Por que os cultos
neopentecostais professam tanta aversão contra as religiões afro-brasileiras?
Até os começos da década de 1980
o censo do IBGE revelava que o número de evangélicos pentecostais era de apenas 6,6%
da população; mas já no último censo, esse número tinha tido um aumento de mais
de 16%, subindo para 22,2% na última medição demográfica, a do ano de 2010, que
visitou 67,6 milhões de domicílios nos 5.565 municípios brasileiros.
Enquanto isso, nesse mesmo
censo de 2010, o número de praticantes dos cultos afro-brasileiros, como o candomblé
e a umbanda não passavam de 0,3% da população. Esses dados demostram uma
preferencia crescente das capas médias por outras opções religiosas, sobretudo
o espiritismo –bem que semioculto ou sincretizado com o catolicismo mais
conservador– e indicam também o enorme crescimento dos cultos evangélicos,
principalmente os neo-pentecostais.
E porque
então tanta perseguição aos adeptos a às religiões oriundas da África negra, uma
vez que a religião com maior número de fieis continua sendo o catolicismo com quase
um 64% da população? E, por outro lado, quais são os reais atrativos que os cultos
neo-pentecostais têm para crescer tanto em novos adeptos? Quais são as
semelhanças e diferenças, e o que fazem essas igrejas com um público relativamente
pequeno, mas tão forte em ações agressivas –sobretudo contra o catolicismo e
especialmente contra o candomblé, a umbanda e o espiritismo em suas diferentes
variantes–, e por que essas igrejas tem tanta força política, expressada hoje
no congresso e no poder executivo?
Nascidos como excisões de outras
igrejas pentecostais, a Congregação
Cristã do Brasil, Deus é Amor e Assembleia
de Deus, os cultos neo-pentecostais adotam novos conceitos e novas práticas
religiosas. Essas novas atividades são o crescente abandono ou abrandamento do ascetismo, uma notável valorização
do pragmatismo, a utilização de modelos de gestão empresarial no gerenciamento
dos templos, uma forte ênfase na teologia
da prosperidade, acompanhada de uma utilização muito inteligente da mídia para o proselitismo em grandes massas e de
propaganda religiosa –até por isso tem sido chamadas de igrejas eletrônicas–.
As novas igrejas
ne-pentecostais também tem feito um dos centros da sua teologia na batalha
espiritual contra as outras denominações religiosas, sobretudo as
afro-brasileiras e o espiritismo, segundo documenta o professor Vagner
Gonçalves da Silva, do departamento de antropologia da USP.
Os diversos cultos neo-pentecostais têm em comum entre si a adoção da mídia para pregar aos fiéis –com nada menos que quatro canais privados de programação diária e contínua–, além dos cultos em estilos espetaculares e a realização sistemática de práticas de exorcismo, talvez o mais atrativo para os setores menos favorecidos da sociedade. O lei-motiv da doutrina da prosperidade diz que “a fé agrada a Deus” e que “Deus pode multiplicar o dinheiro e os bens materiais”. Insistem também no outro lei-motiv que prega que “o demônio é a origem de todos os males”, para o qual oferecem a ação dos pastores que segundo os neo-pentecostais, possuem o dom de libertar os crentes dos demônios.
O nascimento dos cultos mencionados
acima –a Congregação Cristã do Brasil,
Deus é Amor e Assembleia de Deus–
ocorre no Brasil entre as décadas de 1950
e 60 (se bem que os suecos Daniel Berg e Gunnar Vingren da última dessas igrejas já
tinham chegado a Belém do Pará em 1910), e foram tomando novos contornos,
expandindo agressivamente a base social das igrejas, adensando suas práticas
num número também crescente de denominações, e ganhando cada vez mais
visibilidade e presença social e política desde os anos de 1980.
A ênfase no
dom da cura divina –e por isso mesmo são chamadas às vezes de "igrejas da cura"– e as fortes estratégias
de proselitismo e conversão em massa, uma segunda onda do neo-pentecostalismo manteve
as características básicas do movimento, como a doutrina dos dons carismáticos
–a ênfase na fé, nas profecias, nas curas milagrosas, etc.– assim como acentuou
o sectarismo e o ascetismo, como também relata o professor Vagner Gonçalves.
