Futebol -e time ou seleção- é uma coisa, torcedores e povo, torcida organizada e governo do país são outras, totalmente diferentes.
Eu sei que estamos numa época em que você fala "bom dia, tudo bem?" e corre o risco de ouvir: "a culpa é da Dilma", mas vamos fazer um esforço para sair da vulgaridade:
Povo argentino e brasileiro gostam de futebol; e ambos se chamam de "país do futebol", dai as brincadeiras Pelé x Maradona, Messi x Neymar. Está claro até aqui?
Povos, aqui e lá, sofrem com falta de educação, saúde, salário e transportes dignos, mas mesmo assim, ainda param três semanas a cada quatro anos pra torcer, independentemente do nível da seleção, ou do governo ser uma democracia ou uma ditadura. E mais agora, que pelas lutas populares, temos duas democracias e eleições livres em ambos países para corrigir os erros e incorreções. Segue claro até aqui? Ok.
Time -ou equipe- pode ser medíocre ou muito bom no seu ofício de jogar bola, mas não representa mecanicamente um povo ou nação. O empate de Gana com a Alemanha, ou o quase empate com a Argélia nesta copa levariam a pensar que os africanos já estão no patamar tecnológico ou acadêmico dos germânicos, o que não é real. Fifas, AFA e CBF é que são outros 500: máfias ocultas ou escancaradas, dominam o mundo do futebol e os governos precisam ver isso de perto através de auditorias e fiscalizações.
Torcida organizada já é outra alegria -ou melhor, outra desgraça-: formadas por esportistas fanáticos, muitos "dependentes", viciados em jogo, violência e outras obsessões e drogas, desempregados e até delinquentes de ofício, todas as torcidas brasileiras e argentinas apenas se diferenciam dos "hooligans" en grau, mas não em gênero. As do Boca Júniors ou River Plate deixam a Fiel e a Verde, vermelhos de inveja em truculência.
Nada a ver com povo trabalhador, e com as classes médias ordeiras e conservadoras, que só querem sombra e água fresca. Delinquentes tem em todas as sociedades. E nem as listas comuns dos "barras-bravas" das PFs brasileiras e argentina puderam dar conta e muitos entraram sim, misturados entre o público chegado pelas estradas -de carro e ônibus- sobretudo.
E governo, bom, governo não é a mesma coisa que estado nem poder econômico. Futebol e política tem muito a ver, sobre tudo no Mundial, claro, mas cada coisa é uma coisa. Em épocas em que você fala de gol e escanteio e te respondem com "o Ché Guevara era um assassino" (!?) é sempre bom distinguir cuidadosamente cueca de cu:
Governo numa democracia significa três poderes, bastante formais, em três níveis de administração; se uma coalizão de partidos governa os três dos quatro principais estados de um país, o governo federal já não tem mais 100%, e sim apenas um 70, 75% no máximo, do controle administrativo. Se os judiciários e as câmaras de deputados (estados) e vereadores (municípios) se subdividem os poderes formais com os executivos federal, estaduais e das prefeituras, então o poder não é centralizado, mas cruzado, inter-controlado, e de responsabilidades compartilhadas.
E as empresas -os grandes monopólios estrangeiros e nacionais e as pequenas e médias empresas? e a imprensa e a TV? e a internet? que parcela de poder real tem cada segmento? Numa ditadura -de direita ou numa do proletariado, de esquerda- há centralização quase absoluta do poder, da administração e da economia e as informações. Quem viveu numa ditadura sabe o que é isso, sobre tudo se estava do lado de cá, do lado do povo e não do lado dos ditadores.
Dito tudo isto -e esclarecendo que, no meu caso não falo sobre música, nem de matemática, nem de meteorologia, porque nunca estudei nem entendo mais que o elementar, mas sim conheço e estudo a fundo história e política- vejamos se vamos separandoos o trigo do joio, evitando misturar alhos com bugalhos, e podemos distinguir mais claramente a cueca do cu:
A seleção brasileira, como a argentina, sempre tem a desconfiança do povo -e das torcidas- antes e no início dos jogos ("vamos perder e vou torcer pelo Cazaquistão", etc), mas assim que começa a rolar a bola, renasce o entusiasmo. Que a seleção argentina é mais guerreira e lutadora? sim, mas tem a ver não apenas com a história e a politização de cada país, mas também com a intromissão das empresas patrocinadoras, da Fifa (CBF e AFA em cada país), a publicidade e a força ou não que a torcida pode dar ou negar em cada jogo. E tem a ver sobretudo com a "torcida" da imprensa e a TV. Ambas seleções estão sempre entre as 4 ou 5 melhores do mundo e não há mares ou rios de tinta que neguem essa verdade.
