sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017

As tristes – e nefastas – histórias de López Rega e Bignone (2ª parte)

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As tristes – e nefastas – histórias de
López Rega e Bignone
2ª parte*

Veja a 1ª parte em:
http://javiervillanuevaliteratura.blogspot.com.br/2017/02/as-tristes-e-nefastas-historias-de.html

– A minha tia era irmã da amante fiel do Bruxo; e ela foi casada com um argentino, militante do peronismo nos anos de 1970. Ela poderia te ajudar na tua pesquisa.
Foi assim que, revisando, semanas depois uma série de Cuadernos Laprida – marca famosa de cadernos argentinos das décadas de 1940 a 70 – que a tia da Marta mantinha escondidos em dois caixotes no porão, Pedro descobriu alguns textos interessantes que passo a copiar agora:


Capítulo 1


João Inácio Fagundes saiu da balsa que o tinha tirado de Foz do Iguaçu, e subiu as escadas de madeira que o levariam para longe da guerrilha de Porecatu, no norte do estado do Paraná.

Passou pela revista de documentos da Gendarmería Nacional e entrou na Argentina pela minúscula vila de Puerto Iguazú. Era o inverno de 1953 e começava seu longo exílio.

A história de João Inácio e seu compromisso com a guerrilha camponesa havia começado anos atrás, quando milhares de famílias se fixaram na região de Porucatu, na fronteira do Paraná com Santa Catarina, entusiasmadas pela promessa do governador Manoel Ribas, na realidade um mero interventor nomeado por Getúlio Vargas, presidente da República naquela época.

Para colonizar uma área de mais de 120 mil hectares, Ribas havia anunciado que as famílias que se estabelecessem para desenvolver a agricultura iriam adquirir as propriedades, seis anos depois, a preços muito acessíveis. Muitos agricultores pobres acreditaram na promessa e iniciaram com entusiasmo seus trabalhos nas plantações.

João Inácio fugia agora das lembranças da luta que havia levado incluso o seu amigo João Saldanha a envolver-se na história. João Inácio tinha trabalhado junto do então futuro técnico da seleção brasileira de futebol, um dos militantes indicados pelo Partido Comunista Brasileiro para ajudar os posseiros a se organizarem. Saldanha levava aos camponeses desde a assessoria jurídica necessária até táticas de luta armada de guerrilha para enfrentar os jagunços e policiais que protegiam a cobiça de fazendeiros.
Passados mais de viente anos em terras argentinas, o velho João Inácio Fagundes, ao que todos chamavam de “Facundo”, decide casar com uma colega de fábrica no bairro portenho de Barracas, e em 1951 nasce o primeiro filho, no Hospital Fernández de Palermo.
É claro que o primogénito de João Fagundes só podia se chamar Facundo; e não só levou a denominação no primeiro nome de batismo, mas também no sobrenome, que por obra e graça da ignorância do escrivão do Registro Civil da Calle Aráoz, a poucos metros do hospital, deixou de ser português e passou a ser totalmente criollo e castelhano.
Facundo Ramón Facundo, – filho do velho lutador Fagundes, nascido e criado no Paraná era um argentino completo, cheio de gírias portenhas nas falas, abusando do lunfardo local, e misturando-se na escola e nas peladas de futebol com a melange fina de napolitanos, filhos de galegos, netos de bascos e alguns poucos “cabecitas negras” recém-chegados do interior junto com o aluvião peronista começado seis anos antes, e na cola do enorme crescimento da classe operária.
                                                     
História e memória
– Para fazer a história mais curta e menos chata de ser contada, digamos que o Facundo, passou toda a sua infância e a adolescência animado pelos relatos do pai, detalhista ao descrever as lutas camponesas que havia vivido no Paraná brasileiro, e ao falar da sua amizade com o João Saldanha, e das duas ocasiões em que tinha se encontrado em Londrina e em São Paulo com o lendário Luis Carlos Prestes”, diz a tia Rosa enquanto esquenta a chaleira para o chimarrão.

