sábado, 28 de janeiro de 2012

Esteban e a plantinha. 2ª parte.





Bom, o fato é que Esteban esqueceu da plantinha e concentrou todo o seu humor na viagem, no calor de mais de 40 graus e na esperança da chuva parar.
Passaram dois dias maravilhosos na casa da sogra -sem que a chuva parasse mais do que seis ou sete minutos durante a noite- e na volta, a primeira coisa que viram foi a protuberância no telhado, bem no meio da sala.

A planta tinha crescido até ocupar metade do cômodo e esticar o topo, verde e carnudo, até uns quinze centímetros acima das telhas.

Enfadonhas e monotemáticas férias de verão! A verdade -pensa Esteban - quase um ópio, se não fosse por essa novidade da plantinha que insiste em crescer e crescer! Será que é só a chuva que não pára?

Um tédio total. Não posso ver a televisão - repete enquanto olha para a planta, empurrando sem piedade as telhas da cumeira.

Se meus filhos não estão assistindo televisão – pensa - estão na piscininha “Pelopincho”.
Se estão na água, eu tenho que cuidar deles - insiste Esteban e calcula como é que vai subir até o topo da plantinha, quase encostando a cabeça.
E se não estão na maldita “Pelopincho” estão vendo o Discovery kids, e eu não posso  assistir nada mais que os Octonautas, Caillou, ou os Backyardigans – se repete enquanto imagina subindo no telhado, cortando os galhos mais altos da plantinha, descendo pela escada e podando com a machadinha um por um cada galho lateral, até o chão da sala.

Bom, não posso ficar só resmungando, afinal, com chuva e tudo, estamos de férias!  Assim a minha família vai terminar planejando a próxima viagem sem mim – conclui, dando uma risadinha de lado, enquanto decide pegar o machado maior e se lembra do avô Victoriano que, com certeza, no seu lugar estaria feliz com a ocorrência da plantinha pela chance de ficar imaginando alavancas, polias duplas, engrenagens e outras engenhocas para se livrar do feliz empecilho.

Esteban pegou o machado grande, testou o fio na ponta dos dedos, com cuidado, como teria feito Victoriano, e pensou que já o ano passado tinha jurado que não sairia nunca mais de férias, mas o homem é fraco, e se vê dirigindo por alguma estrada solitária do norte, ouvindo um CD do “Pipo pescador”, ou do “Sapo Pepe”, enquanto sua mulher vai ao lado, cevando um “mate” amargo atrás do outro e pensa que isso é a felicidade. E olha pra cima na sala e vê a copa da plantinha, subindo, verdejante, mais uns cinco ou dez centímetros, e pensa que tem que se apressar e cortar a danada antes que a chuva aumente e não possa subir ao telhado.

Se Freud tivesse conhecido o Esteban talvez tivesse abandando a psicanálise e até a psicologia em geral - dizem seus amigos. E o Esteban se diverte pensando nas brincadeiras que a turma do hospital não devam estar bolando às custas dessas suas férias familiares. A final das contas ele é casado e tem filhos e uma mulher que adora; e a chuva não para já há 139 dias, e a plantinha cresce a cada minuto. E o Esteban deixa o machadão, pega a escada e o facão e sobe ao topo da sala, abaixa a cabeça para não apoiar-se no telhado e desarrumar ainda mais as telhas, bate com força e corta o galho do topo da plantinha, ainda tenro e mole, mas carnudo e vigoroso no seu crescimento. Corta mais cinco ou seis galhos laterais e desce da escada para apreciar o progresso da obra, e então o vê.

Sentado, dormindo bem ao lado da base da planta, o homenzinho minúsculo, quase da cor da folhagem, orelhudo e narigão, nem se assusta quando o Esteban da um respingo e deixa cair o facão. Dorme o sombrerudo, tapado pelas abas do enorme chapéu de feltro preto.
E Esteban lembra do camponês, lá em Tinogasta, que foi hospitalizado logo depois de sofrer uma crise nervosa e perder temporalmente a fala. Quando recupera a calma, Esteban volta a lembrar de um outro homem que jurava ter sido encarado pelo duende que, depois de surpreende-lo, ainda lhe deu uma soberba coice no traseiro.

Continuará. J.V. São Paulo, 28 de janeiro de 2012. Frio de 15º e chuva em Sampa.

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