Síncope (em espanhol e em português), do grego synkope: supressão de um ou mais fonemas no interior da palavra.
E se trocássemos o tal fonema por uma cifra, heim?
Quedamos abisma2.
Ficamos
abismados!
Gat1, me
abr8 las ideas.
Gatuno, abotoo as ideias.
100to que ha6 de mí alguien capaz de dar c11jos mesura2 Sinto
que fizestes de mim alguém capaz de dar conselhos mesurados,
100tíficos, bien pensa2 y dignos de un 5pe, un verdadero
1000agro! .
..científicos, bem pensados e
dignos de uma síncope, um verdadeiro milagre!
Valdemir Bello começou a descer as escadarias da Rua
Purpurina, bem devagarzinho. Olhava para cada degrau e media os riscos.
Levantava a vista e olhava para o pôr do sol, com o olhar fatigado dos anciões,
e lembrava. Recordava cada lance de sua vida, muito devagar, como quem desce
degraus, com cuidados extremos.
Na outra ponta da escadaria, bem lá embaixo, o Supay
olhava o andar vagaroso do Bello e esperava com infinita paciência. Oitenta e
nove anos não é pouco; descer a escadaria da Rua Purpurina era um passeio nos
anos 70, mas agora o Bello já não é nada rápido. E, além disso, precisa pensar
mais, curtir cada passo, meditar sobre os alcances da vida, as rugas do tempo,
as vicissitudes do devir.
-Chegar aos 90 deve ser muito mais intrigante ainda- divaga
o Bello. Para poder imaginá-lo penso nas réguas de Cuisenaire, aquelas com
as que o Alfredo, o irmão do amigo Javier, fez a alfabetização
matemática.
-O número 80 seria a régua de cor marrom,
justo a idade da minha mulher. Eu, arredondando a minha, já andaria pela azul;
meu filho mais velho pela roxa. Fácil, não é? Minha neta quase
chegando à vermelha, e assim vai indo a vida. Parece bem simplesinho,
verdade?- desce com cuidado os degraus o Bello e segue pensando.
-Não! eu continuo sem entender- reclama para si mesmo o
ancião. E se eu tentasse ver o andar dos anos pelo lado dos fatos,
ou das anedotas que vão pontilhando a vida de cada um de nós?
-E se eu pudesse me imaginar esses fatos
cotidianos, os mais simples, entrecruzando-se com todos os acontecimentos
e as anedotas dos amigos e parentes, armando assim uma rede complexa
de memórias, que por fim vão tecendo uma enorme malha chamada "A
Memória"; uma trama que por sua vez se entrelaça com os acontecimentos nacionais,
e aos poucos vão formando o que se tem convencionado em denominar "A
História"?
-Nas réguas de Cuisenaire, a menor
das peças é um cubo branco, com um centímetro de aresta, que indica a unidade-
disse o Bello, com um ar distraído, assim que chegou no penúltimo degrau, ainda
antes de se encontrar de cara com o Supay.
-A partir deste cubo são construídas as demais peças-
conta o Bello e o Supay ouve, desconfiado, quando por fim se encararam, depois
de longos vinte minutos de descida da escada.
-A segunda das peças é um paralelepípedo, cuja base é
igual à do cubo, e cuja altura é o dobro; ou seja, corresponde a dois cubos, o
que indica a quantidade dois.
-A terceira peça é mais um paralelepípedo, com a base
igual ao cubo, e com o triplo de altura. Ou seja, correspondente a três cubos,
o que indica a quantidade três- remarca o Bello e o Anjo Mau
começa a se irritar.
-E assim, as outras sete peças seguintes continuam
aumentando até chegar a uma altura igual a dez vezes a aresta do primeiro cubo,
o que representa o número um- diz o Bello e o Supay sente que está
perdendo a paciência.
-As réguas 3, 6 e 9 são de cor verde
clara, verde escura, e azul, respectivamente. Como você pode ver, são meros
tons ou nuances do verde e do azul, cores frias- olha fixo para o Mandinga,
através dos óculos de grau, sem ligar para a raiva e a impaciência do Diabo.
-Já as peças que representam o número 5 e o 10 são amarela
uma e alaranjada a outra; são cores quentes, ou nuances do amarelo ouro- pensa
e acrescenta, sempre detalhista, o Bello.
-O professor belga Emile Georges Cuisenaire,
nascido em 1891, criou as réguas ou "barrinhas Cuisenaire".
É um jogo de iniciação ao aprendizado da matemática, sabia?- diz o Bello, e
olha displicente, direto aos olhos avermelhados de raiva do Supay.
-A manipulação das reguinhas obriga a
cada criança a construir a aritmética, conforme as suas possibilidades e com as
diferenças próprias de cada etapa do seu crescimento. Ela é conduzida a ver, e
depois a fazer, calcular, comprovar e, aos poucos, a compreender, seguindo um
tipo de progressão que começa pelos sentidos e vai levando-a direto até a
inteligência. Ao mesmo tempo, aprende a ir criando as equivalências.
