domingo, 20 de janeiro de 2013

O Supay no Bar Riviera. São Paulo, 1979.

Interior do Bar Riviera no ano de 1989. Ele foi fechado por falta de pagamento do aluguel


Missão quase impossível: 
ajustiçar o tirano Videla.


Parte 3


Tomando um “pingado” de café com leite e pão com manteiga no Bar Riviera, e depois de olhar a programação do Cine Belas Artes, o Índio e Juancito conversam sobre o trato que estão a um passo de fechar com o Diabo, e sobre a difícil missão de dar cabo no tirano Videla:

-Olha,meu, acho bem complicado esse plano do Malvado; primeiro, o velho Milesi tem que convencer na pele de um oligarca italiano, e já sabemos que só arranha um pouco do dialeto ligur; ele chegou muito jovem na Argentina. Segundo, eu tenho que arrasar na representação do mercenário argelino; nem sei falar bem o francês, muito menos o árabe! Ok, posso ficar quase mudo, já que milico não fala muito. Mas, e se o Almirante Massera não se interessar pela Cristal?...já sei, é difícil, é um marinheiro velho e putanheiro, e a mulata é linda; mas, e se por um acaso essa noite ele não quiser saber de mulher?- resmungava o Índio Santiago e pensava que Pedro Milesi, agitado do jeito que era, já devia ter saído pra rua bater pernas antes que o Diabo aparecesse de novo com a encheção dos pactos de sangue ou de tinta nankin.

-Pois é, Santiago, e ainda tem a pior parte: e se o Videla não estiver nem ai com o que o Massera decida fazer? E se o tirano número 1 decidisse essa noite não ter ciumes do tirano número 2?- conjecturava Juancito quase sem olhar para o Índio, apenas como se falasse para si mesmo.

O velho Pedro Milesi entrou e largou um “Estadão” em cima da mesinha ensebada do bar, bem na vista dos dois camaradas:

-É mais conservador do que a Folha de SPaulo, La Nación e Clarín juntos, mas pelo menos não faz de conta que é moderno e progressista; leiam- e mostrou com um dedo curto e roliço a notícia na manchete da página três.

Estão vendo? No Brasil nem a vinda do tirano da Argentina impressiona. Os tiranos daqui são mais mansos e mais eficientes. A ditadura anterior, a de Ongania e Levingston durou sete anos na Argentina, e não creio que o assassino Videla dure mais do que isso. Agora os milicos daqui, esses sim, vão chegar aos vinte anos ou mais de ditadura. Olhem a notícia: Videla só ficará uma hora na recepção do consulado. Já passei na rúa Araújo, não tem ninguém cuidando do predinho onde fica a representação argentina, mas mesmo assim não vai ser fácil.

-Velho, você já passou? São oito e dez da manhã! Você não durmiu na pensão que eu deixei paga? Não vai me dizer que saiu de farra por ai!- tentou brincar o Índio e em seguida se deu conta da besteira, parecia o Gordo Lowe falando para o Juancito que não fosse gastar a grana da última expropiação em mulheres. Justo com o Juancito, que é um monge budista! E agora ele, se fazendo de engraçadinho com o velho anarco para quem o amor é livre, sim, mas é um compromisso, uma obra de arte que se constroi de baixo pra cima, como as estátuas, sem traições, sem pulos de cerca. Mas o velho nem deu bola e continuou com o comentário:

-Vamos montar esse plano de uma vez e evitar assim que o besta do Satanás siga querendo mandar em tudo. Afinal sempre fui “sem deus nem patrão”, não é agora que vou ficar obedecendo um chifrudo sobrenatural!- e na mesma hora, claro, o Mandinga se apareceu em pessoa, assim do nada, acotovelado na mesa, vestido de gaúcho, com botas, bombachas, cinto cravejado de moedas e facão cruzado atrás das costas. O velho nem piscou porque o muito malandro já sabia que o Malvado iria se apessoar assim que ele o mencionasse. Era toda uma encenação de propósito e, se bem o Juancito e o Índio deram um respingo e todos os fregueses das mesas vizinhas ficaram calados e apavorados com a súbita aparição, o velho Milesi continuo falando, como se nada:

-Então, só temos uma hora para chegar, aproximar-nos do tirano, oferecer ao almirante Massera o encontro com a Cristal, convencer o Videla de que também há farra para ele, ou pelo menos incentivar a curiosidade sobre o que anda aprontando o Massera e fazé-lo descer até o carro; e ainda o Juancito garantir que, se o Videla não aceitar as orquídeas com a bomba, a Uzi vai resolver o problema rápido e sem mais delongas- usava uma linguagem antiga o velho Milesi; falou tanto e tão rápido que o Diabo nem tentou pará-lo ou interromper a fala para dar novas ordens.

Continuará. JV. São Paulo, dezembro de 2011.

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