quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

O Congo Belga, um país e um rio de novela.

















Relendo Joseph Conrad, Roger Casement e Vargas Llosa sobre o Congo Belga

Entre os escritores de romances sempre houve uma atração especial, pelo antigo Congo Belga, onde o colonialismo foi ainda mais terrível –se isto fosse possível- que nas outras colônias europeias. As companhias belgas eliminaram simplesmente um 20% da população local.
Os horrores se concentraram no final do século XIX e inícios do XX e nessa colônia que era propriedade privada do rei da Bélgica, Leopoldo.
As atrocidades no Congo, bem exploradas pelas empresas e potências rivais foi toda uma revelação no ocidente imperialista, antes nunca interessado pelos colonizados.

Os romancistas iriam plasmar este estupor em duas linhas diferenciadas: a dos escritores colonialistas e a dos opostos à exploração imperialista. Os que se detacam, mesmo com as suas profundas contradições, são Conrad, Hemingway e Céline.
Conrad, que já comentei em maio no meu blog com motivo do lançamento da obra El sueño del celta, de Mario Vargas Llosa, é o melhor exemplo; seu livro Corazón de las tinieblas, ou Coração das trevas, ocorre no Congo leopoldino, num contexto de vegetação e fauna de luxúria, trevas, sombras e podridão, temperaturas irrespiráveis, sem horizonte...um outro planeta quase, tão distante e diferente da Europa dos brancos.
E o herói é branco; o negro é parte de uma massa sem forma, indolente e preguiçosa. Mas o branco também pode se infeccionar e adoecer nessa indolência primitiva. A escravidão e o colonialismo acabam sendo uma degradação do outro, mas também de si mesmo, do próprio branco escravizador. E o livro reflete o fastio, o cansaço, e a ambiguidade de não ficar claro se o horror está na escravidão e o colonialismo, ou na própria África sem jeito, irredimível por natureza.
O Congo volta a ser exótico, um cenário ou pano de fundo. Até no horror ao imperialismo e suas monstruosidades, o africano e seu hábitat seguem sendo exóticos.

O último romance de Vargas Llosa, O sonho do celta, já na linha oposta, é claramente uma obra sobre O Mal, e o demônio aqui é o colonialismo e suas malezas. O sonho do Celta conta a vida do representante inglês, Roger Casement (veja em http://javiervillanuevaliteratura.blogspot.com/search?q=roger), irlandês e fiel servidor do império britânico que, por ser um homem honesto, denunciou os horrores da exploração colonial no Congo Belga primeiro, e depois nas fazendas de siringueiras na Amazônia peruana e brasileira. Terminou no anticolonialismo e, para ser mais coerente, virou um nacionalista irlandês e se enfrentou ao seu patrão, o império britânico.  Foi pró-alemão na Primeira Guerra Mundial como um modo ingênuo de querer contribui à independência da Irlanda e acabou preso e executado.

Que distancia enorme entre este personagem real e os de Edgar Rice Burroughs e seu ridículo (a alguns parecia apenas ingênuo) Tarzan, incentivando não só a ignorância em relação ao outro, o que a religião chama “o próximo”, mas sobre tudo a distorção, a idealização do servilismo do escravo ao buanda, o buana, do selvagem inocente e infantil, intelectualmente inferior, e incapaz de se governar.
Como diriam os colonialistas espanhóis quando o seu império de cartolina ruiu de vez: ahí os quedais, ou como devem ter traduzido os colonialistas portugueses antes de 1975: fiquem com a sua miséria, ignorância e doenças, nós voltamos para a Metrópole; mas o colonizado sempre segue ao seu colonizador: Europa se encheu de africanos que agora não são mais estrangeiros, horror! São franceses, britânicos, espanhóis, portugueses, belgas e holandeses...mas continúam sendo negros e a maioria musulmanos!
O “problema” colonial é uma bomba-relógio, como as favelas são o tic-tac do explosivo que a escravatura deixou no Brasil, na Colômbia, Venezuela e o Caribe.

J.Villanueva, dezembro de 2011

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2 comentários:

  1. Um texto exemplar que nos abre as portas para conhecermos o lado verdadeiro e desumano das glórias imperiais.Quais as consequências nos dias de hoje? Será que o fim dos "impérios" significa o fim das mentes imperiais?

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