terça-feira, 3 de setembro de 2013

Pelo túnel da Mantiqueira não passarão. 2ª parte.



Memórias de um fantasma.

Ao longo dos meu bem vividos 101 anos, não me lembro de nada parecido: a revolução dos paulistas desencadeia, assim que declarada naquele dia 9 de julho de 1932, uma febre política que contamina toda a população.  E pela sua especial situação estratégica, a região para a qual fui enviado, passa a ser a área central para onde afluem as tropas que vão combater contra os revolucionários. É que, por estar muito próxima ao túnel, onde se instalam as forças armadas paulistas para impedir o avanço dos legalistas, circulam pela região divisões militares com todos os uniformes imagináveis.  

Há muitos contingentes aquartelados por toda a cidade, e até o grupo escolar, que acabou de ser construído, foi ocupado e da noite para o dia se transformou em uma praça de guerra.  As paredes estão cobertas de mapas mostrando detalhes da zona em que se encontram os revolucionários.  Vejo que as forças de Minas foram divididas em três brigadas ou destacamentos: a do setor do Túnel da Mantiqueira, comandada pelo coronel Edmundo Lery Santos; a de Poços de Caldas, comandada pelo coronel Otávio Campos do Amaral; e a do Triângulo Mineiro, comandada pelo velho coronel Antônio Fonseca. Dizem que a comunicação através do serviço oficial de rádio do estado vai ser usada para a mobilização e a reunião dos batalhões destas brigadas.

A Brigada Sul -ou Brigada Lery, que vai cuidar do Túnel- foi organizada no dia 14 de julho, em Lavras, tem diversas unidades militares que foram incorporadas aos poucos, de acordo com a chegada de seus contingentes. Na arrancada final, dez unidades estiveram diretamente envolvidas nas operações.

Lembro a quem já esqueceu, e comento para quem não sabe, a Revolução Paulista -que também foi chamada de Revolução Constitucionalista de 1932- foi o movimento armado ocorrido no Brasil entre julho e outubro daquele ano, com o qual o estado de São Paulo procurava a derrubada do governo provisório de Getúlio Vargas e propunha a instituição de um regime constitucional após a supressão da constituição de 1891 pela Revolução de 1930. O dia 9 de julho, como já disse, marca o início da nova Revolução, a de 1932. No total, foram 85 dias de duros combates, até o dia 2 de outubro de 1932, com muitas mortes e danos enormes a muitas cidades do interior do estado.

Uma semana depois do estouro do conflito -acho que era o 15 de julho de 1932- passei à disposição do coronel José Alberto de Melo Portela, na função de 2º assistente do comando, para a constituição do destacamento Portela. Segui no mesmo dia para a área de operações em Soledade, estado de Minas Gerais, passando por Barra Mansa, no Rio de Janeiro e Caxambu, em Minas, para enfrentar os rebeldes de São Paulo. Embarquei às 16:55h na estação Mariano Procópio da EFCB com todo o destacamento, chegando no dia 18 de julho, pouco antes das 17:40h, na estação de Soledade. 
Foi só no dia 24 de julho que fui me apresentar ao regimento, e fiquei sabendo que o destacamento havia sido dissolvido a tarde anterior.

Lembro bem que, uma semana antes, alguém comentou que esse dia era o mesmo da revolução francesa, 14 de julho, quando a minha unidade, o 10º regimento de infantaria recebeu a ordem de embarque. Fui nomeado chefe do Estado Maior do destacamento Portela. 

Chegando, descansei tudo que foi possível, porque já nos dias 26, 27 e 28 de julho, acompanhei a inspeção às tropas que protegeriam a entrada do túnel; e depois fomos até o Pico do Cristal, em 30 de julho, onde assisti o desenvolvimento dos ataques das tropas da frente contra os rebeldes paulistas que se haviam entrincheirado no interior do túnel.


Confesso agora, tantos anos depois, que eu teria preferido ficar com o meu regimento, no posto mais tranquilo de 2º ajudante e servir o coronel Ayres, a quem eu conhecia desde muitos anos atrás. Mas ordens são ordens. E, afinal das contas, estávamos vivendo o que seria o último grande conflito armado ocorrido no Brasil. 

Continuará.
JV. São Paulo, 2 de septiembre de 2013.

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