-Sabe? Eu devia andar pelos sessenta ou sessenta e cinco
anos, e trabalhava ainda na editora que foi do Monteiro Lobato; recebi um
e-mail de um neto do Cuisenaire, quem, por um outro lado da sua família
resultou ser bisneto de um livreiro francês que morou em São Bento do Sapucaí no
século XIX- conta o Bello com toda a calma que a situação lhe permite, enquanto
o Diabo, no limite da sua tolerância, está já a um ponto de perder a paciência
e olha com irritação o relógio de areia que leva amarrado no pulso.
-Chega Bello!- interrompeu com uma voz grossa e
assustadora o Mandinga, e voaram longe os pensamentos do velho. -Tenho aqui em
mãos dois documentos: um é o contrato que assinamos –você e eu- já tem uns
cinquenta anos. O outro é uma espécie de currículo; um longo argumento que os
teus conhecidos levantam a teu favor. Vejamos: “Seja com o pseudônimo de
Leonardo Nogueira, seja em parceria com o Barco, o Bello sempre brilhou na
matemática, o desenho geométrico e nas edições de artes. Bolando pranchas de
linguagem visual, ou no desenho técnico básico, ganhando o Prêmio Jabuti, ou
produzindo blocos de artes com folhas especiais e pranchas e pôsteres”, bla,
bla, bla. “O Bello parece que já nasceu sendo um editor sênior, especializado
em projetos e em
coordenação. E também brilhou como professor especialista em
produção editorial. Dotado de uma enorme energia criativa” bla, bla,
bla...“movido por uma inteligência brutal e uma curiosidade quase que infantil de
tão criativa e construtiva. O Bello sempre está um passo à frente; e como
professor, dizem seus alunos que foi um mestre exemplar”- lia com cansaço o
Diabo, sem olhar nos olhos do Bello.
-Ok, Bello, no que se refere ao contrato, tenho que
lembrar você que o dia 19 de Setembro, ao completar 90 anos, vai ter que
cumprir pelo menos 50% do que aqui consta como sua obrigação. O resto, ao fazer
99- disse o Mau, quase recitando de memória o texto que devia ter lido e relido
por toda uma eternidade.
-Outra coisa, Bello, faz séculos que você me explicou por
que F é igual a 0,6180339887, e também igual ao seu contrário: que é F -1,
o seu inverso. Poderia explicar isso do número áureo Phi um
pouco mais claro, Bello?- disse o Diabo e lançou uma cusparada de fogo e
enxofre, já totalmente sem paciência.
-Além disso, Bello, estive tentando averiguar as posições
decimais do número PI. Mas só
cheguei até 707 posições. De fato só estavam corretos os 527 primeiros lugares decimais…mas, por
que Bello? você saberia me dizer? É bom que saiba- rugiu e espantou à meia
dúzia de bicho-grilos que fumavam perto da escadaria.
E o Bello nem levantava a vista. Mas o Diabo mal podia
imaginar que a aparente confusão do nosso querido e velho editor não era mais
que um truque para enganar o Anjo Mau. E o Malvado caiu direitinho:
-Bello, escuta bem o que quero te propor; eu troco agora
mesmo este antigo contrato que você assinou com tinta nanquim em 1973. Rasgo
tua rubrica e mudo todas as condições de tal modo de liberar você e a tua alma
eterna de qualquer compromisso comigo. Mas pela troca, você tem que me resolver
agora, antes do pôr do sol um par de questões: quem inventou o zero? Os maias
ou os bereberés? Outra: a conjectura de Hodges, faz séculos que tento responder
a pergunta de como aproximar a forma de um objeto qualquer a partir das peças
geométricas mais simples. Como posso fazer isso Bello? E mais: até ontem à
tardinha ninguém me provou que os números primos não sejam mais que polinomiais
disfarçadas, mas também ninguém me provou o contrário-.
Por fim, o Diabo vai embora e o Bello ouve longe o ecoar
das gargalhadas irônicas, cínicas e ameaçadoras do Mau; e sente o cheiro de
enxofre que marca o passo e deixam as pegadas do Mandinga- e os que tinham
sobrado perto da escadaria, até o dia de hoje se lembram do Bello e da sua
expressão séria, contrastando com um dissimulado olhar de safado, enrolando o
cigarrinho de palha, passando lentamente a língua pela borda, e acendendo o
fósforo na sola da alpargata seca, e depois ir embora, devagarzinho, até o
metrô, antes que fechem o birô do Tatuapé e perca a hora de entrega do seu novo
livro.
FIM.
Javier Villanueva, Penha, São Paulo, agosto de 2012.
Javier Villanueva, Penha, São Paulo, agosto de 2012.
Nada ficará sem resposta. Até porque toda pergunta já carrega sua resposta. Alguns veem rápido a resposta; outros, com paciência, encontrarão! Baccio!
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