sábado, 6 de outubro de 2018

Sociedade, economia e história, quatro anos depois.

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Sociedade, economia e história, quatro anos depois.

Quatro anos atrás, apenas um pouquinho antes das eleições que reelegeram a Dilma com 54,5 milhões de votos, - aquelas em que o Aécio, o perdedor, disse que não aceitava os resultados e iria "sangrar o governo"-, escrevi este textão.
Não me arrependo nem corrijo uma vírgula sequer, porque, infelizmente, o tempo veio confirmar tudo o que estava escrito nas linhas das mãos da história, a sociedade e a economia. (JV)

"Pode parecer um tanto pedante arriscar análise das eleições a menos de 24h dos resultados, mas coincido com quem acha que estamos vivendo uma onda reacionária, e não apenas pela reeleição do Alckmin num cenário em que deveria estar perdendo e não ganhando votos, mas sobretudo pela ascensão (ou ascensão) de nomes como Bolsonaro, Pastor Feliciano, Telhada e outros representantes dos setores mais conservadores e até saudosistas da ditadura militar.
A oposição está reorganizando forças contra um governo progressista, e há uma ameaça de retrocesso. Nada disto pode ser visto sem estudar a situação nacional e internacional, e também os exemplos históricos. 
Essa oposição conservadora bateu e vai bater ainda mais nos próximos 20 dias em três temas recorrentes: 

a) Economia, que oposição e mídia consideram falida na gestão Dilma, b) Democracia, que querem "recuperar" de uma suposta "ditadura comunista" e c) Corrupção, já que insistem em que "nunca houve tanta como no governo do PT".

Primeiro, sabemos que o país é governado, há muito tempo, em seus estados do sul e sudeste -os mais populosos e ricos- pela oposição, e que o governo só tem o PT no executivo, com uma proporção de primeira minoria no congresso, e com aliados duvidosos -o PMDB e a direita anã de Collor, Sarney e Maluf-. 
Ou seja, se nos remontarmos às manifestações de junho de 2014, que a meu entender foram o "break-even-point" em que o equilíbrio a favor da Dilma começou a se quebrar, veremos que as grandes queixas ao "desgoverno" eram apontadas às administrações municipais e estaduais, e apenas às referentes aos gastos da copa 2014 eram da alçada indireta do executivo federal. O PT governa um enorme condomínio em que é apenas um 40, 45% do poder real, mas isso a oposição nunca vai deixar o povo ver e entender.

Quais são os eixos da oposição e, coincidentemente, os da imprensa?:
a) Economia: está claro que o desenvolvimentismo é o eixo do governo, base de uma ideologia bonapartista em que todas as classes que considera "progressistas", incluída a grande burguesia nacional vão fazer crescer o bolo para ir distribuindo fatias cada vez maiores para as classes populares. E isto não seria incorreto se a burguesia nacional -incluindo a pequena burguesia urbana e rural- não estivesse mais interessada em flertar com o grande capital internacional do que favorecer as classes populares nacionais. Por isso é que, independente dos benefícios às classes mais desfavorecidas, e as vantagens que o aquecimento das vendas de bens de consumo trouxe à pequena burguesia urbana, esta prefere se queixar de "o mal que a economia está", sempre de olho no economês da Globo News, que na realidade só existe para os investidores médios e grandes, como o provam os consultores vindos de grandes bancos e consultorias ao serviço do grande capital estrangeiro. Quem já lidou com algum monopólio internacional numa filial brasileira, sabe muito bem como o "bem comum" do país é tratado, na base do despreço e do puro e exclusivo interesse de lucros imediatos, fáceis e rápidos. Economia que anda bem, para oposição, é a que se ajusta aos planos liberais: ajustes, reajustes, apertos de cinto, arrochos, etc.
b) Democracia vs. comunismo: é uma ofensa à inteligência dizer que o Brasil o algum país da América do Sul vive no comunismo, e menos ainda que padecemos aqui qualquer tipo de ditadura. Socialismo significa expropriação dos meios de produção -grandes fábricas, grandes fazendas-, dos meios de comunicação, os bancos, os transportes, etc. Isto não acontece nem de longe no Brasil. Quem é socialista, comunista, ou alguma outra variante da esquerda, pode querer uma sociedade onde o núcleo central da economia é coletivizada e controlada pelo estado, mas sabe que ainda nesta situação, no mundo moderno, seguramente haverá "capitalismo de estado", combinando a existência de pequenas e até médias empresas privadas, num misto de "mercado livre" com mercado controlado. 
Mas isto não é nem de longe o que existe nem o que se propõe os petistas, nem parece ser a proposta de outros, como o PSOL ou o PCdoB. O estudo da Revolução Rusa e do partido bolchevique, e a experiência cubana demostram que cada país pode fazer um tipo diferente de revolução, e que estas experiências não são necessariamente mais traumáticas do que a Revolução Francesa, sem a qual não teríamos hoje capitalismo florescente nos EUA, França, Inglaterra, Alemanha ou Japão. 
Dizer que o socialismo fracassou, apenas em base ao "modelo" russo ou cubano é uma simplificação malintencionada, porque ninguém da oposição liberal fala do "fracasso" do comunismo chinês nem o vietnamita. Cabe então estudar todos os casos, no mundo e na história, e concluir depois na análise certa -e bem intencionada- do modelo de governo que nós temos no Brasil: houve desapropriação dos meios de produção? alguma fábrica ou fazenda foi tomada pelo governo? há regulação da produção e do câmbio? Não. Então não há comunismo (que em teoria é a etapa superior do socialismo), nem há socialismo no Brasil. Há um governo desenvolvimentista que errou no seu manejo com as classes proprietárias, uma vez que as grandes facilidades para o enriquecimento das classes médias -evidentes para toda a população e para a imprensa internacional- não é reconhecido, nem muito menos agradecido. Errou no esbanjamento de políticas consumistas, pois a nova classe média baixa não agradece, cospe no prato e quer mais, quer ser amiga do dono do capitalismo lá fora.

