as
portas para o grande narco-business
na década de 1980. Segundo Del Roio, em 1985 foi aplicado um plano econômico
que subiu os índices de desemprego a 30%. O FMI aconselhava e pressionava, como
sempre, para a liberalização geral.
Então,
"o presidente Paz Estenssoro, com o decreto DS 21.060 declara que todas as
moedas cotadas podem ser depositadas nos bancos bolivianos, em qualquer
quantidade e sem controle nenhum, com respeito total ao sigilo bancário em
relação a sua proveniência. Os aplausos dos organismos econômicos
internacionais foram generalizados. Significou o sinal verde para os grandes
investimentos na coca. (...) Aconteceu que em pouco tempo no planalto de
Chapare, o melhor terreno para a plantação, a população cresceu de 20 mil para
200 mil habitantes. Um caso quase único de corrida das cidades em direção ao
campo".
Com tremendo
aumento da produção, o chefe de polícia do Panamá –o depois presidente Manuel
Antonio Noriega- já conseguia, entre 1984 e 1986, "exportar" aos USA duas
toneladas de cocaína e 500 toneladas de maconha do cartel colombiano de
Medellín.
Noriega
–como poucos ignoram- era agente da CIA desde 1967, e participou ativamente do
esquema clandestino montado pela agência de espionagem para o financiamento dos
bandos paramilitares chamados de "Los Contras" que atacavam o governo
sandinista da Nicarágua e semeavam o terror na população, segundo nos relata
Jansen e como já é parte da história.
Tal
operação ficou conhecida em 1986 como o escândalo "Irã-Contras" –que era
a compra de armas no Irã para financiar os bandos dos Contras numa tentativa da
CIA de derrubar o governo revolucionário sandinista-.
Em
1989, Noriega se declarou chefe de Estado do Panamá, entrando em estado de
guerra virtual contra os USA. Como resultado imediato, 13 mil marines invadiram
o Panamá e prenderam Noriega. O pretexto foi "o combate ao
narcotráfico". A maioria dos especialistas em política e nas táticas
militares dos EUA não acreditou. É que era claro que, para a CIA, ele era um
perigoso arquivo vivo.
No
Afeganistão, a produção de drogas foi retomada depois da invasão militar do USA
em 2001. Após a invasão –justificada pela guerra ao Al Qaeda e ao Talibã-,
o país superou a Colômbia e se tornou o maior produtor mundial de drogas, principalmente
de ópio e heroína. Em 2003, o drogas-business
faturou 2,3 bilhões de dólares, que nessa época representava mais da metade do
PIB do Afeganistão.
Embora
o comando da narco-economia seja dos agentes norte-americanos, a estrutura da
cúpula é similar à uma multinacional e funciona em forma de uma rede.
Na
América do Sul, na ponta da produção está o latifúndio, que planta coca e
maconha.
No
Brasil, fazendeiros e camponeses pobres do sertão de Pernambuco –do chamado "polígono
da maconha"-, e no Maranhão, Tocantins e Mato Grosso são os mais citados.
Os
produtores latino-americanos têm como sócios e protetores um numeroso segmento
de políticos –incluindo, como já dissemos ao início, presidentes da república,
como no Peru e Colômbia-, militares, juízes, etc. E, como já está bastante
divulgado, a distribuição atacadista internacional costuma contar com
empresários do chamado crime organizado –os cartéis e máfias- que ficaram
popularizadas no cinema como mera ficção, sobretudo para quem não quer enxergar
a realidade.
Todos
esses departamentos do "narco-business",
embora poderosos, lucram apenas um 10% dos benefícios totais. A distribuição
varejista, a dos traficantes dos morros cariocas e das periferias do Brasil,
aquela que a Globo –no Brasil, ou o Clarín na Argentina- e o resto do monopólio
mediático ataca, é o peixe pequeno do business, não recebendo mais que uma
parcela mínima desses 10%.
O maior
lucro do empreendimento, 90% do total, é o que aferem os bancos. Os respeitáveis
senhores banqueiros, frequentadores das colunas sociais, são os que realmente deveriam
aparecer nas páginas policiais.
JV. Fevereiro de 2016.
Fim da primeira parte. Continuará.
Notas
Veja também:
http://javiervillanuevaliteratura.blogspot.com.br/2015/09/nem-com-reagan-nem-com-soros-e-fhc.html
http://javiervillanuevaliteratura.blogspot.com.br/2014/02/mas-que-droga-senador-cristovam-buarque.html
http://javiervillanuevaliteratura.blogspot.com.br/2013/08/quem-le-este-blog-ha-mais-de-dois-anos.html
http://javiervillanuevaliteratura.blogspot.com.br/2013/05/as-drogas-de-alguns-ea-independencia-de.html
Principais fontes:
Drogas, imperialismo e luta de classes , Ney Jansen (sociólogo),
artigo, revista Urutagua, nº 12, 2007, Universidade Estadual de Maringá (PR).
As
últimas armas do império agonizante, José Moreira Chumbinho.
A Nova
Democracia nº
1, julho/agosto 2002.
Mundialização
e criminalidade, José
Luiz Del Roio, in: Drogas: hegemonia do cinismo,
Memorial. 1997.
Folha da História , junho, 2000 in: Peru –
Do império dos incas ao império da cocaína , Rosana Bond, Coedita, 2004.
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