quarta-feira, 10 de junho de 2020

Crônicas de un genocídio anunciado. 2ª Parte. A tragédia.

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Crônicas de un genocídio anunciado.
2ª Parte. A tragédia.

O Pequeno Ditador.

Era quase meia noite e o deputado dobrou e guardou com carinho a última peça da farda que vestia e desvestia todo dia, apenas para tirar algumas fotos no espelho e emocionar-se pensando nas glórias que não viveu, nas unhas que não arrancou, na perseguição a Lamarca que não realizou.
Estava nesses devaneios quando de repente sentiu o bafo quente na nuca e se estremeceu de terror. Na mesma hora, uma força sobrehumana o levantou pelo pescoço e o fez girar, como se não pesasse nem dois quilos, mesmo sendo um homem de quase 60 anos, idade em que a leveza da juventude já foi embora.

O Sete Peles -era ele o ser aterrorizador que o encarava com olhos de fogo e o fazia urinar-se nas calças- o manteve no ar durante longos sessenta segundos, apenas para dizer a sua vítima que a alma dela lhe pertencia para sempre e deveria obedecê-lo cegamente, sem recusas nem demoras.

A vítima do Sem Sombra, um capitãozinho reformado por indisciplina e tentativa de atentados terroristas em sua juventude, sonhava com ser um Grande Ditador. E tinha convocado o Senhor das Trevas para cumprir seu desejo. O Sete Peles -Satanás, ou Tinhoso para outros- tinha cumprido com o desejo, mas o pacto era claro e inquestionável:

–– Você não passará de um tiranozinho, e será conhecido como O Pequeno Ditador, ou então, O Genocida, embora uma denominação pareça chocar-se com a outra, mas no seu caso não: você é incoerente, contraditório, pusilânime; o que na linguagem popular se chama de cagão. Isso, você é um cagão, um inepto e um energúmeno. Mas vai servir direitinho aos meus designios.

O monstro de grandes chifres e olhos vermelhos faiscantes, talvez iria obrigar o capitãozinho-deputado a cozinhar cadáveres. Era o que o pusilânime mais temia.
O Diabo, segundo tinha-lhe contado Ulstra, o grande torturador, que nesse aspecto e só nesse coincidia com o filósofo francês Voltaire, não passava de uma simples superstição, e o matador de crianças e mulheres acrescentava que segundo o pai da psicanálise, Sigmund Freud, Satã não era outra coisa para além dos impulsos negativos longamente reprimidos. Mas, repetia sempre Ulstra nas suas delicadas aulas de tortura, não se deve confiar em Freud, que não passava de um marxista gramsciniano e luxemburguista.

–– Lembro clarisssimo daquel encontro: não posso esquecer como os galos e os pássaros cantavam, como enlouquecidos, e revoavam nas casas dos vizinhos, como cacarejavam as galinhas, e latiam os cachorros, e o repicar dos sins da capela - conta o capitão-deputado para seus três filhos, quase chorando.

–– Calma, pai, não chora, você é emotivo demais- dizem os três, quase ao uníssono.

––  Fiquei assustado, reconheço, mas gostei da proposta, meninos. além do que, o tal do Demo era um cara elegante, respeitável, gente de bem e fino trato, até notei que vestia uma jquetinha militar verde oliva, uma graça de pessoa.– limpa o nariz e enxuga as lágrimas o capitão-deputado e suspira. –– Até falei para ele sobre o meu projeto de matar 30 mil. O Capeta gostou.

Continuará

JV. Catamarca. Agosto de 2022




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