Veja a 1ª parte em:
http://javiervillanuevaliteratura.blogspot.com.br/2016/07/por-que-os-neo-pentecostais-professam.html
Afro-brasileiros e neo-pentecostais, as relações impossíveis.
Os atritos entre os cultos neo-pentecostais
e os ritos e religiões afro-brasileiras –aqueles que cresceram no Brasil a
partir do contato e as práticas entre as atividades religiosas dos africanos
escravizados, os grupos indígenas, e o catolicismo trazido pelo colonizador português–
continuam ainda hoje na forma do discurso ou as ações diretas dos primeiros
contra os segundos.
Durante os séculos que
precederam ao sincretismo dos cultos originários africanos com os ritos da
Igreja Católica, o poder desta última se reafirmou através da figura das ações
militares dos Cruzados contra o Islamismo e pela força de policia –e judicial– da
Inquisição. A reafirmação do dogma católico se institucionalizou com a perseguição
e condenando à fogueira e ao enforcamento dos praticantes de outras crenças que
eram consideradas heréticas e demoníacas pela Inquisição católica. Este discurso se manteve presente e firme no
imaginário católico ainda depois do fim da Inquisição, e marcou a história das
relações com os cultos afro-brasileiros –e afro-indígenas– desde o início da colonização.
Em relação à Umbanda, uma religião
afro-brasileira que nasce da síntese de elementos do catolicismo com rituais africanos
e indígenas, são bem conhecidos os casos de perseguição, por parte da Igreja
Católica, durante os anos de 1950 e 60.
Mas, desde que no Concílio Vaticano
II o Papa João XXIII impôs um giro de tolerância e até de convivência
ecumênica, os confrontos deixaram de ser provocados por católicos –o fundamentalismo
estava em retirada– enquanto cresciam os ataques de diversas modalidades das
novas congregações neo-pentecostais. O preconceito e as agressões contra as
religiões afro-brasileiras, já sabemos, há algum tempo são divulgados pela
mídia, e têm sido objeto de estudo por parte de uns poucos pesquisadores originários
de variadas áreas do conhecimento acadêmico.
A base dos confrontos dos dois
grupos religiosos está na associação que os evangélicos fazem dos cultos afro-brasileiros
com uma suposta ação do demônio. Todo
evangélico é inserido pelos seus pastores numa “batalha espiritual”, na qual as forças cósmicas do bem e do mal combatem
incansavelmente pela posse das almas dos fieis.
Os evangélicos
neo-pentecostais, partem da Bíblia como sua única referência, à qual vem apenas
pelas antigas matrizes protestantes –e aqui estou me referindo às batalhas do
século XVI(*) de Lutero, Calvino e Enrique VIII de
Inglaterra– com uma leitura cada vez mais estreita e monotemática que os leva a se colocarem num combate similar
ao dos antigos cruzados e inquisidores católicos com o propósito de convencer o
maior número possível de fies a se afastarem das forças do mal.
A ação de muitas das igrejas
neo-pentecostais, em especial a Igreja
Universal do Reino de Deus, tem como ponto de partida uma teologia
assentada na ideia de que a causa dos males deste mundo deve ser atribuída ao
demônio, que é geralmente associado aos deuses de outras denominações
religiosas, principalmente as afro-brasileiras, embora também incluam o espiritismo
e em menor medida à igreja católica.
Mas os cultos afro-brasileiros
são, sem dúvida, os alvos preferenciais destes ataques, que são reforçados e multiplicados
nos programas da TV e nos discursos cotidianos dos pastores, sempre com o
objetivo claro de desqualificar os símbolos e as crenças do panteão afro-brasileiro.
São frequentes nos templos
neo-pentecostais os rituais com a benção das rosas e do óleo, as orações
através de copos de água, benção de fotos ou objetos, que seriam capazes de curar enfermidades, apenas com a
imposição de suas mãos. Os pastores, por sua vez, gritam a viva voz ter o dom de curar em nome de Jesus, e são
mostrados como tendo um total domínio
sobre o diabo que está incorporado na pessoa que frequenta outros cultos.
Passado o tempo, e com o surgimento de novas congregações que concorrem com a Universal do Reino de Deus, tirando dela
espaço e fiéis, o foco da congregação de Emir Macedo foi mudando de uma igreja
que era tida com foco na cura dos males
da alma para uma de abundancia e riquezas
para quem coopera fielmente com ela. Em seus programas de TV são mostrados os casos
de sucesso financeiro uma vez que, quanto
mais o fiel doa a igreja, mais Deus lhe dará de volta.
