O Taxista
Luto para conseguir sair do sono, quando ouço a porta abrindo e entram várias pessoas na sala, e há vozes no corredor do sanatório. Fecham a porta e alguem se senta na beira da minha cama; ouço a voz do meu primo: ––Na noite passada sonhei que era um motorista de táxi–– ouço dizer, deixo o sonho e as lembranças de Victoriano e presto mais atenção ao que Raul começa a contar, enquanto faz tempo para esperar Raquel. Minha irmã deve vir a qualquer momento para aliviá-lo da nada agradável tarefa de passar horas me acompanhando em silencio, arrumando o travesseiro e os lençois, ou me beliscando para provar, de vez em quando, discretamente, se realmente estou totalmente insensível, morto para a dor, os odores e ruídos, para os toques ou as imagens, como dizem os médicos.
––Um motorista de táxi–– disse meu primo, ou melhor, repete para mim, porque, embora a tarefa de cuidar de mim pareça chata, eu sei que Raul não me considera um mero vegetal ao que tem a obrigação de acompanhar. ––Um motorista de táxi em um Fiat 600, meio ridículo, né!?–– E ri, surpreendendo Raquel, que naquele momento acaba de entrar no quarto, e acredita que Raul se esquece de que, com certeza, eu não posso ouvir e muito menos responder às suas observações.
––Você acha mesmo que vai se recuperar?–– Raquel pergunta, mas Raúl sorri sem ligar para a pergunta, olha para ela e depois para mim, e continua com a história do sonho ––um Fiat 600 sim, bem minúsculo, embora pareça incrível. Dirijo cerca de dois quarteirões lentamente e paro na esquina, porque uma cliente me faz um aceno. Abaixo a bandeira da corrida e quando ela entra no carro, olho de soslaio pelo espelho retrovisor: é loira, bonita, e esconde parcialmente o rosto entre as abas levantadas de uma capa de chuva, como se estivéssemos num filme antigo de Humphry Bogar em preto e branco, ou num texto de Manuel Puig–– Raul completa.
O estado de coma parece que me aguça a memória, e de repente lembro que eu escrevi uma história parecida com o sonho do meu primo. Lembro até de ter enviado o texto por e-mail porque eu queria a opinião do Raúl para presentá-lo num concurso literário. Na minha história, a loira sai do táxi e deixa perplexo o motorista com um "até logo". E a poucos quarteirões antes de chegar a sua casa, um par de horas mais tarde, volta a encontrá-la, e já não entende mais nada. Aquela noite, ao dormir, morto de cansaço e tentando não fazer barulho para não acordar Ana, sua esposa, ele sente uma forte opresão no peito. Mais tarde, no meio da noite, acorda assustado e suando, depois de ter sonhado que a mulher do táxi lhe deixa cair, macia, solta e perfumada, uma mecha loira e espessa sobre seus ombros. Ele cai no sono novamente, e nos sonhos sente que uns dedos longos tocam seu peito e pescoço, e um par de olhos escuros olham para ele, curiosos, e os cabelos loiros se espalham sobre o travesseiro; o despertador toca e ele se levanta, morto de preguiça e com uma dor aguda e esquisita no braço direito.
––Que sonho estranho!–– Raquel diz quando o meu primo termina de contar que, no dia seguinte, a loira vai até o táxi, entra, desvia os olhos várias vezes quando ele tenta olhá-la pelo espelho; e, finalmente, quando se vira para receber o pagamento pela viagem, a vê chorar, segurando o peito, quase que se contorcendo de dor, e diz que tinha sofrido um ataque cardíaco no dia anterior, mas que já estava melhor.
Finalmente, todos vão embora do meu quarto no hospital, e desligam a luz do teto; estou sozinho com as minhas lembranças. Repensando o fim do conto do Raúl, ou o final do sonho, percebo que desde a infância, eu tinha uma certa claustrofobia, um medo atroz de ser enterrado vivo, ou ser soterrado em um terremoto, ou sofrer um colapso e ficar preso debaixo de um edifício, por exemplo. Minha fobia tinha aumentado durante os anos de terror, e sempre me pegava pensando que não poderia aguentar ficar trancafiado numa cela, ou que não iria suportar a supressão da visão debaixo de um capuz.
