Das poucas memórias que a cabeça de um homem da minha idade -101 anos completos- poderia conservar intactas, os combates no Túnel da Mantiqueira durante a Revolução Constitucionalista de 1932, são os que ainda me distraem nas longas noites de insônia.
Dizem que foi um dos
confrontos mais decisivos entre as forças paulistas e as armas mineiras; mas naquele
momento pra mim, um jovem em seus vinte anos, não parecia nada do outro mundo.
A Serra da Mantiqueira, contam hoje, foi um baluarte, um “reducto mágico, o
fortim lendário” pela sua posição estratégica em relação à malha ferroviária da estrada
de ferro do sul de Minas. Não sai das minhas lembranças o tempo que lá passei
na minha juventude; e o fragor dos combates ainda ocupa as largas horas sem
sono da madrugada.
Na manhã de 10 de julho de 1932, lembro que a manchete
do dia explodia: “Está victorioso, em todo o Estado, o movimento revolucionário
de caracter constitucionalista”; o jornal anunciava que pela madrugada haviam
aderido ao movimento, irrompido o dia 9 de julho, todas as guarnições federais
inclusive as do Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Santa Catarina. Comunicava o diário que as forças do Mato Grosso marchavam em direção à cidade paulista de Bauru, e que o gaúcho general
Bertholdo Klinger chegaria de avião naquele mesmo dia.
O doutor Pedro de Toledo
–pouco antes nomeado por Getúlio Vargas interventor federal de São Paulo- seria
aclamado pelo povo como o novo presidente do estado. As tropas paulistas já
haviam invadido as fronteiras de Minas Gerais, ocupando as cidades de Passa
Quatro, Guaxupé, Cambuí, Extrema, e Camanducáia. No Diário Nacional era claramente
anunciado o motivo do movimento: “Solidário
com o general Bertholdo Klinger, o Estado de S. Paulo insurgiu-se contra a
ditadura infiel, que ameaça arrastar o paiz á anarchia”. O general Isidoro
Dias Lopes -também gaúcho- que era o comandante das forças sublevadas, e o coronel
Euclides de Figueiredo –carioca e chefe do estado maior das tropas
revolucionárias- publicaram em todos os jornais paulistas o seguinte manifesto
revolucionário a favor do alçamento:
“Ao
povo paulista. Neste momento, assumimos as supremas responsabilidades do
comando das forças revolucionarias, empenhadas na luta pela immediata
constitucionalização do paiz. Para que nos seja dado desempenhar, com
efficiencia, a delicada missão de que nos investiu o ilustre governo paulista,
lançamos um vehemente appello ao povo de S. Paulo, para que nos secunde na ação
primacial de manter a mais perfeita ordem e disciplina em todo o Estado,
abstendo-se e impedindo a pratica de qualquer acto attentatorio dos direitos
dos cidadãos, seja qual fôr o credo politico que professem. No decurso dos
acontecimentos que se seguirão, não encontrará a população melhor maneira de
collaborar para a grande causa que nos congrega, do que dando, na delicada hora
que o paiz atravessa, mais um exemplo de ordem, serenidade e disciplina,
caracteristicos fundamentaes da nobre gente de S.Paulo.”
Lembro bem que a resposta da sociedade
paulista foi quase que imediata. Uma mobilização geral se traduziu na Campanha do Ouro,
organizada pela Associação Comercial de São Paulo e na associação MMDC -sigla criada em homenagem aos paulistas Miragaia, Martins, Dráusio e Camargo, os primeiros
mortos da causa constitucionalista no dia 23 de maio de 1932-. O MMDC ficou responsável
pela organização dos batalhões de voluntários, pelo reabastecimento, o fornecimento
dos uniformes, calçados, agasalhos, e mantimentos em geral, e pelo correio.
O
decreto nº 5585 de 14 de julho de 1932, mandava emitir ao “Thesouro do Estado de
S. Paulo” as notas de 5, 10, 20, 50 e 100 mil réis, com as imagens dos
paulistas Fernão Dias Paes Leme e Domingos Jorge Velho. Também foram criadas as delegacias
técnicas de engenheiros do estado, de controle de veículos e embarcações, e de gasolina
e álcool. Destaca-se uma participação forte da Escola Politécnica, e de fábricas como a
Matarazzo e a Nadyr Figueiredo. Os oficiais do exército começavam a fabricar novas granadas de mão e para fuzil, bombas, espoletas para cartuchos de guerra,
trotil e metralhadoras, assim como um trem blindado e um carro lança-chamas.
No início do dia 10 de julho, lembro que os soldados
paulistas já estavam ocupando a região do Túnel. Parte do efetivo do 5º regimento
de infanteria de Lorena, comandado pelo tenente Melchíades Tavares da Silva
ocupou a cidade de Passa Quatro e dinamitou várias pontes da via férrea, “causando pânico e
alarme a muitas famílias”. Este ato indignou a população local que, agora totalmente
isolada pela retirada dos trilhos da estação férrea pelos combatentes paulistas, já não
podia nem sequer protestar.
Inicialmente os 2º, 3º, 4º regimentos de exército,
duas seções de artilharia, 3 batalhões de voluntários e uma companhia do corpo
de bombeiros também ocuparam vários pontos estratégicos. Getúlio Vargas enviou ainda
tropas federais, através de Minas Gerais, para reprimir os sublevados paulistas.
Lembro muito bem que as primeiras unidades que
chegaram foram o 11º regimento de infantaria, de São João del Rei, comandado pelo
major Herculano Assumpção; também chegou o agora extinto 4º Regimento
de Cavalaria Divisionária, assentado em Três Corações, e o 10º regimento de infantaria,
capitaneado por Zacarias de Assumpção.
O ditador Getúlio Vargas informava que as
reivindicações dos paulistas não tinham razão de ser, uma vez que: “foi promulgada a Lei Eleitoral, marcou-se a
data em que se devem efetuar as eleições, escolheram-se os juízes dos tribunais
eleitorais; nomearam-se os funcionários que compõem as respectivas secretarias;
abriram-se os créditos necessários e acaba de ser designada a comissão
incumbida de elaborar o projeto de constituição”.
Se a memória de velho centenário não me
falha, o Olegário Dias Maciel, de Minas Gerais, apoiou o Getúlio Vargas. A força pública do estado de Minas -comandada pelo geral que também era o secretário do interior, Gustavo
Capanema, e o chefe do estado maior, o coronel Gabriel Marques- acatou as
determinações do presidente do estado de Minas Gerais. Lembro-me bem que o dia
posterior à sublevação paulista, o 10 de julho, decidiram a mobilização dos
batalhões de infantaria da força pública, que na época era a polícia militarizada
de hoje; os militares foram recolhidos e estavam já prontos para o embarque.
Nesta mesma data foram designados os comandantes das operações, que seriam o coronel
Gabriel e o subchefe das operações, o tenente Coronel José Vargas da Silva. O serviço
de estado maior seria formado por várias seções de mobilização, de engenharia e
transporte, de abastecimentos, de comunicações, de requisições militares e de
expediente e passaporte. Durante o movimento foram criados diversos outros batalhões
de infantaria provisórios.
Continuará
JV. São Paulo, 1º de setembro de 2013.
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