O que fazer?
Como agir numa
situação insustentável, em desequilíbrio total e, por tanto, sem muito futuro
de permanência?
Embora o título possa parecer pretensioso, confesso
que vejo passar as semanas e os meses e me custa escrever sobre a situação
política e social no Brasil deste longo ano de 2017.
E não é porque eu faça parte dos que desanimaram,
ou dos que acham que o povo do nosso país é apático, não se mexe e quase que
merece o que está acontecendo. Muito menos sou daqueles que acham que os políticos
não prestam e se enjoam da política como se se tratasse de um tema de
imoralidade total e sem remédio.
Apenas sinto que, como cronista,
contador de contos e ficcionista em termos gerais, me dou bem melhor que como
analista de um quadro político que não
para de se mexer, surpreendendo a cada dia com novidades que, de tão esperadas,
criam mais desesperança e aumentam a incredulidade e o desânimo numa faixa
enorme e crescente da população.
Se tentássemos resumir diríamos que o
quadro se concentra em:
a) Um governo corrupto
e sem a mínima vergonha ou responsabilidade histórica das suas ações (até os
ditadores de 1964 tinham alguma noção do legado que deixariam para os livros).
Um poder executivo - presidência e ministérios- formado pela maioria do PMDB e
seus satélites históricos, os partidos nanicos de aluguel - o Centrão-, apoiado
com três ministros oferecidos pelos dirigentes do PSDB, sobre a base de um
programa ultraliberal (ou neoliberal do “novo tipo”) que Temer expressou no
seu Uma ponte para o futuro, que deixou os tucanos surpresos pela
sua radicalidade.
O governo, já
sabemos, surgiu de uma complexa manobra política, institucional e mediática que
tomou as formas de um golpe branco, isto é, sem uso das forças armadas ou
policiais, mas com o abuso de chicanas jurídicas e políticas. Uma ampla
coalisão das direitas mais conservadoras, baseadas nas lideranças
neopentecostais (Cunha, Bolsonaro, Marco Feliciano, Edir Macedo, Crivella, etc.)
cresceu nesses 15 meses, impondo uma agenda reacionária e de avanços dos
postulados mais atrasados em relação aos temas sociais, de educação, saúde,
cultura, de direitos das minorias, etc.
b) Um projeto em
avanço permanente de medidas liberalizantes da economia e das relações
empresa-trabalhador, projetos de privatizações, entrega do controle das riquezas da nação
a potências estrangeiras, e diminuição das políticas sociais ao mínimo
possível.
c) Aumento das políticas repressivas como contraparte aos recortes das ações sociais, e
direitização da relação estado-indivíduo, com aumento das intervenções
policiais e militares em detrimento da negociação e do diálogo e o respeito aos
setores mais pobres e às minorias.
d) Emudecimento da oposição e dispersão das esquerdas; enfraquecimento
do PT e da sua relação com os movimentos sociais; relativa imobilidade dos
movimentos e as lideranças sociais, estudantis e sindicas.
e) Contraditoriamente, fortalecimento do apoio popular à candidatura
Lula (e queda da sua rejeição) em meio ao acúmulo crescente de ameaças à sua
concretização. Enquanto aumentam as possibilidades de Lula ser preso e
impossibilitado de se apresentar às eleições de outubro de 2018, cresce a sua
figura em todos os cenários, enquanto decrescem as dos seus oponentes.
f) Aumento da polarização da direita mais visceral, saudosista da
ditadura e promotora das propostas mais antidemocráticas e proto-fascistas,
apoiadas nos setores mais corruptos e autoritários entre os que dão a base
social e política ao governo Temer. Crescem também as manifestações golpistas
como as de Mourão, enquanto calam as altas autoridades militares e do governo. Espalham-se
pelo país as ações sistemáticas contra índios, negros e mulheres, e violentas manifestações
de homofobia, misoginia e racismo, contra as liberdades religiosas e as expressões
artísticas. Personagens bizarros tomam a cena e ditam normas de moralidade e
comportamento.
g) Divisão do PSDB entre os grupos dirigentes mais tradicionalmente
liberais, que apoiaram o golpe de Temer e Cunha, e querem continuar apoiando o
governo, por um lado; e pelo outro, os ultraliberais, com cabeça mais visível no
prefeito paulistano Dória, com o apoio inesperado da juventude do partido e da sua
correia de transmissão nos "movimentos de rua" da direita - MBL e Vem
pra Rua- que hoje tendem a fusionar-se num projeto com os jovens “cabeças
pretas” do PSDB, sem demasiado futuro programático, a não ser que derivem numa
força de choque ao velho estilo fascista.
h) Um judiciário dividido entre duas ou três correntes políticas, mas
todas dispostas a apoiar a uma ou outra facção da aliança hoje no poder, com um
centro mediático na Operação Lava-jato, focada até hoje em destruir a estrutura
de poder do PT e as potencialidades da figura do Lula, e secundariamente a do
PMDB.