c) Corrupção versus decência: bandeira justa, mas que a classe média agora na oposição conservadora mistura com críticas às alianças com a direita política -Maluf, Collor, Sarney- e nisto se iguala à esquerda mais liberal (ou anarquismo liberal) que critica acidamente ao PT o "abandono das velhas bandeiras". Primeiro, o PT nunca foi um partido revolucionário, menos ainda socialista (ou comunista), mas apenas uma convergência de três alas: a sindicalista do Lula e a que logo seria a CUT, a ala católica de base, e a dos ex guerrilheiros e ativistas da esquerda anterior a 1979. Os grupos mais ligados à experiência guerrilheira internacional, talvez mais seduzidos pelo aparatismo e a burocracia neoestalinista, costuraram alianças e até subornaram políticos da velha direita para obter uma base de apoios ao governo Lula em 2002. Não creio que não se devam fazer alianças com a direita e o centro, mas desde que sejam programáticas e pontuais, para incorporar a ajuda de um ou outro partido em questões técnicas e concedendo o que for necessário, mas às claras, documentada e publicamente.
Considerando estes três pilares da oposição, é difícil entender que a proposta liberal do PSDB -um partido que hoje abandonou toda e qualquer bandeira socialdemocrática clássica para ser um polo de aglutinação conservador- possa levantar oportunisticamente os planos de governo que dão sustento ao PT e à esquerda, como o Prouni, Ciência sem Fronteiras, Mais Médicos, Caminho da Escola, Brasil Sorridente, Luz para Todos, Bolsa Família, Minha Casa Minha Vida, Brasil Conectado, Pronatec, Brasil Carinhoso. Não há a mínima coerência entre estes planos e um projeto liberal de "estado menor", "livre mercado". Ou o PSDB está mentindo descaradamente -o que é mais provável, já que seu seguidores há anos que chamam estes programas de "bolsas-vagabundo"- ou estão dispostos a falir o estado apenas para retomar o controle do governo federal, lembrando que já controlam os estados mais populosos do país.
Neste quadro, o argumento do governo popular é claro; ele é o único que obteve, em 12 anos, avanços que beneficiam a população mais pobre: o salário mínimo teve aumento real de 72% nesse período; o investimento público em educação passou de 4,8% para 6,4% do PIB; o Prouni levou mais de 1,5 milhão de jovens à universidade; a quantidade de brasileiros viajando de avião passou de 37 milhões por ano, para 113 milhões por ano; a produção de automóveis no país dobrou para 3,7 milhões/ano; o fluxo de comércio externo passou de US$ 107 bilhões para US$ 482 bilhões por ano; o PIB per capita saltou de US$ 2,8 mil para US$ 11,7 mil; a população com conta bancária passou de 70 milhões para 125 milhões; as reservas internacionais do país, de US$ 380 bilhões, correspondem a 18 meses de importações, o que fortalece o Brasil num mundo em crise; ao longo da crise mundial o Brasil fez superávit fiscal de 2,58% ao ano, média que nenhum país do G-20 alcançou; os financiamentos do BNDES para a empresas têm inadimplência zero; a dívida pública bruta do país, ao longo da crise, está estabilizada em torno de 57%; há 10 anos seguidos a inflação está dentro das metas estabelecidas pelo governo, mesmo que este ano tenha passado levemente do teto.

Javier Villanueva, São Paulo, 6 de outubro de 2014/18

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