– “O Facundo, filho do brasileiro Fagundes, viveu nos cortiços da Calle Aráoz, bem em frente ao Comité Evita, onde passava as tardes olhando para as filas de mulheres que iam pedir uma máquina de costurar, ou alguma outra ajuda que a esposa do presidente Perón lhes oferecia para que pudessem melhorar a vida de imigrantes pobres, ou de migrantes vindas do interior, igualmente ou ainda mais miseráveis que as estrangeiras”, acrescenta.

– “E foi assim como o Facundo, já com 16 anos, se vinculou aos velhos da Resistência Peronista, os que haviam lutado contra o golpe militar “gorila” que tirara Perón do governo em 1955 e arrancara todos os direitos trabalhistas e sociais conquistados pelos sindicatos ao longo de 10 anos”, diz a tia Rosa, traz o chimarrão e a chaleira e senta ao meu lado.

– “Passados uns poucos anos mais tarde, em 1975, e já comprometido na militância política com a agrupação peronista Guardia de Hierro, Facundo viaja a Córdoba de urgência. No meio do percurso, sem que se saibam os motivos, parece que recebe uma notícia inesperada, sofre um forte abalo emocional e entra em coma. Pouco se sabe sobre quanto tempo durou esse estado de inconsciência, mas alguns escritos do próprio Facundo, anos depois, contam tudo o que viveu na ocasião.
                                                                 

E continuavam, Marta e Pedro, no porão frio e na semipenumbra do fim da tarde, lendo e tentando entender os Cuadernos Lapridas que a tia lhes facilitara. E ao entrar na parte que copio a seguir, descobriram que quem escreveu esses textos, por sua vez estava lendo também outros cadernos, talvez mais antigos e confusos:

23 de abril de 2006, três e trinta e cinco da tarde

A viagem até Liniers e San Justo se estica por mais de uma hora e vinte por causa de um brutal engarrafamento na General Paz; o condutor sai pela Emilio Castro e Mosconi e, enquanto dribla o trânsito por Lomas del Mirador, aproveita para contar as suas dores de pai: que a filha casou muito jovem e já está querendo se separar, que assim não há dinheiro que chegue; mas eu me concentro na leitura. Ao pé da página do caderno Laprida, em letra menor, bastante apagada e quase ilegível, ainda se lê, embaixo de um recorte da revista Billiken:


Outro diabo

– “Todos os que vivemos aqui há anos, nos arredores do antigo loteamento, sabemos que o túnel escuro, longo, úmido e sem luz que passa por debaixo das vias da estação de trem do velho Ramos Mejía é uma das tantas entradas que comunicam ao inferno, sabia? – me dizia a tia Rosalba cada vez que a visitava, nos primeiros anos depois do meu retorno a Buenos Aires; e eu me lembrava que em um vale de Tras Las Sierras, em Córdoba, existem outras duas entradas famosas às cavernas do Mandinga, num desfiladeiro fundo e estreito, por onde passam as almas penadas dos índios comechingones que não quiseram render-se aos espanhóis, há mais de quatrocentos anos, e que se jogaram precipício abaixo, pelo desfiladeiro, com seus filhos nos braços, preferindo a morte à escravidão.
A febre está aumentando e as lembranças viram delírio; a enfermeira da meia-noite entra no quarto e controla meus sinais vitais.

Começo a sonhar e a febre me faz lembrar de uma caverna que vimos um dia com Victoriano, no meio da espessura do mato em La Falda, onde se perde toda orientação e o cerro parece igual em todas as direções. Vimos uma entrada secreta, oculta entre o mato emaranhado, cuidada por dois pumas ferozes. Fomos embora sem entrar, mas depois Chazarreta e Fuenzalida nos contaram que essa entrada leva a una caverna ampla e lúgubre, onde dança o Mandinga quando se celebram os sabás e orgias. As velhas e os anciãos se transformam em jovens, os enfermos saram, e a fealdade se cobre com a formosura.

Dizem que a Salamanca é o lugar onde o Supay ensina suas más artes às bruxas, que se juntam aí três vezes por semana, penso, enquanto minha tia Rosa começa a narrar a história do loteamento e das linhas da estação de trens de Ramos Mejía.

*Esta versão em português não é uma tradução do texto em espanhol. 
Continuará por capítulos, como sempre...

Javier Villanueva, Florianópolis, 10 de feveiro de 2017.

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