Nesse panorama, confuso e ainda sem
respostas por parte das grandes massas populares, - mesmo que com lutas
parciais que não cessam-, e que assistem os acontecimentos feito um
"convidado de pedra", o que surge é que se trata de uma situação
insustentável, em desequilíbrio total e, por tanto, sem muito futuro de
permanência.
Sendo esta, então, uma situação de
precaríssimo equilíbrio, é de se esperar que qualquer uma das partes em jogo –
e em luta surda entre si pelo poder- termine desequilibrando o conjunto a
qualquer momento. Pode se tratar de uma decisão do poder judiciário, uma ação
militar de intervenção além do legalmente permitido, uma aliança entre
partidos, ou qualquer virada de posição de algum político importante – veja-se
o caso do Aldo Rabelo, figura pouco central no cenário atual, que ao mudar de
partido conseguiu criar um rebuliço de conjecturas e fofocas-, ou a prisão de
algum político ou empresário importante e, sobretudo, a prisão do próprio Lula
e/ou a queda do Temer. Qualquer novo elemento de combustão, inesperado e
explosivo, pode derrubar todo o instável quadro atual e colocar o país e sua
frágil democracia em riscos maiores dos que hoje estamos correndo.
Quais são as bandeiras, ou a linha
tática que devemos esperar dos movimentos sociais e os agrupamentos da esquerda
nessa situação? Em primeiro lugar, é de se esperar um mínimo de unidade
programática a partir do reconhecimento do inimigo comum e da precariedade da
situação.
Derrubar o governo Temer e suas reformas antipopulares, ou adiar até
o próximo governo nascido de eleições livres o estudo das tais propostas e de
quaisquer outras que representem riscos de maiores retrocessos. Adiantamento
das eleições livres e gerais, escolhendo não apenas presidente e governadores,
mas sobretudo um novo congresso, visto o desprestígio do atual parlamento que
dá base ao governo Temer.
E para isso, sem dúvidas, é necessário trabalhar para
a criação de uma candidatura natural – provavelmente não será apenas o Lula, mas
também haverá outros candidatos da esquerda que seguramente poderão confluir num
eventual segundo turno- com programas amplos de defesa das conquistas sociais e
políticas dos últimos 15 anos, e que incorporem todas as frentes de luta e de
mobilização: salário, moradia, saúde, minorias, mulher, juventude, reforma agrária e urbana, equilíbrio ambiental,
etc.
Deve ser um programa que atente para a crise
econômica profunda sem os remédios liberais da austeridade que estão levando o país
à falência, e que ao mesmo tempo preencha no povo o vácuo gerado pela crise de
representação política, pelos políticos, os partidos e o congresso
desmoralizado e, sobretudo, por um governo ilegítimo que só se sustenta aproveitando-se
de um sistema falido e sem nenhuma credibilidade.
Mas isto tudo tem que ser dentro de um
projeto de longa duração, pois esperar apenas que a esquerda possa ganhar eventualmente
as eleições não resolve tudo, e ainda temos que aprender as duras lições do
golpe acontecido.
É necessário ampliar a mobilização
popular ao mesmo tempo que se estuda, se discute e se constrói uma massa
crítica com uma sólida ideologia de esquerda.
Conseguiremos fazer isto sem
sectarismos?
Poderemos avaliar os erros do passado – os que permitiram 43 anos
atrás a instauração de uma ditadura apoiada no AI5, e os que agora nos fizeram
perder as conquistas de 13 anos em poucos meses? Entenderemos que a esquálida
burguesia nacional brasileira, sócia menor do grande capital internacional não
tem folego para levar adiante programas desenvolvimentistas que acabam no
paternalismo ou na derrota pelo ódio das classes privilegiadas?
Enxergaremos
por fim que as alianças com essa burguesia impotente são quase impossíveis, e
que é melhor aliar-se com sua base, as capas médias trabalhadoras, hoje iludidas
pelo discurso neoliberal?
Saberemos incorporar as reformas necessárias dentro
do sistema capitalista num programa que enxergue mais longe, dentro de um
projeto socialista que imagine uma sociedade mais justa e igualitária?
JV. São Paulo, 1º de outubro de 2016
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