Quando nós levaram presos, junto com outros 1500 estudantes e ativistas que nos havíamos concentrado na faculdade de arquitetura para protestar contra o assassinato de Trelew, em agosto de 1972, a polícia de Córdoba nos trancou de a cinquenta, dentro de cada camburão onde em circunstâncias normais não poderiam se encaixar mais do que 15 ou 20 pessoas. A sensação de ter o corpo separado em várias partes me lembrou de imediato “A 25ª hora” de Virgil Gheorghiu, em que o personagem, ao ser transportado com outros presos em condições idênticas à minha, se sentia como num quadro cubista de Picasso, com os braços separados e desconexos do tronco, pernas e cabeça.
Mas agora, sozinho no escuro do meu quarto de hospital, contido dentro das quatro paredes do meu corpo em estado vegetativo, estranhamente não sinto para nada aquele antigo medo claustrofóbico pelo isolamento e o silêncio. E na escuridão, em meio ao silêncio absoluto, e sem medos ou fobias, percebo que me lembro muito bem do final do conto do “Motorista do Taxi” que, tal como tinha acontecido a Raquel com o sonho do Raúl, também me parecia estranho o desfecho da história que tinha escrito e queria enviar ao concurso:
A mulher volta a tomar o táxi e o motorista -que é o Raúl no seu sonho, ou o protagonista do meu conto, já não sei- se assusta ao vê-la, mas está contente de ter outra oportunidade de falar com ela; e a observa mais uma vez pelo espelho retrovisor, mas ela não o rejeita agora, e ao invés de fazer uma careta de contrariedade, ele lhe devolve um sorriso lindo, levemente esboçado. O motorista não consegue tirar os olhos do espelho, mas lhe chama a atenção uma betoneira que desce lentamente pela curva do morro, a umas poucas centenas de metros. Ele olha de volta para a loira e os olhos da estranha voltam a sorrir no espelho,...e como é difícil olhar para a estrada! e ver a betoneira em ziguezague, sem freios, pelo que parece. A loira não tira os olhos fora, o perturba e seduz, enquanto a ponta do pára-choque traseiro da betoneira, que fez uma volta completa de 180 graus, se crava lentamente sobre o capô do táxi, e uma crescente pressão se vai instalando entre o ombro esquerdo e no peito, enquanto que o cimento é descarregado lentamente, com todo o seu peso, criando grandes inclusive rachaduras no vidro que explode em mil pedaços, enquanto a loira lhe pisca um olho, perturbadora, sedutoramente atraente. Ana, a mulher, o sacode com violencia e grita, histérica. Mas ele já não pode mais ouvi-la, braços e pernas se entregam à crescente rididez, e um sonho triste, um cansaço brutal, e uma grande melacolia, o afundam num pesadelo, um longo e eterno sonho".
El taxista y la Hormigonera
Duermo y lucho para salir del sueño cuando escucho que abren la puerta de la habitación y entra gente; hay voces en el pasillo del sanatorio. Cierran la puerta y alguien se sienta en el borde de mi cama; escucho la voz de mi primo: ––Anoche soñé que era taxista–– le oigo contar, salgo del ensueño y de los recuerdos de Victoriano y le presto más atención a lo que dice Raúl, mientras hace hora para esperarla a Raquel. Mi hermana debe venir a cualquier momento a relevarlo de la ingrata tarea de acompañarme en silencio, arreglarme una sábana o pellizcarme para probar, de vez en cuando y discretamente, si de veras estoy totalmente insensible, muerto para el dolor, el olor, los ruidos, el tacto o las imágenes, como afirman los médicos.