A Igreja Internacional da Graça, assim como a mais nova das
neo-pentecostais, a Igreja Mundial do Poder
de Deus, oferece o poder de curas de males do corpo, e seus rituais mágicos
são parecidos com os da Universal do
Reino de Deus.
Por outro lado, essas igrejas
têm muitos dos seus rituais bastante parecidos com os dos cultos afro-brasileiros,
mas para eles a prosperidade vem de
Deus. Esta prédica estimula o crescimento pela evasão de adeptos dos terreiros
e da deturpação da imagem pública destes últimos.
O neo-pentecostalismo, a partir da crença de que é preciso
eliminar a ação do demônio no mundo,
tem como foco classificar as outras denominações religiosas como pouco
engajadas nessa batalha, ou até mesmo denunciá-las como espaços privilegiados
da ação desses demônios, os quais se disfarçariam atrás das divindades
cultuadas nesses outros ritos rivais. É o caso, sobretudo, dos exus e da pomba-gira, que são vistos pelos neo-pentecostais como simples manifestações
dos demônios.
Dai o paradoxo de constatar hoje que há uma crescente
incorporação da liturgia afro-brasileira nas práticas neo-pentecostais por
parte de algumas igrejas novas.
Mas o que surge claramente com o passar dos anos é que a
visão das igrejas neo-pentecostais sobre os cultos afro-brasileiros é fruto do próprio
desenvolvimento do sistema teológico e doutrinário do antigo pentecostalismo, vindo
ao Brasil nos primeiros anos do século XX, e já em franco crescimento a partir
dos anos de 1950 e 1960, quando o movimento religioso tomou um novo perfil,
expandindo as bases das igrejas, e ampliando o número de denominações, de modo
de ir ganhando assim maior peso social e visibilidade. Ao se destacar pela
ênfase no dom da cura divina e pela estratégia persistente de proselitismo e
conversões em massa, essa segunda onda do pentecostalismo potencializou as características evangelizadoras
e catequizadoras com a doutrina dos dons carismáticos da fé, a profecia, a cura
miraculosa, acrescentando-as a um sectarismo e ascetismo crescentes.
A terceira fase do movimento pentecostal, iniciada nos anos
de 1970, teve uma grande projeção nas duas décadas seguintes; essa etapa foi
marcada por algumas diferenças significativas no perfil das igrejas surgidas então,
e nas práticas adotadas, o que lhe valeu a classificação de "neo-pentecostal".
Com o acréscimo do prefixo "neo", pretendiam expressar a ênfase que
as novas igrejas nessa fase assumiram ao abandonar ou afrouxar o ascetismo,
valorizando o pragmatismo da gestão empresarial no gerenciamento dos templos, a
ênfase na teologia da prosperidade e, sobretudo o uso da mídia no proselitismo
em massa –por isso mesmo chamadas
de "igrejas eletrônicas"–
e o foco da teologia na batalha espiritual contra as outras religiões,
sobretudo as afro-brasileiras e o espiritismo.
(*) Como sabemos, a Reforma do século XVI começou com o desafio ao catolicismo medieval lançado pelo monge alemão Martinho Lutero -1483-1546- a partir de 1517. A 1ª igreja reformada que resultou foi a Igreja Luterana. Pouco depois do início da dissidência luterana na Alemanha, surgiu nos cantões de língua alemã da Suíça, em Zurique, uma 2ª reforma protestante, às vezes chamada de “Segunda Reforma.” O movimento teve como líder inicial o sacerdote Ulrico Zuínglio -1484-1531- que, querendo reformar a igreja de modo mais profundo que Lutero, foi chamado de Movimento Reformado, e seus seguidores de “reformados”. Depois da morte de Zuínglio em 1531, os “reformados” tiveram um novo líder, João Calvino -1509-1564-, mais influente que o anterior. O humanismo que empolgou os primeiros líderes das igrejas reformadas, Zuínglio e Calvino, foi o extraordinário movimento intelectual na transição entre a Idade Média e a Moderna. Uma das características do movimento foi um profundo interesse pela antiguidade clássica, época áurea da civilização greco-romana. E entre as obras clássicas estava a Bíblia, em especial o Novo Testamento, o que levou a nascer um grupo específico de humanistas bíblicos dedicados ao estudo das Escrituras em seus originais gregos e hebraicos. O maior desses humanistas cristãos foi Erasmo de Roterdã -1466-1536-, cuja edição crítica do Novo Testamento baseada em textos gregos, que os reformadores da Suíça estudaram e usaram avidamente.
Continuará
Javier Villanueva. Córdoba, 6 de julio de 2016.
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