domingo, 29 de janeiro de 2012

Esteban e a plantinha. 3ª parte.

Foto gentilmente cedida pelo personagem da história.

Enfadonhas e monotemáticas férias de verão! A verdade -pensa Esteban - quase um ópio, se não fosse por essa novidade da plantinha que insiste em crescer e crescer! Será que é só a chuva que não pára?

Um tédio total. Não posso ver a televisão - repete enquanto olha para a planta, empurrando sem piedade as telhas da cumeira.

Se meus filhos não estão vendo televisão – pensa - estão na piscininha “Pelopincho”.
Se estão na água, eu tenho que cuidar deles - insiste Esteban e calcula como é que vai subir até o topo da plantinha, quase encostando a cabeça.
E se não estão na maldita “Pelopincho” estão assistindo o Discovery kids, e eu não posso ver nada mais que os Octonautas, Caillou, ou os Backyardigans – se repete enquanto imagina que sobe no telhado, corta os galhos mais altos da plantinha, desce pela escada e poda com a machadinha um por um cada galho lateral, até o chão da sala.

Bom, não posso ficar só resmungando, afinal, com chuva e tudo, estamos de férias!  Assim a minha família vai terminar planejando as próximas sem mim – conclui, dando uma risadinha de lado, enquanto decide pegar o machado maior e se lembra do avô Victoriano, que com certeza no seu lugar estaria feliz com a ocorrência da plantinha pela chance de ficar imaginando alavancas, polias duplas, engrenagens e outras engenhocas para se livrar do feliz empecilho.

Esteban pegou o machado grande, testou o fio na ponta dos dedos, com cuidado, como teria feito Victoriano, e pensou que já o ano passado tinha jurado que não sairia nunca mais de férias, mas o homem é fraco, e se vê dirigindo por alguma estrada solitária do norte, ouvindo um CD do “Pipo pescador”, ou do “Sapo Pepe”, enquanto sua mulher vai ao lado, cevando um “mate” amargo atrás do outro e pensa que isso é a felicidade. E olha pra cima na sala e vê a copa da planta, subindo, verdejante, mais uns cinco ou dez centímetros, e pensa que tem que se apressar e cortar a danada antes que a chuva aumente e não possa subir ao telhado.

Se Freud tivesse conhecido o Esteban talvez tivesse abandonado a psicanálise e até a psicologia em geral - dizem seus amigos. E o Esteban se diverte pensando nas brincadeiras que a turma do hospital não devam estar bolando às custas das suas férias familiares. A final das contas ele é casado e tem filhos e uma mulher que adora, e a chuva não para já há 139 dias, e a planta cresce a cada minuto. E o Esteban deixa o machadão, pega a escada e o facão e sobe ao topo da sala, abaixa a cabeça para não apoiar no telhado e desarrumar ainda mais as telhas, bate com força e corta o galho do topo da planta, ainda tenro e mole, mas carnudo e vigoroso no seu crescimento. Corta mais cinco ou seis galhos laterais e desce da escada para apreciar o progresso da obra, e então o vê.
Sentado, dormindo bem ao lado da base da planta, o homenzinho minúsculo, quase da cor da folhagem, orelhudo e narigão, nem se assusta quando o Esteban dá um respingo e deixa cair o facão. Dorme o sombrerudo, tapado pelas abas do enorme chapéu de feltro preto.
E Esteban lembra do camponês que foi hospitalizado logo depois de sofrer uma crise nervosa e perder temporalmente a fala. Quando recupera a calma, Esteban volta a lembrar do homem que jurava ter sido encarado pelo duende que, depois de surpreendê-lo, ainda lhe deu um soberbo coice no traseiro.



3ª Parte

Esteban sente as pernas muito pesadas, como sem forças para movê-las, além dos calafrios involuntários e contínuos. De repente, o homenzinho o cumprimentou com uma voz rouca e assustadora, que fez o Esteban lembrar dos outros tantos que em Catamarca ou Salta, dizem ter visto um duende: das crises nervosas, dos vizinhos em estado de choque, com taquicardia, hipertensão, sem nem poder produzir uma única palavra de tanto medo pelo ser estranho e pequeno, que se desloca de cá pra lá como se estivesse dando saltinhos, engraçados, se não fossem medonhos. São guardiões da natureza – pensa Esteban para acalmar o medo.

