Guerra de soldados valientes y oficiales cobardes.
O companheiro Mario, um "irrecuperável" para os militares, conta como viu, de dentro do cárcere, a queda moral e a derrota da ditadura genocida argentina (1976-83), logo depois da rendição na Guerra das Malvinas, conflito feroz no qual os oficiais torturadores brilharam pela sua covardia e pusilanimidade.
"Isto aqui é como num trem. Você agora está bem atrás, mas se assinar, pode passar para a primeira classe". O indivíduo, um coronel pelas divisas, falava detrás da mesa do escritório, vestido no seu uniforme impecável.
"Tem certeza que tinha que me chamar? A mim, justamente?" pregunto.
"Sim, você já cumpre condena", me responde.
"Veja bem, revise ai, por favor, que tenho coisas pra fazer".
"¡Ah! Irrecuperável", verifica. "Não importa, se você assinar, verei o que posso fazer por você".
Nos anos oitenta se instalava na administração dos cárceres o coronel Sánchez Toranzo com o seu "papelzinho" em mãos. Um texto de umas vinte linhas no qual aquele que assinava reconhecia a existência do terrorismo na Argentina e proclamava seu arrependimento. A troca, o coronel oferecia algumas melhoras nas condições da detenção: jornais, visita íntimas.
Os presos estávamos classificados como "irrecuperáveis", dificilmente "recuperáveis" e "recuperáveis". Assim que o cara chamava a esses últimos e disparava a metáfora do trem: vagão de carga, segunda, primeira classe.
Objetivos do "papelzinho": quebrar nossa unidade interna, cooptar nas nossas fileiras vozes que se somassem ao falso argumento da guerra interna.
Na sua pequenez, o papelzinho foi um instrumento mais de destruição, disparador de suicídios, de quebrantos de por vida naqueles poucos que assinaram.
A dedicação e persistência de Sánchez fazia suspeitar que o tema do papelzinho era da sua invenção.
Depois de Malvinas, o coronel Toranzo sumiu das cadeias e foi descoberto poucos meses mais tarde debaixo dos rolos partidários, antecipando o fim próximo da ditadura.
O cara novo que agora eu tinha frente a mim era um substituto, menos florido e ainda menos treinado.
"E você. onde esteve quando a Guerra das Malvinas?", pergunto.
Muda toda a expressão. Crispado, vai subindo o tom: "E isso o que importa pra você? Aqui estamos definindo o seu futuro", diz.
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"Meu futuro eu já conheço. O que eu quero saber é se estou frente a alguém que pus o corpo lá, ou se ficou escondido em algum escritório por aqui".
"Como você se atreve. Levem esse filho da puta!". O cara se levanta e se segura na cadeira enquanto me levam fora.
Era outro indicio de que a ditadura já fazia água, embora a minha liberdade se adiantou um ano ao seu final.
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