sexta-feira, 3 de abril de 2020

A Peste. 2024. Parte 6


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A Peste. 2024.
Parte 6

A primeira surpresa de Jorginho foi saber que havia um enorme território liberado, com um autogoverno popular e revolucionário, que havia enfrentado e derrotado a ditadura do Ministério da Saúde.
Eram grandes territórios que se espalhavam nas principais capitais do país e que, como em todos eles haviam sido capturadas armas e aeronaves de todos os tamanhos, muitas dessas áreas estavam comunicadas entre elas, com um apoio e solidariedade consistentes em alimentos e suprimentos de todos os tipos.

A segunda surpresa foi quando ficou sabendo que, em menos de cinco dias, a região liberada tinha chegado aos fundos do seu prédio no centro de São Paulo, e que já se estendia de Santo Amaro ao sul até o pé da Cantareira ao norte, e da Lapa até a Vila Formosa ao leste.

Ainda por cima, a pouco mais de um quilômetro do centro, estendendo-se até o bairro da Aclimação e uma parte de Ipiranga, o PCC e outros grupos de narcos tinham tomado o controle firme da área e não permitiam que o Ministério enviasse nem suas tropas nem suprimentos. Eles cuidaram da saúde durante a epidemia e agora, igual ao majoritário território liberado pelas esquerdas, pretendiam ampliar-se a outras áreas.

Jorginho não saia do estupor e se debatia pensando em como iria cumprir com o seu propósito de finalmente sair do apartamento e procurar sua amada Roberta.
Imaginou passeios pelos sebos do centro, como se estivesse em Paris, atrás da Maga do Jogo da Amarelinha, mas depois da triste visão da primeira livraria de usados fechada desistiu da tática. Os vendedores de livros em geral, ou tinham falecido nesses longos quatro anos, ou haviam falido e fechado seus sebos.
Pensou em andar pelos parques e alamedas, mas cadê elas em São Paulo? com certeza não seria por aí que iria se encontrar com a mulher dos seus sonhos mal resolvidos.

Por outro lado, Jorginho já andava pelos 55 anos de idade, e embora se considerasse ainda jovem, não conseguia se livrar da lembrança do Diário da Guerra do Porco, que conta como num certo dia, de modo inesperado, os jovens de Buenos Aires decidem que quem tem mais de cinquenta anos é um inútil para a sociedade. E lançam, desse modo, uma misteriosa e terrível "guerra aos porcos", na qual os jovens fazem uma caça aos velhos com a clara intenção de eliminar aqueles que hoje chamaríamos de "idosos".

Jorginho e o seu grupo de amigos, moradores do mesmo apartamento havia anos, muito antes do início da pandemia, já estavam aposentados, e se denominavam entre si, e em tom de brincadeira "os rapazes"; mas agora se sentem temerosos e desprevenidos no meio da violenta revolução que acontece na zona liberada vizinha, os tiroteios constantes na área dos narcotraficantes, e as forças do Ministério; pensam que isso pode levar a um conflito também geracional que os obrigue a alterar todos seus hábitos e a improvisar uma defesa desesperada.

Jorginho quer sair à procura de Roberta, mas é consciente que deve também aprender a deslocar-se pela cidade em horas bastante improváveis, e esconder-se dos guerrilheiros do território popular, e muito mais ainda dos narcos, dos que agora receia.
Porém, no meio do terrível conflito, Jorginho sabe que, assim como no romance de Adolfo Bioy Casares floresce o amor secreto entre o velho Vidal e a jovem Nélida, do mesmo modo que a sua eterna paixão por Roberta, mesmo que mal resolvida, nunca vai morrer, e precisa encontrá-la rapidamente.

Continuará.

JV. São Paulo, agosto de 2024.

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