A língua e
as mudanças segundo as épocas e as influências da Globo nas modas e modismos da
nossa classe média.
Antigamente quem chegava a
atingir a dor e a delícia de pertencer à classe média, chamava-se a si mesmo de
“remediado”. Não era nem rico nem pobre, apenas alguém que tinha conseguido por
um certo remédio nas amarguras da vida. Hoje as doutrinas liberais, último
grito da moda do século XIX, agregam um novo conceito ao antigo remediado;
acontece que o filho do velho batalhador hoje se vê como um “meritocrático”, isto é, alguém que
alcançou o seu “nível” e aquinhoou seu patrimônio só e apenas por mérito
próprio.
Quem estava bem empregado, uns
dez ou quinze anos atrás, dizia trabalhar “numa firma”; uma “firma boa”,
acrescentava. Hoje seus filhos falam que trabalham “no corporativo”. Já o desempregado que optava por trabalhar por
conta própria era apenas isso, um sofrido autônomo; hoje seus filhos são “empreendedores”.
Antes, quem conseguia guardar uma
parte dos seus salários ou ganhos como trabalhador autônomo, dizia estar “fazendo um pé de
meia”; hoje seus filhos se consideram “investidores”.
E essa mudança na língua, nos
adjetivos e substantivos, apenas acompanha o crescimento de posses e o
despertar para o mundo da antiga e pacata classe média, acanhada e tacanha
antes, expansiva e ostentosa hoje. Chega de viajar ao Paraguai para trazer
muambas! Miami é agora a Meca. Basta de guardar óleo em vidros para usar dez
vezes, ou estocar arroz, feijão e óleo, como se uma guerra nuclear estivesse à
volta da esquina.
Mas, como já sabemos, há dois
formadores de opiniões, modas, modismos e costumes no seio do povo brasileiro.
Por um lado, existem as tradições e o folclore que transmitem os modos populares de
comportamento; eles costumam ser pouco variáveis de geração para geração, mesmo
considerando o progresso social e econômico que o país vive desde os anos 90 em
diante, sobretudo pela incorporação de novas tecnologias, que separam a velha
TV – ligada na sala ou na cocinha da manhã até a noite-, dos pais e filhos afastados
pelos celulares, o whatsapp, o instagram e o facebook.
Por outro lado, bem no centro dessas tradições mais
populares, existe o que parece ser o principal fator de mudanças e modismos
entre aqueles que surfam na onda da mobilidade social. Trata-se da TV, e em
particular da Globo, que lança modas, impõe palavras, frases e tiques,
rapidamente adotados pela nossa sempre volúvel classe média.
E nessa escalada social que se
acelera desde o fim dos anos 90 e se volta vertiginosa entre 2010 e 2015, até
palavras ocas surgiram – vejam o caso de “atitude”,
por exemplo- que nada significam fora do contexto das populares novelas globais.
Mas assim como a classe média
evoluiu nesses 15 anos, incorporando – por baixo, é claro- as camadas pobres mais
favorecidas pelas políticas de expansão do crédito e da integração no ensino
superior e o consumo, a Globo também se diversificou. Para os antigos “remediados” – os atuais meritocráticos,
investidores, empreendedores ou executivos “no corporativo” – a Globo criou um canal que é uma espécie de “banco exclusivo”, algo assim como o BB
Estilo, ou o Personalité do Itaú, ou o Bradesco Prime, onde o emergente fica de
fora, enquanto o velho classe média se diferencia e usa seus novos vocabulários
e léxicos específicos.
A Globo News é esse banco exclusivo, onde a propaganda
das Casas Bahia cede lugar ao investidor – conservador ou arrojado–, aos carros
de luxo e às reportagens sobre vinhos e azeites, viagens internacionais e entram até
literatura e a história.
Pois é, igualzinho ao que acontece
no governo com a luta entre aliados – os feios e cafonas por um lado (novos ricos neo-pentecostais donos de igrejas, atores de
fama instantânea e pequenos coronéis de paróquia), representados pelo PMDB com
figuras vergonhosas como o Temer ou Cunha–, e por outro lado os “doutores” do
PSDB e o Dem.
A linguagem muda conforme os tempos e segundo os usos sociais de
cada classe. Os recém chegados à classe média, ainda guardando óleo usado e
assistindo a Globo– canal aberto o dia todo, arrastam falas e costumes da sua
origem ainda popular; os novos pequeno-burgueses, donos de pequenas e médias
fábricas e comércios, mais livres da agonia dos salários, mas não por isso alheios
às angústias que o “deus mercado” lhes impõe, buscam um novo palavreado, mais
adequado à nova situação de aliados próximos dos verdadeiros donos do poder.
E enquanto isso...o que foi das
velhas samambaias em todo sobrado e apartamento?
JV. Junho de 2017.
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