––Un taxista–– dice mi primo, o mejor dicho, me repite; porque, aunque el cuidarme parezca una tarea aburrida, yo sé que Raúl no me considera un mero vegetal al que tiene que acompañar. ––¡Un taxista en un Fiat 600!, medio rídiculo, ¿no?–– y se ríe, sorprendiéndola a Raquel, que en ése instante entra en la habitación, y piensa que Raúl se olvida que, muy probablemente, no puedo oírlo, ni mucho menos contestarle sus comentarios.
––¿Pensás que se va a recuperar?–– le pregunta Raquel, pero Raúl sonríe sin inmutarse, la mira, enseguida me mira y sigue con el relato del sueño: ––Un Fiat 600, sí, aunque te parezca increible; manejo despacio unas dos cuadras y paro en la esquina porque una cliente me hace señas; bajo la bandera y cuando entra, la miro de reojo por el espejo retrovisor; es rubia, linda, y se esconde parcialmente, como en una película en blanco y negro, o un texto de Manuel Puig, entre las solapas levantadas de un piloto azul marino–– completa Raúl.
El estado de coma parece que me aguza la memoria, y de pronto me acuerdo que ya escribí un cuento parecido al sueño de mi primo, incluso que se lo mandé por e-mail porque quería su opinión para enviarlo a un concurso. En mi cuento, la rubia se baja del taxi y lo deja perplejo al chofer con un “hasta luego”. Y a pocas cuadras antes de llegar a su casa, un par de horas después, vuelve a verla, y ya no entiende nada. Esa noche, cuando va a dormirse, muerto de cansancio y tratando de no hacer ruido para no despertarla a Ana, su mujer, siente que el pecho se le oprime. Más tarde, en medio de la noche, se despierta asustado y transpirando, después de haber soñado que la mujer del taxi le deja caer, suelto y perfumado, un mechón muy rubio y espeso sobre los hombros. Se duerme otra vez, y sueña que unos dedos largos le tocan el pecho y el cuello, los ojos negros lo miran, curiosos, y la melena rubia se desparrama sobre la almohada; el despertador toca y se levanta, muerto de pereza y con un dolor agudo en el brazo derecho.
––¡Qué sueño más raro!–– dice Raquel, cuando mi primo termina de contar que, al día siguiente, la rubia vuelve a subir al taxi; le esquiva la mirada un par de veces cuando él trata de espiarla por el retrovisor; y por fin, al darse vuelta para recibir el pago por el viaje, la ve llorar, apretándose el pecho, retorciéndose de dolor y le cuenta que había sufrido un infarto el día anterior, pero que ya estaba mejor.
Por fin, se van todos y apagan la luz de la habitación; me quedo solo con mis recuerdos. Repensando el final del cuento –o del sueño-, me doy cuenta que siempre, desde chico, tuve una cierta claustrofobia, miedo de ser enterrado vivo, o de quedar sepultado durante un terremoto, o de ser víctima de un derrumbe de un edificio, por ejemplo. Mis fobias se habían multiplicado en los años del terror; pensaba que no podría soportar el encierro de una celda, o la sofocación de una capucha. Cuando nos llevaron presos a los mil quinientos alumnos y militantes que nos habíamos concentrado en la facultad de arquitectura para protestar contra el fusilamiento de Trelew, el 22 de agosto de 1972, la policía de Córdoba nos había metido de a cincuenta en unos carros de asalto en los que quizá no cabrían, en otras circunstancias, ni veinte personas de pie. La sensación de tener el cuerpo separado en varias partes me había recordado de inmediato “La Hora 25” de Virgil Gheorghiu, cuando el personaje cuenta que, al ser transportado con otros prisioneros, en condiciones idénticas a las mías, se había sentido como en un cuadro cubista de Picasso, con los brazos desconectados del tronco, las piernas y la cabeza.
Sei que Villanueva começou a tradução do "Crónicas de Utopías y Amores, e Demonios y Héroes de la Patria". Estive comparando dois trechos do livro, e acho que a passagem do espanhol para o português fica fiel. Ainda não sei opinar se eu gosto desse tipo de suspense.
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