sábado, 27 de agosto de 2011

El Siete Pieles en el Parque Sarmiento



- Sim, sim, siiiim, sou eu, sim senhor. Sim, o que caiu do telhado do Tío Ramón. Mas foi besteira, eu queria ver a lua cheia, e de repente a lua foi pra cima, disparada, vertical. Sim senhor. Trabalho em Obras Públicas.  A lua subiu como um foguete, mas era eu, caindo cinco metros abaixo.-

- Seu filho da mãe, não é isso que te pergunto, Cadê o Juancito? -

- Aaaai, não sei, aaaai- dois tapas sincrônicos nas duas orelhas, - Trabalha comigo em Obras Públicas, mas não sei onde mora. Estamos juntos em Estudos e Projetos faz quatro anos.-

-Não é esse Juan, caralho- mais um tapa na boca e o capuz preto e imundo se desliza e vejo as pernas de um dos caras, o que está mais longe, calças verdes, ridículo.

- Aaai, sim senhor, só conheço o Juancito delegado, o da comissão interna, que nem eu, só -

- Mentiras!!, o Juan de Vialidad, Caminos y Parques, esse quero saber, cacete!-.

Dois choques rápidos de eletricidade na ponta da orelha direita e agora já vejo as calças marrons do que está do meu lado, e o cabo preto da "picana" elétrica.

- O Juancito Vasco, eu sei, vi ele duas vezes no sindicato, mas está preso, todo mundo sabe, não sei onde morava, mas é amigo do meu primo Jorgito, que também está preso, aaaaaai!! - um soco na boca do estômago e os caras saem da sala uns minutos. A boca está seca, sinto frio, mas preciso tomar água, já sei, não posso, mas mão aguento a sede.

- Sou eu, sim, o que caiu na fonte da Plaza de San Antonio, en Catamarca, sabe? e o Alejandrito e o Jorge rachavam o bico de tanto rir, sabe? - outro choque elétrico na boca, e uma risada do cara. Que agora ruge, perdendo a calma, e grita:

- Juan Uriburo, sim, mas não está preso, seu filho da puta! Onde está? fala logo!! - arrancam a máscara da minha cabeça, agora vejo que não é um capuz. E vejo que as calças verdes, ridículas, vestem um homenzinho insignificante, que se eu achasse na rua, e não nos quartos tenebrosos deste quartel, nem olharia. O outro é amigo do gordo Dávila, do sindicato. É um fascista perigoso, covarde, traiçoeiro.
- Vamos, comuna, pra rua já! - engrossa a voz para parecer mais macho, mais alto e musculoso, o homenzinho das calças verdes. Saio da mesa do escritório do velho quartel do Parque Sarmiento, improvisada masmorra que o grupinho do Comando de Organização usa para divertir-se na tortura.
- Pra Perla. Você dirige, Páez -. Não se preocupam em tapar-se os rostos, falam os nomes, são do C.de O. Vão me matar.

- Desce do carro, olha pra baixo!! - dois tiros nas pernas. Um só me raspa a pele, sinto calor, mas não dói. O outro queima na panturrilha. A lua, suja e pequena, sobe como um foguete, como no telhado do Tío Ramón, e eu caio, tudo ao mesmo tempo.

Uma terceira bala, demorada, entra pela orelha esquerda e sinto que não sai. Vejo as calças verdes e o anãozinho rindo; vejo a boca quase sem dentes, mas não ouço nada, e já não me parecem tão ridículos, nem ele, nem o fascista do Comando de Organização. Ficou tudo escuro e só vejo a sombra de El Malo, o Sete Peles, rindo, e agora sim, ouço alto e firme, Alto! Fiiirme! E vejo a jaquetinha verde oliva do Supay, as botas lustrosas do Malo, o hálito nauseabundo do milico chifrudo que não sabe que pode matar mil, dez mil ou trinta mil, mas que o povo não se mata. Os pobres e despossuídos são como ratinhos, como coelhos, como os "cuises" nas Salinas Grandes, correndo, se multiplicando, guardando na memória os tempos felizes da comida, da fartura, da abundância...da liberdade. E sempre reproduzem o clima de festa que tanto aterroriza ao Supay. E o Malo treme, ri da minha morte e treme, dá estrondosas gargalhadas ao ver-me agonizar, mas treme de medo; solta fedorentas ventosidades azuladas e relâmpagos de fogo azul pelas narinas, arreganha os dentes e eu me arrepio de terror, mas também dou risadas:

- Aguenta, Mandinga. Ri agora, milico. Goza teus cinco minutos de fama, fascista, que o povo não morre, os pobres vencerão, voltarão aos poucos, ou de um golpe só, e as ruas se encherão de mulheres, homens jovens e velhos, de pobres e não tão pobres, de estudantes e de remediados, de favelados e de universitários, de donas de casa e de aposentados. Ri, Mandinga. Dá gargalhadas que quem ri por último rirá melhor!! - digo, quase sem forças, me esvaindo, apagando como num sonho, sem ver luzes no fim do túnel nem sentir nenhuma paz nem trompetes de anjos, nada, nada mesmo, só carne que se apaga, espírito que se desliga junto com a matéria e se mistura com a terra do lixão onde os fantochezinhos do Comando de Organização me jogaram, a mando do tenente coronel do Parque Sarmiento.
E o Malo vai embora, o Supay Mandinga se escapa, dissimulado, porque sabe que o Mal não dura cem anos.

Leia mais em: "De Utopías y Amores, de Héroes y Demonios de la Patria" (JV. São Paulo, 2006)

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