A partir dos anos de 1970 surge no Brasil uma das maiores igrejas do movimento neo-pentecostal, a Igreja Universal do Reino de Deus, fundada por Edir Macedo em 1977, no Rio de Janeiro. Edir Macedo é um ex-católico que passou pela Umbanda, e foi convertido à Igreja Nova Vida na qual permaneceu durante mais de 10 anos, até que, já obreiro da igreja na qual Romildo Ribeiro Soares era pastor e com quem fundou a Igreja Universal do Reino de Deus. Por causa de uma forte briga pelo poder na direção da Igreja, Soares saiu –ficando a direção total para Edir Macedo– e fundou a Igreja Internacional da Graça de Deus.
Depois de expandir-se por diversos estados, já na década de 1990 Emir Macedo abriu a primeira Igreja Universal do Reino de Deus em Nova York, e logo em seguida mais uma em Toronto, Canadá. Nos inícios dos anos de 1990 chegou a Portugal, logo depois no Japão, na Índia e também em Moçambique e Angola.
E voltamos à pergunta lançada logo na primeira
página deste ensaio: por que com tanto poder acumulado
em tão pouco tempo, os neo-pentecostais podem se incomodar tanto com os escassos
1,3% da população com preferência nos ritos espiritas, umbandistas e candomblecistas;
e, sobretudo, por que não se concentra em atacar a igreja católica, que detêm 64%
da população brasileira? No início houve, sim, os ataques as imagens, virgens e
santos do catolicismo. Mas logo depois do surgimento dos cultos neo-pentecostais
vemos que os ataques se concentraram contra as religiões afro-brasileiras, mais
como uma ação direta de proselitismo junto às populações de baixo nível
socioeconômico, na qual convivem e são as principais consumidoras, tanto dos cultos
afro-brasileiros como dos neo-pentecostais.
O foco na aversão e os ataques aos
ritos afro-brasileiros também é consequência do papel que os aspectos mágicos e
as experiências do transe místico ocupam na própria dinâmica dos neo-pentecostais,
posta em contrate com os repertórios relativamente semelhantes que existem nos
cultos afro-brasileiros.
Entre os ataques mais acirrados
dos neo-pentecostais contra a as religiões afro-brasileiras, os principais são
da parte do pastor Edir Macedo, que foca na “guerra contra as forças malignas” no
seu livro Orixás, Caboclos e Guias,
deuses ou demônios? lançado pela Unipro e que se transformou em best-seller
tendo já chegado a mais de 3 milhões de exemplares
vendidos. Nessa obra são expostas suas convicções religiosas, e Edir Macedo denuncia
as "manobras satânicas" do espiritismo, da umbanda, e do candomblé. Segundo
Macedo, esses cultos são as responsáveis por todas as doenças, as desavenças
familiares e sociais, as obsessões, a dependência química e todos os males aos
quais a espécie humana está sujeita.
Antes do lançamento de Edir
Macedo, o pastor McAlister, fundador da pentecostal Nova Vida, igreja na qual começou Edir Macedo, lançou seu livro Mãe de Santo em 1968.
Orixás, caboclos e guias. Deuses ou demônios? repete
a estrutura e amplia os assuntos centrais de Mãe-de-santo. Com argumentos mais detalhados, e num tom bem muito
mais agressivo, frisa na condenação e no alerta sobre os perigos aos quais
estão expostos os fieis que cultuam o espiritismo e, sobretudo os ritos
afro-brasileiros.
Nos começos das suas
transmissões pela TV, a Universal do
Reino de Deus, como principal igreja de ataque ao diabo, que têm em seus
cultos muitos rituais parecidos com os das religiões afro-brasileiras, como as sessões
de exorcismo e as manifestações de entidades. Em muitos desses programas eram –e
ainda são– exibidas as já famosas "reconstituições de casos reais" com
grande dramatização, nas quais muitos dos símbolos e elementos dos cultos
afro-brasileiros são retratados como meios espirituais, apenas e somente, para
a obtenção de diversos malefícios, como a morte de inimigos, a disseminação de
doenças, a separação dos casais ou as desavenças familiares.
É muito visto também
nesses programas-show de fé televisivos, o testemunho de conversão de pessoas
que se apresentam como ex-frequentadores de terreiros de candomblé ou umbanda.
Esses novos fieis, ao ser entrevistados pelo pastor, contam os malefícios dos quais
teriam sido vítimas das entidades afro-brasileiras, os chamados "encostos".
Os mais explorados são os testemunhos de quem se mostra como ex-sacerdote dos cultos
afro-brasileiros, os supostos "ex-pais-de-encosto", que detalham como faziam os despachos e a má-intenção dos
mesmos.
Continuará
Javier Villanueva. Catamarca, 2 de junho de
2016.
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