Mas também contam em Catamarca que é o mesmíssimo Supay, o Diabo em pessoa, quem outorga os poderes dos duendes; e é por isso que o Mau lhes atribui a forma de um animal pequeno, por serem eles discretos, seja com o aspecto de um gato, um furão, sapo, ratazana ou morcego – pensa e repensa Esteban – e enquanto isso a planta cresce mais dez ou quinze centímetros. 

E o Esteban olha para o homenzinho e lembra que essas criaturas podem ser criadas mediante a fervura de umas plantas que só crescem na noite de São João. As tais plantas se devem guardar num garrafão ou vasilhame fabricado em vidro de cor preta, de tal modo que no se veja o interior do recipiente. Deve-se deixar a garrafa fechada durante toda a noite de São João, e na manhã seguinte, ao abri-la, sairá o duende criado para ser o seu servo – pensa o Esteban, e de repente imagina que talvez a arvorezinha que cresce sem cessar é apenas um broto da tal plantinha da que nascem os duendes. 

Os duendes são demônios menores com muito pouco poder, mas que foram enviados por Lúcifer para vigiar os seres humanos e aproveitar a menor oportunidade para assustá-los e pregar neles todas as peças possíveis – comenta a mulher do Esteban num intervalo da TV, enquanto as crianças trocam do canal Discovery para o Disney World, distraidos e alheios à planta, ao homenzinho e às preocupações dos pais. 

É verdade, lembra o Esteban – os vizinhos e paroquianos de San Antonio chegaram até a delegacia para queixar-se de que os duendes não os deixavam rezar em paz, e faziam um sem número de estripulias no templo, e às vezes, até bem em frente da cruz de madeira que tinha construído o pai do avô Victoriano – acrescenta Esteban, sem deixar de afiar o machadão.

Dizem em Catamarca que os sombrerudos vêm pra ajudar em segredo aos humanos, recompensando as suas boas ações e castigando as pessoas egoístas e desonestas – diz a mulher do Esteban – mas eu não acredito mesmo, se contradiz, e olha para os novos brotinhos que apontam nos extremos dos galhos mais baixos da plantinha, e nos tocos cortados pelo facão do marido mais pra cima, perto do telhado ainda furado.

Sombrero de aba grande, uma mão de lã e a outra de chumbo, o homenzinho esverdeado e sombrerudo, aponta pra cima do telhado, e Esteban e a mulher descobrem com horror que outros dez ou doze duendes, menores ainda que o primeiro, o que dormia no chão, sapateiam com esmero e picardia, até com uma certa graça infantil, e a mulher do Esteban diz chega!

– Chega!, chega! Cansei – grita a todo pulmão, e a dúzia de baixinhos sombrerudos cai, duende a duende, como numa cascata esverdeada e risonha, escorre pelo tronco da planta, e o duende maior, o que dormia ao pé da que agora é uma árvore vigorosa, pula e enfrenta à mulher do Esteban, que pega o machadão e se interpõe entre os dois. E é então que nota que o homenzinho tem pés enormes, de um tamanho desproporcionado, assim como a cabeça, maior que a de um homem adulto e grande. Mas não se assustam, nem Esteban nem o hominho que, mais diplomático, opta por conversar outra vez:

- Vamos nos acalmar, gente! Vim aqui na santa paz. Os jovenzinhos que sapateavam lá encima do telhado só queriam brincar, não incomodar vocês. Mas ouçam agora o que eu quero: primeiro, e antes de mais nada, poroto sancochao – a mulher do Esteban queria pedir ajuda mas a voz não lhe saía da garganta. Poroto sancochao? - pensou, mas o que quer este anão agora, pedindo feijão amassado, a essas horas e com esta chuva que não pára?

- Sim, e assim que vocês me servirem o prato de feijão, bem amassadino, sancochao do jeito que eu gosto, vão ouvir o que vim lhes dizer – diz o gnomo e desaparece, junto com a dúzia de moleques duendes que tinham ficado quietinhos, e até olhando de relance os desenhos do Disney, como corresponde às crianças quando os adultos conversam.

Continuará na 4ª e última parte. JV. São Paulo, 29 de janeiro de 2012, numa manhã soleada de 29º, depois de semanas de chuvas e frios de 15º.

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