A Peste. 2024. Parte 2.
As ruas estavam semi desertas às 18 horas e Jorginho se estremeceu de frio e de uma crescente angustia: que teria acontecido com Roberta nesses quatro anos?
Como na velha história do telegrafista, violinista e poeta Gabriel Elígio Garciá, pai de Gabo G. Márquez, - que se apaixonou por Luiza Márquez, e enfrentou a oposição do pai da moça, que tentou impedir o casamento enviando a filha numa longa viagem, para enfrentar o qual, Gabriel montou, com a ajuda de amigos telegrafistas, uma rede de comunicação que alcançava Luiza onde ela estivesse- Jorginho sonhava com voltar a ver e conquistar de vez o seu amor, vencendo todas as dificuldades.
Já tinha lido um par de vezes "O amor nos tempos do cólera", e se identificava totalmente com a paixão do também telegrafista, violinista e poeta Florentino Ariza por Fermina Daza, ambos inspirados na historia dos pais do autor.
E não tinha parado de pensar em Roberta mas que em umas poucas circunstâncias ao longo desses longos quatro anos. Tinham se conhecido outros tantos, talvez mais, cinco anos antes. Ela o amou, ele tinha certeza disso, ou pelo menos lhe deu a melhor e mais intensa carga de ternura, carinho e sexo que ele tivesse tido nos sus 55 anos de vida.
Ele achou, pensava às vezes, mas talvez tivesse se enganado, que ela o havia amado. E se não? e se não tivesse passado tudo de uma simples ilusão? se apenas tivesse sido para ela uma mera aventura rápida, de um par de meses de cartas e mensagens trocados e tão só três dias de amor, passeios e noites apaixonadas? Por que ela o havia abandonado de repente? por que motivo havia pedido, tão clara e irrefutavelmente, "por favor, não escreva mais"?
Primeiro, talvez por orgulho, ou por simplesmente não querer ver a realidade, tinha pensado que o "não escreva" se referia aos seus longos e insossos contos e relatos; talvez "não escreva" significasse apenas "não escreva mais essa pretensa literatura boba". Claro, ela não podia rejeitá-lo assim: ela, que tinha insistido um par de vezes que o seu pior medo era justamente a rejeição; por que ela o rejeitaria assim, sem outra frase ou explicação a não ser aquela "não escreva mais"?
Em fim, não era hora de pensar nesses detalhes bobos e sim de sair atrás dela, saber se tinha sobrevivido em primeiro lugar, e se estava bem, corretamente alimentada, sã e de bom humor, depois de quatro anos de encerramento forçado.
Mas também não teve muito tempo de continuar com as divagações: uma moto com dos rapazes o abordaram, cruzando a máquina a poucos centímetros e apontando-lhe com armas longas que carregavam com a ousadia e a soberba de quem já se acostumou a impor aos outros suas vontades, sem limites nem lei.
Somos do Ministério, disse um deles, o mais alto e magro, mas não mostrou nenhuma identificação. Tem a mão seus documentos e os certificados e atestados de saúde? perguntou o outro, mais baixo e claramente mais violento. Sim, respondeu Jorginho, e estendeu os dois papeis: RG e atestado de saúde expedido pelo Ministério dez dias antes. E por que não está usando a máscara? exigiu em tom mais forte o primeiro. Bom, eu ouvi hoje de manhã que não era mais obrigatória, respondeu Jorginho. Ok, pode seguir, disse finalmente o mais baixo, não sem antes apontar a Itaka bem no centro do peito e empurrá-lo, para em seguida jogar o RG e o atestado no chão e sair acelerando a moto.
Sem sair ainda do estupor, mas sem medo, Jorginho recolheu tudo e voltou para casa.
Não seria essa noite que iria arriscar a sua vida atrás de Roberta. E isso ficou ainda mais claro quando passou um grupo de dez ou doze partidários do Pequeno Ditador derrocado. Vestiam camisas verde-amarelas e exigiam a viva voz a intervenção militar contra o Ministério da Saúde, "antro de comunistas do PT", segundo se podia ler nas faixas que carregavam.
Olharam para ele com rancor, e um par de rapazes se aproximou correndo, assim que perceberam que Jorginho vestia uma camiseta vermelha. A polícia do Ministério, por sorte, chegou de imediato, dissolveu violentamente a manifestação, prendendo seis ou sete homens mais velhos e salvando-o, mais uma vez na mesma noite.
Era demasiado. Decidiu voltar rapidamente para seu pequeno apartamento da Rua Major Quedinho.
Continuará.
JV. São Paulo, agosto de 2024.
Espero saber cómo sigue la historia de Jorginho
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