Capítulo 33
Acho que apareceu um quinto caderno Laprida em Catamarca; já virou uma espécie de casa ao tesouro da família; os primos fazem piadas, e na verdade eu já sabia que todos levavam o velho muito a sério no que se referia ao seu trabalho; trabalhar e ganhar grana era algo que o velho sabia fazer, e muito bem! Mas eu talvez percebesse de vez em quando um certo ar de incredulidade, ou um tom de piada quando se falava de seus dons de escritor; lhes parecia uma excentricidade, ou uma perda de tempo; mas enfim, piada ou não, aqui vai o que li no quinto Laprida de 200 folhas e capa dura:
Gabriel, Sebastián e Luciano viajaram quase dois dias na Galloper para me ver; chovia muito entre São Paulo e Corrientes, e o jipe estava cheio de barro, segundo contam, alternando-se nos detalhes, meus filhos mais velhos. Hernando chegou no mesmo dia de avião, os irmãos foram buscá-lo em Pajas Blancas, e foram os quatro me ver no hospital. Graciela conta a Gabriel que tinha visto Osvaldo Bayer no canal Encuentro, numa reportagem sobre as universidades patagônicas de Comahue e da Patagônia Austral. Conta Graciela que Susana Viu, do jornal Página/12 lhe fez varias perguntas sobre seu livro e a vida de Severino Di Giovanni:
–– Dizia o historiador Bayer que depois da primeira edição de sua obra sobre a vida de Di Giovanni, tinha visitado vários arquivos, entre eles o do estado, em Roma, onde estão os documentos enviados pelo governo de Alvear, que tinha relações muito estreitas com a política de Mussolini; além do Museu de Historia Social de Amsterdam – conta Graciela.
- Durante o exílio, Bayer se encontrou com membros do grupo de Di Giovanni, que tinham sido expulsos da Argentina por Uriburu e entregues em 1931 a Mussolini, que os aprisionou em um campo de concentração na ilha de Lipari. Foram libertados pelos estado-unidenses, quando invadiram o sul da Itália, e passaram a ser heróis antifascistas – continua contando a minha irmã.
- Isto quer dizer que se Severino não tivesse sido fuzilado por Uriburu, seria hoje um herói antifascista- comenta Gabriel, e Graciela responde que era exatamente o que tinha ouvido Bayer dizer na reportagem. – E, quem sabe, até tivesse tido uma pensão do estado como lutador, igual a que tiveram seus companheiros- acrescenta o historiador.
-Mas dizia Oscar Bayer na reportagem que, pelo contrário, Severino Di Giovanni, foi durante anos um maldito na Argentina, a efígie do diabólico, o filho do demônio- continua Graciela. - E conta Bayer que os filhos de Di Giovanni sofreram muito por isso – diz que ouviu de Laura, a única filha que ainda é viva. - As crianças batiam neles e gritavam exatamente isso: “filhos do diabo”. E as professoras também não os queriam como alunos- diz Graciela que respondia Bayer à entrevistadora.
-No Museu de História Nacional de Amsterdam, Bayer leu os documentos do julgamento que fizeram seus companheiros a Di Giovanni por ter matado Lopez Arango, que no jornal La Protesta o havia chamado de “agente fascista”. Isso o derrotou: que a ele, que havia lutado tanto um companheiro de idéias o estigmatizasse dessa forma no jornal. Foi pedir-lhe explicações, houve um incidente e um dos amigos de Di Giovanni o matou. Mas ele admitiu a culpa. A cúpula anarquista admitiu que Severino tinha razão, que não era um espírito assassino – continua Bayer, segundo relata minha irmã.
-Severino tem uma longa folha corrida de atentados e expropriações, mas também uma extensa lista de publicações: Culmine, Anarquia e vários livros – diz o historiador.
-Di Giovanni viveu na Argentina apenas oito anos, de 1923 a 31, mas desenvolve uma atividade incrível. Cada vez que vou a uma biblioteca européia ou norte-americana encontrou novos artigos assinados por Severino e me pergunto em que momento os escreveu. Se quando o fuzilaram tinha 28 anos. Ao mesmo tempo teve esse romance, de uma pureza incrível, com a adolescente América Scarfó. Suas cartas revelam o projeto de um futuro juntos; na verdade quando o detiveram já tinham tudo preparado para viajar á frança, e daí para Itália para integrar-se com as brigadas antifascistas. Foi consequente. Mas seu nome foi manuseado pelos jornais. E até pelos mesmos anarquistas do La Protesta que buscavam manter a paz com o governo, publicar suas idéias, mas que o governo os deixasse tranqüilos. Quando o corre o golpe do 6 de setembro de 1930, a oposição se esconde, e Severino continua, a pesar de ser o homem mais perseguido do país, o Enemigo Público Nº 1- diz a minha irmã que declarava Bayer no fim da entrevista. -Tento entender Di Giovanni em seu sacrifício, sua enterteza, na sua vocação. O povo gostava dele, suas façanhas eram comentadas. Era como um bandido, um herói popular. Quando morre é como o final de uma grande ópera italiana-.
Veja mais sobre Severino Di Giovanni em "Crónicas de Utopías y Amores, de Demónios y Héroes de la Patria" (JV, 2006)
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