segunda-feira, 2 de maio de 2011

O duro ofício de ter sido Ernesto Sábato

Estou lendo “Memorias del Miedo”, Editora da Universidade de Belgrano, de Andrew Graham Yooll. Sempre entendi que história, literatura e política correm por trilhas diferentes, porem paralelas; e às vezes, contrariando o saber que diz que “as paralelas não se tocam”, sabemos que elas sim, se cruzam e entrecruzam bastante amiúde.
E Graham Yooll, jornalista que viveu na linha de fogo dos inocentes a guerra suja da última ditadura militar argentina, sabe o quanto história, letras e política se tocam e às vezes com resultados duríssimos para quem está no fogo cruzado, como o da Argentina dos anos 70.
Lendo “Memorias del Miedo” fica claro que a teoria dos “dois demônios”, que acompanhou a primeira atitude da democracia para avaliar os anos tenebrosos das botas, era no mínimo ingênua e parecia confundir “anistia” com “amnésia”.
O castigo com cárcere aos genocidas, após processos judiciais isentos e limpos, tal como hoje acontece na Argentina, desmente a teoria de que a ditadura chegou para pôr em linha aos subversivos, uma vez que está provado que a população atingida pelos crimes excedeu, e em muito, aos grupos armados da esquerda revolucionária da época.
Sábato se enganou no início ao referendar tal teoria, porque essa era a tônica da época: poucos na classe média sabiam as monstruosidades que estavam acontecendo; muitos apoiadores do golpe cívico-militar de Videla achavam que era um governo decente que poria fim ao caos do desgoverno de Isabelita Perón y as bandas fascistas de López Rega.
As milícias armadas de esquerda e os peronistas que enfrentaram a Perón eram produto de outras duas ditaduras prévias –a de Onganía em 1966, e antes, a da “Libertadora” de 1955- e de décadas de proscrição do peronismo que, certo ou equivocado, era o movimento político da maioria. Igual ao que acontecera no Brasil em 1964, um grupo de empresários e militares, interpretando o desgosto de partes das classes médias com os governos constitucionalmente eleitos, haviam se rebelado e imposto ditaduras autoritárias, gerando a aparição de grupos armados de resistência.
É por isso que a perspectiva que agora nos dá o tempo passado desde aqueles -na época inadmisiveis- episódios, nos obriga a oferecer a Sábato um sincero reconhecimento pela sua labor na investigação do "Nunca Más", assim como pela trajetória pessoal, e pela magnífica obra literária que nos legou.
Nunca o rancor, mas sim o sentido da verdade histórica y da justiça deve orientar nossos atos e lavrar nossos afetos e desafetos políticos.

Vejam o que escreve Maria Bertoni em "Literatura, visto y oído" 30/04/2011, http://es.wordpress.com/tag/visto-y-oido-%c2%a1mas/ Tradução de J.Villanueva

"Desde esta manhã, a maioria dos meios de comunicação argentinos e alguns estrangeiros estão de luto pela morte de Ernesto Sabato.

Sabato tornou-se figura emblemática da nossa produção literária e encarnação intelectual na mídia depois que ele fora nomeado, no final de 1983, chefe da CONADEP. O Presidente Raul Alfonsín criou a Comissão Nacional de Desaparecidos, a fim de investigar o plano sistemático de aniquilação do cidadão perpetrado pela ditadura militar de 1976 a 1983. O trabalho levou à publicação do relatório "Nunca Más" e terminou no julgamento das Juntas militares responsávelis pela eufemísticamente chamado "Processo de reorganização nacional". Alguns compatriotas de Don Ernesto atribuem a ele o desenvolvimento da "teoria dos dois demônios", presentes no prefácio desse livro.

Esta análise de uma Argentina, supostamente vítima da guerra suja entre duas facções de criminosos (de um lado os "subversivos" e as forças armadas do outro), isenta de culpa aos atores civis (empresários, líderes políticos, meios de comunicação) cúmplices e / ou diretamente responsável por um terrorismo de Estado muito mais complexo e perverso, impossível de justificar com uma teoria que dá igual culpa às vítimas e aos vitimários. Anos e décadas antes de o disparate, Sabato estava sujeito a outras críticas: os anti-peronistas o censuravam pelo resgate da figura de Evita como um verdadeira revolucionári dentro do movimento fundado por Juan PerónOs peronistas, pelo seu lado, ainda não pode perdoar o seu apoio à chamada "Revolução Libertadora" de 1955 que atacou os aspectos mais populares ao dar o golpe contra Perón.

Fora deste quadro, intelectuais e escritores do porte de Osvaldo Bayer, Jorge Luis Bernetti, e o falecido David Viñas acusaram o apoio que Sábato teria dado ao golpe anterior, o de 1966, comandado por Juan Carlos Onganía, e pela assistência para o almoço com o ditador Jorge Videla, ao qual também foi convidado Jorge Luis Borges, Horacio Ratti e Leonardo Castellani. Uma opinião estritamente pessoal; eu nunca aderi à sacralização de Sabato mídia como um homem de letras, e acima de tudo como um "eixo intelectual". No entanto (e talvez uma contradição ingênua aqui), nunca deixei de acreditar na sua honestidade intelectual, ou seja, a possibilidade de que o autor de "Sobre Heróis e Tumbas" de opinnar e até de agir com total convicção, errada, sim, mas sem nenhuma intenção escusa. A Don Ernesto é creditado de ter inventado o termo "duro ofício de ser argentino", sempre útil para resumir as dores, dificuldades, decepções, e os erros que normalmente experimentamos os que habitamos este canto da América do Sul. Tal como muitos compatriotas, ele também acreditou, apostou, cometeu um erro, mas também teve de cumprir a difícil tarefa de ser Sabato".

Veja o original em espanhol em:
http://espectadores.wordpress.com/2011/04/30/el-duro-oficio-de-haber-sido-sabato/

Fonte: Maria Bertoni, Literatura, visto y oído, 30/04/2011.
http://es.wordpress.com/tag/visto-y-oido-%c2%a1mas/ Tradução livre de J.Villanueva







Um comentário:

  1. Sobre a exploração da borracha no Peru a qual se refere Vargas Llosa, releio no blog: "Carlos Fiscarrald teria se afogado nas perigosíssimas corredeiras do Alto Rio Urubamba, em julho de 1897. O seringueiro era um empresário no Peru e nasceu em San Luis de Huari, em 1862. As terras que hoje fazem parte do departamento de Madre de Dios, no Peru, entre os rios Manu, Tahuamanu, Las Piedras y Los Amigos, de repente se tornaram o foco de interesse pela borracha depois que foram descobertas as grandes florestas da valiosa árvore".

    ResponderExcluir