Por outro lado, a copa não é do governo federal e sim da Fifa, uma empresa privada mafiosa, que negocia com o governo federal e com os estaduais para a implementação e controle de verbas, e com as prefeituras às quais cabe a responsabilidade da administração de obras e infraestrutura.
Este governo não é do Ché Guevara nem do Maduro...e nem apenas do PT: é uma aliança entre a centro-esquerda socialdemocrata (o PT, que nada tem a ver com comunismo nem com revoluções!) e a centro-direita mais ou menos liberal e bastante conservadora (o PMDB e sus aliados à direita: malufismo, collorismo e sarneyismo). O que dá como resultado um governo de centro, desenvolvimentista, às vezes muito progressista, e outras bastante conservador. Um governo que foi se desvinculando dos movimentos sociais e sindicais (MST, MTST e CUT). E com essa amalgama toda, se fez a copa, com a ajuda entusiasmada de todos os partidos e governos estaduais e municipais das cidades-sede, mesmo os opositores. Uma copa mundial que resultou um sucesso, exitosa e reconhecida por imprensa, governos e empresas internacionais; boicotada por setores sociais com reivindicações justas, mas descoordenadas e que se sujeitaram durante o evento. Mas boicotada ainda com mais ganas pela oposição e pela imprensa local, e inicialmente pela nacional.
Final da opereta: a CBF, se o governo tem "aquilo roxo", vai fiscalizar, pressionar e mandar investigar a máfia dos Marin, e não apenas deixar de cumprimentá-los. Juka Kifuri e a Bárbara Gancia tem razão. A seleção (uma nova, com novos dirigentes técnicos) vai se reerguer e o governo Dilma será reeleito ou não, sem nada ter a ver isto com a copa, que nem foi "comprada" como se disse, nem foi palco do "golpe bolchevique" que a direita porra-louca esperava.
Os torcedores argentinos se indignaram com o fato dos brasileiros (numa certa maioria, claro, não todos) trocarem de camiseta e de torcida todo dia só para aporrinhar a Argentina, sem ter torcido a fundo e até ter vaiado a própria seleção. Eu, argentino que quase infartei torcendo pela "canarinha", só entendo esse "síndrome de Estocolmo" (casar com o estuprador, digamos) porque moro aqui faz 35 anos esta semana e sei que há um uso político crescente do esporte pelos Mainardi, Olavo de Carvalho, Pondé, Azevedo e outros liberais, conservadores e direitistas que cada vez mais puxam o PSDB para ser o grande "partido da ordem" contra um suposto PT sovietista e ditatorial. Bobagens! simples mistura de conceitos, cuecas e cus, apenas para repetir slogans que já ouvimos com o Jânio, o Collor e o Maluf e agora são repetidos até por alguns ex-lutadores antiditadura como Serra, e até ex-guerrilheiros, como Aloysio Nunes, antigo motorista e guarda costas do Marighela.
O povo brasileiro é maior que seu time e que as torcidas; o Brasil é maior que os seus partidos, tanto os ditos "de esquerda" como os "não ditos" e vergonhantes da direita.
A felicidade do povo tem a ver com políticas públicas focadas em educação, saúde, transporte, mas também lazer, cultura e esporte. O Brasil está conseguindo tudo isso, e quem chegou aqui há 35 anos -e já levou encoxada no trem do Brás ou no elétrico da Cantareira-USP, trabalhou de doze a catorze horas por dia, de segunda a segunda para ter o que todo mundo precisa ter -sem roubar na NF, nem no INSS, nem receber prebendas, salários ou benefícios públicos, como qualquer outro brasileiro- sabe o este país melhorou, sobre tudo na última década.
Viva o Brasil e viva a organização do mundial, sem apocalipse nem caos. E vamos continuar exigindo -e conseguindo- reformas sociais e políticas a favor dos mais sofridos, os esquecidos por todos.
Javier Villanueva, São Paulo, 14 de julho de 2014.
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