A peste. 2024.
Parte 10
O desfecho.
Estava tão acostumado a não sair do apartamento durante meses e anos, que quando acordou aquele domingo de sol a inícios de setembro de 2024, se deu conta que havia deixado passar outra longa semana em casa, revisando os cadernos, fotografando e enviando para Marta aquilo que achava mais importante sobre a velha história de El Brujo López Rega.
Sobretudo lhe interessavam aquelas passagens em que ficava muito claro que o armamento pesado -talvez toneladas dele- que haviam pertencido às formações terroristas de direita da Tríplice A, havia mudado de mãos, seguramente vendido pelos traficantes do próprio bando do Brujo depois da queda e exílio deste, ou por alguém do entorno militar de Isabelita Perón.
Mas se este era o tema que girava na cabeça de Jorginho depois da última saída e tentativa de achar Roberta, a outra obsessão recorrente -até em sonhos- era a própria Roberta, seu amor mal resolvido.
Sete dias antes tinha chegado até a casa da cunhada de Roberta -depois de ser abordado por Rogério, o ex-guarda do Ministério- e foi informado que, assim que foi levantada a quarentena, ela tinha ido ficar com uma irmã no interior e que voltaria em uma semana.
Saiu direto para tentar encontrar-se com Roberta, mas outra vez o destino desviou seu caminho: a menos de cem metros do apartamento, um carro com três indivíduos o esperava e, sem demasiado escândalo, o obrigaram a subir ao porta-malas, algemado e com um pano amarrado na boca, de modo de impedir qualquer grito ou resistência.
O carro andou pelo menos uma hora -cálculo difícil de confirmar, pois nessas circunstâncias o tempo voa, ou se estica mais do que o normal-, até chegar numa chácara ou fazenda, que Jorge imaginou na Serra da Cantareira, talvez em Mairiporã, onde saiu do carro, cheio de câimbras e dores musculares e de cabeça.
Um homem de mais de oitenta anos, sentado na varanda da casa de campo, o esperava, com um amplo sorriso:
— Fiquei sabendo que gosta de literatura; de contos fantásticos em particular, né? E também conhece bastante da história do meu país, certo?- perguntou o ancião, com um forte sotaque argentino. — Não vou lhe contar quem me passou o dado, mas sei que você tem algo que me interessa, porque fala de mim, e dos meus amigos no governo do Ministério da Saúde.
— Não sei quem pode ter lhe falado tudo isso de mim (mentia Jorginho, porque já imaginava quem o tinha traído), mas saiba que hoje em dia não adianta você ficar com todos os meus cadernos, porque todos estão copiados, e nas mãos de outras dez pessoas- respondeu, envalentonado pela própria declaração.
— Sim, sim. Já me imaginava essa sua prevenção. Mas eu não quero o caderno exatamente. Eu quero a sua palavra de que não vai contar, nem passar cópia, nem me denunciar a ninguém, seja na justiça, a polícia ou a imprensa- disse o velho que Jorginho já imaginava se tratar do capitão argentino Enrique Ventureira, traficante internacional de armas.
— E como você vai me impedir de não cumprir com a minha palavra, se eu decidir fazer tal promessa?- seguia envalentonado Jorge.
— Porque se você não cumprir a sua palavra, a sua amada Roberta vai ter um final trágico. Assim de simples. Podem levar eles de volta para casa. Eu tenho certeza que vai pensar na minha proposta- disse o ancião.
O que o ex-capitão argentino, agora traficante de armas não sabia, e nem o Jorginho imaginava, é que o alarme da sua desaparição e a denúncia à polícia e à imprensa já tinham sido dados. Roberta esperava num café, a cinquenta metros do apartamento do Jorge, para encontrar-se com Marta, que queria conversar sobre a paixão mal resolvida do amigo comum. Ambas viram quando ele era abordado pelos sequestradores e imediatamente avisaram ao Ministério, ao governo da área revolucionária e a imprensa.
A vida de Roberta podia começar a correr perigo a partir desse momento, mas a do Jorge estava salva: seu celular, que havia sido tomado pelos sequestradores, possuía um chip impossível de identificar. E as polícias de ambos setores já estariam atrás da localização da fazenda onde os traficantes se escondiam
O que o ex-capitão argentino, agora traficante de armas não sabia, e nem o Jorginho imaginava, é que o alarme da sua desaparição e a denúncia à polícia e à imprensa já tinham sido dados. Roberta esperava num café, a cinquenta metros do apartamento do Jorge, para encontrar-se com Marta, que queria conversar sobre a paixão mal resolvida do amigo comum. Ambas viram quando ele era abordado pelos sequestradores e imediatamente avisaram ao Ministério, ao governo da área revolucionária e a imprensa.
A vida de Roberta podia começar a correr perigo a partir desse momento, mas a do Jorge estava salva: seu celular, que havia sido tomado pelos sequestradores, possuía um chip impossível de identificar. E as polícias de ambos setores já estariam atrás da localização da fazenda onde os traficantes se escondiam
Continuará
JV. São Paulo, agosto de 2024.
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